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sexta-feira, 19 de julho de 2013

AVENTURAS EM PORTUGAL






Texto inspirado nas dificuldades e diferenças linguísticas entre o português falado no Brasil e o português falado em Portugal.




Entramos naquele restaurante maravilhoso – eu e meu amigo português. Uma garçonete mal-humorada aproximou-se de nossa mesa, estendendo-me o cardápio. Dentre tantas variedades de pratos, achei melhor que ela sugerisse alguma coisa. Franzindo o cenho, ela respondeu:
- Sugiro a punheta.
Olhei-a, sem acreditar no que acabara de ouvir! Meu amigo permanecia impassível, olhando o cardápio. Tentando não criar um caso, decidi:
-Vou comer uma bacalhoada.
Enquanto isso, meu amigo decidiu:
- De entrada, traga-nos cacetes amanteigados. Para beber, um sumo de laranja. Eu vou ficar com a punheta.
Aos berros, a garçonete faz o pedido:
-Dois cacetes amanteigados e sumo de laranja para a mesa oito! Uma bacalhoada e uma punheta!
Senti-me corar. Meu amigo percebeu, e achando que eu estava chocada pela maneira escandalosa da garçonete, ele comentou, rindo:
-Não te preocupes! Ela deve estar com histórias... com licença, vou ali cumprimentar meu amigo banheiro um minutinho e já volto.
Enquanto eu esperava a refeição, o celular do homem na mesa à esquerda tocou, e ao atendê-lo, ele disse: “Está lá?”
Naquele momento, entra no restaurante um grupo de crianças barulhentas, acompanhadas dos avós, supus, e o homem ao telefone diz:
-Como? O que disseste? Fala mais alto, pois acaba de adentrar uns canalhas barulhentos!
Fiquei escandalizada pela maneira como ele se referiu às crianças. Meu amigo voltou, e não querendo ser indiscreta, não comentei o assunto. Fizemos nossa refeição, que estava deliciosa, e chamando a garçonete, meu amigo pediu duas bicas. Também perguntou-lhe se ela sabia aonde ficava a paragem de autocarro mais próxima, o que ela nos informou entre grunhidos.
Deixamos o restaurante. Meu amigo perguntou-me se eu não gostaria de olhar as montras, e sem graça, eu respondi que não (não tinha a menor ideia sobre o que ele estava sugerindo que eu olhasse). Então, ele pediu-me licença, dizendo que precisava ir comprar fita-cola para sua esposa, e eu sorri, pois sabia exatamente o que aquilo significava. Orgulhosa pela minha inteligência, afirmei, caprichando no sotaque de Portugal:
-Entendi! Vais comprar durex!
Meu amigo me olhou como se eu fosse de outro planeta, corando muito, e respondeu-me:
-Não! Já disse, vou comprar fita-cola! Enquanto isso, fique lá naquela bicha a guardar nosso lugar!
Olhei para o lugar que ele estava apontando, e vi um homem afeminado parado em um ponto de ônibus. Pensei no quanto seria preconceituoso referir-se a um gay daquela maneira no Brasil! Indignada, perguntei:
-Onde queres que eu fique?
E meu amigo, já impaciente:
-Ali, naquela bicha, junto ao paneleiro!
Olhei, mas não vi panela alguma... mesmo assim, fui até o lugar que ele me indicou, e dez minutos depois, meu amigo estava de volta. Estendeu-me uma caixa de goma de mascar, oferecendo:
-Queres uma pastilha elástica?
Por via das dúvidas, agradeci e recusei. Naquele momento, nosso ônibus chegou. Acho que devido à longa viagem e a tudo o que havia ingerido no restaurante, comecei a sentir-me um pouco enjoada. Meu amigo sugeriu que fôssemos a uma farmácia para que eu tomasse uma pica digestiva.
Agradeci novamente, e disse que já me sentia bem melhor.
Ele comentou:
-Antes tivesses comido a punheta!
Concordei com ele, só para não perder o amigo.


Glossário


punheta: bacalhau cru desfiado
cacetes: paezinhos
estra com histórias: ficar menstruada
banheiro - salva-vidas
Está lá? - alô?
canalhas - grupo de crianças
bica - cafezinho
paragem de autocarro - ponto de ônibus
montra - vitrine
fita-cola - durex
durex - camisinha
bicha - fila
paneleiro - gay
pastilha elástica - goma de mascar
pica - injeção

8 comentários:

  1. Ana, muito divertida sua crônica. E imaginar que cremos falar a mesma língua portuguesa! Ledo engano!

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  2. Ana Bailune

    Ri a bom rir, tal como depois de sete anos, sem essa faculdade, me entrei nesta mesma cadeira ler um post de tal poetinha, humorista por natureza por natureza.
    Li todo o teu post, pensando no que se diz aqui: "língua portuguesa é muito traiçoeira".
    Ao ler a tua certa "tradução", voltei a sorrir. Te informo então: o grande artista da canção portuguesa, Paulo de Carvalho, fez uma composição que, a determinado ponto reza assim: "até aquilo que se faz à mão, sem ele nunca mais faço".
    Bicha, devido à influência das telenovelas da Globo, caiu em desuso e passou mesmo a ser fila.
    A empregada de mesa (garçonete), mesmo má de todo. Um razoável empregado, a esse pitéu de bacalhau, apenas pronunciaria - bacalhau cru desfiado.
    Mesmo em Portugal, apenas 10.000 km quadrados, te garanto que é preciso ter um bom vocabulário para abarcar tudo. Digo por experiência própria, Até se pode notar isso na tua "tradução".
    Beijos

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  3. um dia esta colonia se tornou
    um imenso portugal
    com este português de camões
    repleto
    de palavras do inglês
    tupi e iorubá
    será que eles entendem:
    pira na cumbuca com farinha
    de uca.

    Luiz Alfredo - poeta

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  4. E quem disse que o idioma é o mesmo ???? (kkkkk) Essas diferenças de significado podem provocar sérias consequências. Ficou ótimo, Ana. Bjs.

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  5. Puro divertimento! Na mesma língua, vários momentos de "tensão"!

    Beijos.

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  6. Querida Ana, hoje os amigos merecem homenagens especiais, pois é o seu dia.
    “O verdadeiro amigo não é aquele que está com você todos os dias mas, sim aquele que, quando você está no chão ele te ajuda a levantar e diz que sempre que precisar ele vai estar do seu lado”.
    Que você tenha verdadeiros amigos, anjos sem asas, tesouros que não tem preço.
    Na vida Deus me presenteia com grandes amigos, reais e virtuais, todos importantes na minha vida.
    Que bom que posso te chamar e te sentir minha amiga.
    Abraços com carinho e desejo de felicidade.
    Lourdes Duarte.

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  7. Muito boa e divertida sua crônica , Ana . Gostei . Agradeço a partilha e suas visitas ao meu espaço . Beijos e bom domingo .

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  8. rsrsrs...Ai que divertido Ana, porém um tanto assustador porque as palavras certamente não encaixavam no (teu) contexto.

    Muito boa a blogada e obrigada por contar um pouco do vocabulário da terrinha!

    bacios

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