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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Invariável






Ainda há pouco, eu estava vasculhando as páginas de um livro sobre saúde, procurando por dicas de alimentos que facilitem a cicatrização. Não achei o que procurava, mas achei algumas folhas em papel-carta de seda, dobradas no meio do livro. Ao abri-las, constatei que tinham sido escritas pela minha mãe - não me lembro quando ela as escreveu, ou quando ela as deu para mim, mas sei que com certeza, estão dentro deste livro há muitos anos. Por mero acaso (?) eu as encontrei agora.

Trata-se de um poema. Eu o postarei aqui exatamente como o encontrei.




Invariável  - autor: J.J. Nunes Libre
Segundo lugar no concurso de poesias em Mauá



Seguir na vida sem memórias
Perder a lucidez como as certezas
Quando a noite vem,
Deixar que o tempo leve
Em verões e primaveras
Em brisas e tempestades
Aquilo que a ventura trouxe.
De que nos valem a raiva ou a ira,
Se o mundo impiedoso nos tira
A tudo em sua hora?

Primeiro vão
O ósseo e a ilusão
Dos mais remotos dias
A seguir, o romance pérfido e traiçoeiro
Das muitas auroras
De um mesmo dia.
Mais tarde, vão-se
As crenças, as memórias, os motivos...
É quando por fim, se vai a esperança,
E se apaga o brilho do olhar,
(mesmo que em pranto)
E se fecha o sorriso
(mesmo o de amargor);
E é nesse preciso momento
Que o caminho se divide em dois: por uma trilha 

É a hora em que o último suspiro de crepúsculo se rompe
E a nós, suspensos no nada
Mas absoluto e infinito,
Resta o espetáculo:
Vemos o pano cair,
A noite chegar,
E com ela levar
Uma carcaça vazia,
Sem sonhos, sem ilusões,
Sem esperanças, sem iras,
E sem mais nada...

O outro rumo,
Por tão estreito,
Por tantos ignorado,
Esse nos traz uma brisa morna,
O sopro de algum deus esquecido,
Talvez amor, talvez parecido,
E nele o ocaso é diverso:
O céu é limpo,
E o vermelho é excesso
Num misto de fantasia e de susto.
A noite vem, mais lenta,
Dando forma e brilho,
Ao sonho perdido:
Uma estrela!
E não mais sozinho
Se percorre o indevassável caminho dos pensamentos...

Mas não se iluda!
A poucos são destinados esses momentos
E a menos ainda,
Sua ventura,
Pois no meio da noite escura
A ventania arromba portas
E destrói janelas,
para com elas
Saciar o sádico capricho
De restituir a perda e o dano
Para quem como louco e insano
Sem coordenar os próprios desejos,
Por esse resgate impossível
Grite o grito inconcebível
Dos animais, dilacerando o peito
E grandes jazer sem mais segredos, sem credos,
E sem tudo de novo,
A de espalhar por toda parte
O inverno aos descontentes
E o terror por toda parte.

E assim finda sempre
A humana sorte:
Ou a loucura te entregas
Ou te entregas à morte!



2 comentários:

  1. Poucos poemas que conheci
    são poemas
    este é um
    porque é escrito com a alma
    molhada de vísceras
    e sangue
    é quase todo coração
    vomitando versos
    sobre a existência de si
    e do mundo

    Luiz Alfredo - poeta

    ResponderExcluir
  2. Ana, por acaso vc encontrou, foi? Nada disso, o poema é dorido, mas é forte e cheio de vida. Abrace a certeza de que nunca esteve, nem estará sozinha. Abraço

    ResponderExcluir

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