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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Eu Sou o Mundo




Vi a gota cair piedosa do ar,
Cair pequenina sobre o chão sedento,
Para depois ser rio turbulento
Indo morrer nas convulsões do mar.
Mas ficou tão saudosa a terra viúva,
Ardendo em sede, suspirando em mágoa,
Que o mar lhe devolveu a gota d'água
Feita de novo em lágrima de chuva.
Assim se impõe uma vontade ignota:
O rio rugidor nasce da gota,
Para que nasça o mar de seus caudais,
E do mar nascem nuvens inconstantes
Que caem de novo, em gotas fecundantes
Em efêmeras gotas imortais.




Eu vi a flor vaidosa e a brisa amena
Bebendo o orvalho da manhã serena,
Num idílio sem fim de brisa e flor.
Mas soprou o tufão depois da aragem
Despetalando a rosa na passagem,
Esmagando-a um sopro arrasador.
Porém a terra,  a mãe que nunca enjeita,
Colhe no seio a triste flor desfeita
E clama pelas águas da amplidão.
Assim renasce a flor, para que um dia
Novamente a sacuda a ventania,
Lançando as suas pétalas no chão.
Alegria que nasce de um pavor!
Visão de paz que nasce de uma guerra!
Quando ventou, a flor desfez-se em terra,
Quando choveu, a terra fez-se em flor!



Vi homens juntos a um berço de criança!
Um murmurava, debulhando um terço,
Outro sorria, cheio de esperança,
-Eram crianças que não tinham berço!
Vi homens diante de uma catacumba,
Estava cada qual mais triste e absorto;
Choravam todos em redor de um morto,
E eram mortos que não tinham tumba!
Quantas vezes nasceram e morreram,
Indo cegos do berço à sepultura!
Pois morreram assim como nasceram:
Na mesma e eterna incompreensão obscura!
Do Mundo para o Além se dissolveram,
Cegos a tudo o que aproxima os dois.
Portanto, não viveram nem morreram,
Porque jamais seus olhos perceberam
o mistério do Antes e Depois!




Sou gota e caio; sou torrente e corro.
Sou berço e túmulo; em mim nasço e morro.
Das minhas trevas surge o meu clarão;
Do meu hoje, o amanhã sereno e forte,
Ao nascer, ouço ecos de outra morte,
E ao morrer, ecos de outra geração.
Eu não conheço ausência nem degredo.
Se um dia, eu tiver medo, será medo
De mim mesmo, do enigma que sou.
E se eu fugir, de um pavor terrível,
Será de mim... mas como? É impossível,
Porque sou tudo, e em toda parte estou!
Eu sou o Mundo! Quando vier meu fim,
Como nasci, eu morrerei em mim!





Por Nemè Kazan, poeta libanês contemporâneo.



10 comentários:

  1. VIM DESEJAR UM LINDO DIA DE DOMINGO!!!!
    COM A PAZ QUE FAZ UM DIA ACONTECER...APLAUSOS PELA ESCOLHA...
    BJS DE DIA DE DOMINGO !!!!!!

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  2. Você distribui beleza todos os dias, semeia reflexão, aprofunda grandes questões, esclarece os menos avisados, cria novas perspectivas. QUER EXISTÊNCIA MELHOR? Meu abraçao por tão bela missão, despojada e despretensiosa, útil e verdadeira. Celso

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  3. Não conhecia o escritor e gostei muito de sua escolha, Ana. Bjs.

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  4. HÁ MUITO TEMPO NÃO LIA ALGO TÃO BELO, TÃO SUBLIME, CHEGUEI A ME EMOCIONAR, LINDO DEMAIS

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  5. Ama poeswia realista - obra de um verdadeiro poeta que tem poesia na veia. . . são gotas dessa poesia/arte.

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  6. Estava a procura dessa poesia, pois perdi meu livro a muitos anos... é genial. Obrigado mesmo!

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  7. Olá! Conheci esse poema no livro "As mais Bela Páginas da Literatura Árabe" organizado por Mansour Challita. Me intriga não encontrar nenhuma informação na internet sobre o tal Nemé Kazam. Alguém sabe? Estou quase pensando que é um heterônimo!

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