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segunda-feira, 16 de abril de 2012

EU NÃO ESCOLHI VOCÊ!











Ajudei-a a carregar as malas até o carro. Evitávamos nos olhar ou dizer qualquer coisa, pois nada mais havia a se dizer. No entanto, alguma coisa dentro de mim gritava de dor pelo que tinha acabado. Era como um luto. E tudo fora tão inesperado! 

Aconteceu logo depois que o He-Man – meu cão de dezoito anos de idade – finalmente morreu, após mais de uma semana de agonia. Porque eu me recusara a dar-lhe a injeção letal. Ela me chamou de egoísta. Olhou-me com desprezo. Não entendia minha dor.

He-Man foi meu presente de aniversário, dado por meus pais, quando fiz quinze anos. Era um pastor manto negro maravilhoso, um grande companheiro, um amigo de valor inestimável. Ele esteve em todos os acontecimentos importantes de minha vida; ele também estava lá, quando conheci Dorinha. Passeava com ele num final de tarde de sábado, e ela, passeava com Lulu, sua cadelinha Beagle.

Quando meus pais morreram no acidente de carro, He-Man me acompanhou durante meu período de luto. Ficamos morando sozinhos na casa de meus pais durante cinco anos, e fomos ajudando um ao outro. Era muito reconfortante chegar em casa, depois do trabalho, e saber que eu não estaria sozinho. 

Depois, Dorinha e Lulu mudaram-se conosco, e vivemos um período de muita felicidade, acredito, o período mais feliz de minha vida. Eu e Dorinha nos casamos. E parece que He-Man e Lulu estavam se dando muito bem, embora fossem apenas bons amigos. E quando Lulu se foi, atropelada por um carro em frente à casa, He-Man foi o nosso consolo.

Assim, passaram-se quinze anos desde que He-Man nasceu. Neste período, perdi meus pais, casei-me com Dorinha, perdemos Lulu, Dorinha formou-se na faculdade de Direito, e eu, em Biologia. Demos muitas festas em casa, fizemos muitos amigos, e vimos muitos amigos irem embora da cidade, em busca de suas carreiras.

Mas há mais ou menos um ano, alguma coisa começou a acontecer, ou a deixar de acontecer, entre Dorinha e eu. Ela chegava em casa cada vez mais tarde. E eu, por meu lado, comecei a sair com outra mulher, embora ela nada significasse de importante para mim. E eu comecei assim que soube que Dorinha estava tendo um relacionamento com seu sócio. Eu simplesmente não conseguia abordar o assunto, com medo de perdê-la, e fomos nos distanciando cada vez mais.

E dois dias depois da morte de He-Man, cheguei em casa uma noite e ela estava sentada na sala, as malas prontas. Declarou que não me amava mais. Disse que estava se mudando para o apartamento de seu sócio. Ao mesmo tempo que eu me mantinha totalmente frio e indiferente por fora, sentia que uma boa parte de mim desmoronava por dentro.

Quando ela se foi, entrei na casa totalmente vazia. Nunca senti tanta tristeza...

Acordei de madrugada, com o choro de um cão. Cobri a cabeça com o travesseiro, e consegui pegar no sono de novo. Mas na manhã seguinte, quando saía para o trabalho, ao tirar o carro da garagem, lá estava ele: um cachorrinho branco, com manchas marrons sobre so olhos . Apesar de bonitinho e bem tratado, aquele cão sentado à beira da caçada era o retrato do abandono. Ele se parecia comigo. Suspirei fundo e entrei no carro.

Durante o dia, nem sequer lembrei-me dele, pois tive mil coisas a fazer. Mas quando cheguei em casa, ele estava ali, no mesmo lugar, e alguém tinha colocado um pouco de leite em um potinho de margarina para ele. Quando me viu sair do carro para abrir a porta da garagem, ele veio correndo desajeitadamente na minha direção, mas eu joguei-me no carro depressa e entrei em casa, fechando a porta da garagem. Ele ficou chorando do lado de fora.

Eu não estava pronto para ter outro cão. Sentia que precisava passar um tempo sozinho, pensando na minha vida, e que um cão poderia até atrapalhar-me, já que eu tinha em mente umas férias e uma longa viagem de carro, sem destino.

Jantei e, após assistir um pouco de TV, fui deitar-me mais cedo.

Acordei por volta das duas da manhã, e parecia que ia cair uma tempestade daquelas... os clarões dos relâmpagos cruzavam o céu, clareando o quarto, e trovões ribombavam assustadoramente. O vento uivava, entrando pela greta da janela, e fiquei um tempo prestando atenção, até que, entre o uivo do vento, percebi ganidos desesperados. Fui até a janela do quarto e vi o cão lá em baixo na calçada, sentado, as perninhas de trás esticadas na frente do corpo e a barrigona cheia de leite. Ele chorava e gania, e achei que não faria mal se o deixasse passar a noite na garagem. 

Assim, desci até a rua e peguei-o no colo, no exato momento em que a tempestade desabou.

Arranjei uma blusa de lã velha e coloquei dentro de uma caixa de papelão para ele, na garagem. Antes de apagar a luz, olhei para ele, e ele estava mordendo a beirada da caixa. Eu disse a ele: “Escute aqui, eu não estou adotando você! É só por uma noite, e amanhã, você vai embora!” Ele me olhou, a cara mais feliz do mundo.

Ganiu um pouco durante a noite, mas eu estava tão cansado, que continuei na cama.

De manhã, quando cheguei na garagem, havia pedaços de papelão por todo o chão. Ele dormia, no meio daquela bagunça, como se não tivesse nada a ver com ela. Quando me viu, veio correndo, abanando a cauda, sujando a pata em um montinho... 

Eu tinha que ir trabalhar. Não poderia deixá-lo na garagem, e nem queria um cão. Dei-lhe um pouco de ração com leite, e depois que ele comeu, abri a porta da garagem e, sem que eu fosse visto, coloquei-o no quintal do vizinho. Entrei no carro e saí, sem olhar para trás.

Quando cheguei de noite, ao me aproximar de casa, vi uns adolescentes em volta de alguma coisa. Eles riam alto. Quando eu encostei o carro perto deles, eles pareceram meio sem graça ao me ver, e um deles veio perguntar: “Esse cachorro idiota é seu?”

Quando olhei para o chão, vi que eles tinham raspado o pelo do cão em algumas partes do corpo, e um dos garotos o estava pintando com as cores de um time de futebol. O cão parecia muito assustado. Lembrei-me de que haveria final de campeonato naquela noite, e fiquei imaginando o que aqueles garotos pretendiam fazer com o cão. Sem pensar mais, respondi: “É meu sim! E se vocês não derem o fora agora mesmo, vão se ver comigo, seus moleques!”

O pelo de Flaflu demorou um pouco a crescer, mas hoje, ele está bonito de novo. Estou saindo em viagem de férias, e em uma caixinha especial que coloquei no banco de trás, Flaflu, todo contente, já se sentindo o dono do pedaço, olha a paisagem pela janela.

Eu não o escolhi; ele me escolheu.

6 comentários:

  1. Que conto espetacular.Prendeu minha atenção do começo ao fim.Parabéns,Bjus\Flor*

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  2. Nem vou comentar. Vou sim. O que o samaritano faria se no lugar do cão estivesse uma criança de uns 12/14 anos, bem suja e desnutrida? Ele a retiraria da chuva? Daria banho e comida? Levaria para as férias? Não respondam, eu sei a resposta.

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  3. Me deu saudade de duas cadelinhas que perdi pelo caminho da vida: A Mona e a Lisa...

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  4. Que gostoso seu conto.Prende mesmo a atenção.adorei. Bjss

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  5. Caro senhor Yamanu, os cães não vão à escola, não precisam de roupas, sapatos e livros. Não exigem 24 horas diárias de atenção. Não precisam de plano de saúde. E também não dão tanto trabalho. Tem sempre gente que acolhe e protege crianças abandonadas, e também, os que acolhem animais abandonados. Acredito que ambos merecem carinho e atenção. MAs cada um faz aquilo que tem condições de fazer...

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  6. Sem respirar Ana, que lindo, o FlaFlu escolheu seu dono, e ainda bem que ele o acolheu. Imagino o que fariam com o cãozinho. Vi cada imagem construída como se fosse um filme. Que bom que nenhum deles permaneceu só e abandonado. Lindo demais. Esse Luiz só faz de conta mesmo...no fundo é todo sensível.

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