De manhã cedo. Hora marcada no dentista. Eu e meu marido, ao sairmos do estacionamento, passamos por um cão de rua, deitado à porta de um bazar de caridade. Imediatamente, fico chocada pelo estado do animal: as orelhas muito feridas, aparentando bicheira, os olhos baços, o corpo trêmulo. Penso: "Meu Deus! preciso fazer alguma coisa!" Tantas e tantas vezes deparei com cenas parecidas com esta, e apenas lamentei e passei direto, rezando para que alguém tomasse alguma providência; noutras vezes, tentei a associação Protetora de Animais, mas jamais consegui que eles socorressem um animalzinho sequer, nem mesmo quando eu fazia contribuições mensais. mas hoje, alguma coisa no olhar daquele cão tocou-me mais fundo.
Saí do dentista após trinta minutos, e o cão tinha entrado na loja onde funciona o bazar, e estava deitadinho num canto, tremendo muito. Aquela rua é fria, e não bate sol no inverno. Resolvi fazer alguma coisa: telefonei para a Associação, mas o telefone só dava sinal de ocupado. Assim, decidi ligar para um veterinário e pagar um tratamento para o cão.
A dona do bazar de vez em quando vinha olhar, e queria colocar o cão para fora, com cara de nojo. Pedi-lhe que esperasse, pois ia chamar o veterinário para levá-lo, e ela concordou. A atendente exigiu que eu pagasse com cartão de crédito, e fez a operação por telefone: duzentos e setenta reais. Concordei. Ela disse que o veterinário já estava a caminho.
Eu cheia de compromissos, concordei em esperar. Ela afirmou que ele não demoraria. Vinte minutos depois, liguei novamente para ela e ela disse não ter conseguido passar o cartão. Meu cartão é novo, e tem dado problemas em várias máquinas, e por isto, passei um outro cartão. Perguntei pelo veterinário, e ela disse que ele ainda estava na clínica terminando um atendimento (antes, dissera que ele estava a caminho). Esperei. Mais uns vinte minutos, e nada. Liguei novamente para a clínica, e ela disse que ele já tinha saído. A dona do bazar me pressionando para colocar o cão para fora. Tem gente que não tem coração.
Bem, continua a história: duas horas depois, nada de veterinário, e eu ali, naquela rua gelada, querendo ir ao banheiro, o cão tremendo de frio ou de febre. Ligo novamente para a clínica, e ela me informa que o carro do veterinário quebrou. Pensei: "E quando é que ela ia resolver me avisar? Será que me faria ficar ali o dia todo?" Perguntou-me se eu não poderia colocar o cão em um táxi e levar para a clínica. Além de eu não ter dinheiro o suficiente (a clínica era bem longe do local onde eu estava), motorista nenhum concordaria em colocar um cão com as orelhas em feridas, sujo e fedido, dentro do seu táxi. E eu já tinha pago a ela pelo transporte!
Se eu fosse o veterinário, na eventualidade do carro quebrar, em primeiro lugar teria avisado ao meu cliente; em segundo lugar, pegaria minha maleta de primeiros socorros e, mesmo de ônibus, iria para o local do atendimento, ver o que seria possível fazer. Mas a consulta já estava paga. E era apenas um cachorro de rua... quem se importa? E na verdade, será mesmo que ele já estava a caminho, como ela tinha me afirmado pelo menos três vezes, ou esperava que eu fosse embora para depois dizer que resgatou o cão, mas 'infelizmente, ele morreu?'
Após duas horas de espera, não vi outra solução, a não ser ir embora e deixar o cachorro lá, sentindo-me frustrada e inútil. Exigirei o estorno do cartão, mas não pude amenizar o sofrimento do cão. Quando chego no banco, a atendente me telefona para 'pedir desculpas.' Mas as desculpas dela não salvaram o cachorro.
Já chorei muito, de raiva, frustração e total sentimento de inutilidade. Alguém foi lá mais tarde, segundo minha irmã, para tentar resgatar o cão mas não o encontraram mais. Com certeza, a dona do bazar o expulsou.
As pessoas estão cada vez mais frias. Alguém que não se sensibiliza com o sofrimento de uma criatura, principalmente tendo a possibilidade de aliviá-lo... pensei nas pessoas que adquirem cães sem terem condições de criá-los, apenas para abandoná-los na rua quando eles crescem (ou antes disso). No caminho até o ponto de ônibus, vi muitos mendigos na cidade. Um deles, uma senhora tão gorda, que com certeza, precisaria de ajuda para levantar-se; muitos cães abandonados, alguns muito magros... e por cima, um perfeito céu azul e límpido, que tornava tudo ainda mais triste. Senti muito pelo cão; senti muito por tudo que vi hoje de manhã. Mas se as pessoas jogam seus filhos pela janela, picam seus parentes, traem, espancam, mentem, roubam, matam, por que se importariam com um simples cão de rua?
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Você sabe, meu senhor, por que meu texto te incomodou tanto? Porque é verdade! Você só saiu da clínica no momento em que o meu segundo cartão conseguiu passar na máquina. Você me conhece, já esteve em minha casa, já tratou de meu cão, e que eu me lembre, não fiquei devendo nem um centavo a você. Você diz que cobrou segundo o meu 'diagnóstico incorreto.' Ora, não sou veterinária! Se eu fosse, teria tratado do cão. Não o chamaria. Além disso, você sabia que eu era irmã da sua amiga, sabia meu endereço, e mesmo assim, achou que ia levar calote? E ainda diz que "No meu mundo, todas as pessoas são dignas de desconfiança?"
Você me diz que a Associação é um órgão que trabalha de graça, apenas com o intuito de ajudar, mas se é assim, por que a sua assistente me informou que vocês não cuidam de cães da Associação? Será que é porque você se importa muito com eles?
Quanto a tentar colocar o cão em um táxi:
1) Pedi a um motorista, e ele me informou que eles não podem, por lei, fazer algo assim, por uma questão de saúde pública (pensei que você soubesse disso)
2) Eu não tenho carro e não sei dirigir
3) Eu tinha PAGO pelo seu serviço de transporte.
Quanto a devolver cães abandonados às ruas, foi a sua própria assistente que me informou que o procedimento normal era este com cães de rua. Eu não posso ficar com todos os cães que os outros abandonam, apenas tentei fazer alguma coisa por um deles. E paguei por isso. Aliás, ainda estou pagando. E melhor um cão devolvido ás ruas com saúde do que doente. A própria Associação age assim, aqui no meu bairro. Tratam dos cães e depois os devolvem ao seu local de origem, onde eles estão acostumados.
Você fala da minha impaciência; impaciência esperar duas horas? E quando o carro quebrou, por que não fui avisada, e só fui avisada depois que minha 'irmã' ligou para a clínica para perguntar sobre o motivo da demora? E naquele momento, ninguém me disse que outro transporte seria providenciado. O que ouvi, foi apenas um "Sinto Muito não podermos ajudar." A decisão de procurar outro transporte veio com a interferência de minha 'irmã.'
Quanto a você dizer que eu só quero me promover, é verdade! Estou lançando um livro, e promover este livro é o meu maior objetivo no momento. Acho que você deveria fazer o mesmo a respeito de sua clínica, que segundo palavras de minha 'irmã,' vai de mal a pior. Por que será?