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terça-feira, 31 de julho de 2012

Fé na Pedra - conto









Um dia, caminhando por um jardim público, em um momento no qual passava por uma imensa tristeza e muitas dificuldades, Julia vislumbrou através da nuvem de lágrimas que encobria seus olhos, alguma coisa que faiscava de brilho, no chão, alguns passos adiante. Secou as lágrimas com as costas da mão, e inclinando-se até o chão, pegou o objeto.

Era uma estranha pedra branco-azulada, com alguns veios dourados que mais pareciam estradas tão finas quanto fios de cabelo em seu interior. O mais incrível, é que ela tinha a forma perfeita de uma pirâmide.

Julia tinha lido, há algum tempo, que pirâmides eram objetos que continham muito poder e magia, e considerou seu achado como um presságio de boa sorte. Levou a pedra para casa, e colocou-a em seu pequeno altar, onde já moravam a imagem de São Jorge, em uma estátua, um vaso com flores sempre frescas e uma fotografia de seu falecido pai.

Naquela noite, ela acordou e foi olhar a pedra. Ao acender o abajur, a luz fez com que ela brilhasse intensamente. Era mesmo uma linda pedra! Ainda um pouco entorpecida pelo sono, Julia viu-se fazendo um pedido à pedra: que lhe ajudasse a ter sorte na entrevista de emprego que faria na manhã seguinte.

Quando amanheceu, ela vestiu-se muito bem, maquiou-se levemente e, confiante, sentou-se à mesa para o café. A mãe e a irmã comentaram que Julia estava com uma aparência radiante! Foi para sua entrevista, e foi imediatamente selecionada, entre muitos candidatos!

Depois de  apenas algumas semanas, recebeu uma promoção e um bom aumento de salário. Os colegas a olhavam com admiração, dizendo que não era comum que funcionários novos fossem promovidos tão rapidamente. Julia sorriu, lembrando-se de seu amuleto da sorte.

Um dia, após o trabalho, ela estava indo para casa, em uma tarde quente de verão. Suava em bicas dentro do coletivo lotado, e ao chegar em casa, olhando para a pedra, pensou: "Gostaria de poder ter um carro para ir ao trabalho e voltar para casa..."  No dia seguinte, ficou sabendo que a companhia ceder-lhe -ia um de seus carros.

Desde que encontrou a pedra, a vida de Julia mudou radicalmente, e para melhor! Passou a ter mais confiança em si mesma, e coragem para ir atrás das coisas que desejava.  Sua fé aumentou consideravelmente, e embora ela atribuísse tudo à pedra que encontrara, não sabia que esta era apenas um objeto que a ajudava a acreditar em si própria. Um símbolo, através do qual ela projetava a si mesma.

Um dia, recebeu em sua casa a visita de uma velha amiga, que ao ver a beleza da pedra, perguntou a Julia do que se tratava. Animada, ela contou-lhe toda a história - da tristeza em que se encontrava ao achar a pedra, e da reviravolta que sua vida dera desde que levara a pedrinha para casa. A amiga, que era uma pessoa muito religiosa, quase beirando ao fanatismo, imediatamente retrucou:

"Jogue esta pedra fora, Julia! Com certeza, é um amuleto do diabo. Superstições não ajudam ninguém a melhorar de vida, apenas a fé pura em Deus e em Nosso Senhor Jesus Cristo."

"Mas... mas eu tenho fé em Deus e em Jesus Cristo!"

"Se tivesse, não precisaria de uma simples pedra. Prove que tem fé realmente, jogando-a fora agora mesmo!"

Julia hesitou bastante, mas finalmente, após a insistência da amiga - que teimava em descrever a Julia o que significava a verdadeira fé - ela pegou a pedra e atirou-a com força pela janela.

Na manhã seguinte, após uma noite mal-dormida, ela amanheceu adoentada, e não pode ir ao trabalho. No outro dia, quando apareceu no escritório, tinha a aparência cansada, e cometeu muitos erros. Semanas depois, foi demitida. Em pouco tempo, Julia voltou a ser a pessoa triste e derrotada que fora antes de encontrar a pedra.

******************************************

Moral da história: quem somos nós para questionar a fé de alguém? Talvez, para alguns, a fé em um simples objeto ou ritual,  as ajude a se tornarem mais confiantes, até que possam perceber, em seu próprio tempo, que na verdade, não necessitam dele.

Às vezes, Deus nos manda uma pedra quando precisamos de fé.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

RASTILHO





O rastilho lastra a pólvora
Fareja destruição
Fogo rasteia o pavio
Procura por explosão...

O chiado ciciando,
Pavio curto apontando
A pólvora se preparando
O rastilho rastejando...

A cobra acende o pavio,
A maldade aviva o cio,
Explode, queima, destrói,
E o veneno se espalha!

A palavra arrematou
O fio desta mortalha!
E o que restou da pólvora
Secou por sobre a cangalha...

DESCOBERTAS



Todos temos (ou tivemos) recantos em nós, estes, cheios de cantos e frestas que ninguém percorre, onde nenhuma luz ou facho jamais incide. São como estradas que ninguém - especialmente nós mesmos - deseja percorrer. São caminhos abandonados, onde a paisagem cinzenta e salpicada de ruínas parece-se com a de algum filme de terror.

Lá, deixamos nossos piores medos, nossos maiores fracassos e um ou outro arrependimento. Também ficam lá os sonhos que não realizamos, e deixamos Trancamos bem a porta.

Muitas vezes, vagam por lá os nossos mortos. Eles voltam a nós em sonhos, quando descuidadamente deixamos a porta entreaberta, e eles voltam para nos assombrar. Assombrar, sim, pois estão mortos, e assim permanecerão: fantasmas em nossa memória.

Muitas vezes, outras coisas escapam de lá, e nos obrigam a pensar sobre elas. Mas elas são tão inadimissivelmente terríveis, que preferimos trancá-las novamente, na esperança de que morram à míngua, mas elas não morrem, e no fundo, sabemos disso. Um dia, teremos que lidar com elas, mas não hoje, não agora...

Esquecer é um processo muito extenuante, pois para que ele dê certo, temos que lembrar-nos dele o tempo todo. Não é como simplesmente apagar uma luz. Não é o mesmo que fechar os olhos, ou virar de costas. Esquecer é aprender a ignorar.

Esquecer é lembrar-se o tempo todo de que não devemos lembrar daquilo mesmo que tentamos ignorar. Até que um dia, conseguimos passar um longo tempo neste processo. Pensamos: "Conseguimos!" Mas só este pensar, é o suficiente para nos levar de volta àquele recanto funesto dentro de nós mesmos, e ao cutucarmos com o pé as lembranças moribundas, vemos que elas ainda respiram, e voltam para nós os seus olhos semicerrados, estendendo-nos as garras.

É melhor não ter estes recantos.

Não precisamos fazer nenhum esforço para nos esquecermos daquilo que um dia foi dor. Podemos transformar esta dor em outra coisa, em aprendizado, em experiência de vida, em poesia, em uma estória para contar. Podemos transformar essas memórias dolorosas em lindas pedras, e colocá-las à beira da estrada para embelezá-la, e dar aos outros viajantes um local onde eles poderão sentar-se para descansar.

A vida não precisa ser um processo triste. 

Aprendi a lidar com minha solidão e transformá-la em uma companheira. Aprendi a desfrutar de meus momentos de forma rica e satisfatória, e fiz de mim mesma minha melhor amiga. Hoje, a possibilidade de passar algumas horas a sós comigo mesma transformou-se em um evento muito feliz. 

Acho que é uma grande causa de sofrimento, a tentativa de querermos fazer parte de uma maneira forçada, só porque achamos que isso seria o 'normal'. Assim, procuramos estar o tempo todo rodeados de 'amigos', em meio a muita agitação e música alta, a fim de não ouvirmos os gemidos que vêm daquele recanto dentro de nós. Chegamos ao cúmulo de forçar nossa presença onde nem sequer somos bem-vindos. Apenas para sentir que "fazemos parte."

Não existe uma definição para 'felicidade', mas todos nós sabemos, instintivamente, o que ela significa para cada um de nós. O problema é quando se tenta estabelecer um padrão, onde toda e qualquer pessoa deva encaixar-se para considerar-se feliz. Daí, só podem nascer a frustração, a comparação, a ansiedade.

Sou feliz da minha maneira, e minha receita só serve para mim. Mas posso dizer que:
-Aprendi a desfrutar de minha própria companhia e posso passar muitas horas sozinha e sentir-me muito tranquila e feliz.
-Jamais me comparo a ninguém.
-Não tenho inveja.
-Não nego meus sentimentos, nem crio recantos cinzentos dentro de mim.
-Não nego a minha sombra - aquele lado demasiadamente humano, onde estão sentimentos como raiva, indignação, medo, fúria, desejo de estrangular alguém, ou de vingar-me. Ao contrário, procuro reconhecer esses sentimentos dentro de mim e transformá-los em outras coisas, aprendendo a dominá-los.
-Acho importantíssimo, aliás, a coisa mais importante do mundo, conhecer a mim mesma.
-Gosto de mim como eu sou, e procuro melhorar sempre, não pelos outros, mas por mim mesma.
-Aprendi a dizer não e estabelecer meus limites.
-Não deixo que ninguém tente pisar em mim ou manipular-me. 
-Procuro não ter preconceitos, e se eles surgem, trago-os à tona e tento entendê-los, mas jamais negá-los.
-Aprendi a desenvolver e usar a minha intuição, sentindo as energias que me cercam e trabalhando com elas, e estou aprendendo a proteger-me de energias nocivas.
-Sempre presto atenção a minha intuição, mesmo que a mensagem pareça absurda no momento. 
-Tento fazer de minha casa, um templo. Um lugar de paz e harmonia, descanso e recuperação.


Estas são as coisas que fazem com que eu me sinta bem. Não sou nem desejo ser perfeita, e nem gosto da palavra 'perfeição', pois ela não passa de uma quimera, algo imposto pelas religiões para que nos sintamos sempre inadequados e falhos, sendo assim dominados por aqueles que tem "A Verdade."

Eu tenho a minha verdade, e talvez ela não sirva para você.

domingo, 29 de julho de 2012

Para Onde Foi a Cerejeira?...



Eu compreendo muito bem que árvores junto a uma piscina - local onde deve reinar, absoluta, a luz do sol - não é um bom arranjo; compreendo também que naquela rua deserta e um pouco úmida, o excesso de árvores em volta de uma casa não ajudará a umidade a dissipar-se nas manhãs de inverno.

Mas eu não compreendo passar por ali e não ver mais o luar entre os galhos daquela cerejeira, infestada de flores, que quando caíam, pintavam a calçada de cor de rosa. A árvore apinhada era um espetáculo sem igual! Os galhos debruçavam-se por sobre o muro, e iam se oferecer aos poucos passantes da rua - privilegiados como eu - que podiam fotografá-los, cheirá-los ou simplesmente, deleitar-se olhando para eles, no mais puro êxtase de beleza!

Ficaram, no início, apenas os troncos com os cortes farpados, restos da cerejeira cortada. Depois, nem isto... ontem passei por ali, e a cerejeira tinha sido completamente removida. Olhei para o céu, e o luar estava nu.

Agora, só me restam estas fotos, que tirei em um momento de puro esplendor, quando voltava para casa, há uns dois anos. Lembro-me de que larguei as compras no chão, peguei meu celular e passei alguns minutos ali naquela rua, fotografando a linda cerejeira em flor.







sábado, 28 de julho de 2012

Transformação






TRANSFORMAÇÃO

Aquele velho sorriso
Que eu tinha, já se foi,
Cortadinho em mil pedaços,
Amortalhou-se.

Mas ficou um outro riso
(Talvez não tão franco ou bonito)
Mas ficou, e se transforma
A cada dia, lentamente,
Em algo um pouco melhor.

Morre um riso, nasce outro,
Porque sorrir é preciso.

To Sir With Love - Uma Lembrança











To Sir With Love - Uma lembrança

Quando eu estava na sexta série, e estudava no colégio EPA, aqui em Petrópolis, havia um professor de quem todos gostávamos. Ele era engraçado, divertido e tinha uma maneira de ensinar tão especial, que quando ele falava, a classe toda ficava quietinha, ouvindo-o. Ele lecionava história, e a partir do momento que passei a ter aulas com ele, esta matéria deixou de ser uma das que eu menos gostava, e passou a ser a minha favorita, já que eu conseguia prestar atenção e aprender sem esforço. A aula era muito interessante, e ele, um professor habilidoso...

Mas um dia, uma coisa aconteceu que mudou meu modo de pensar; um dos meninos havia assitido na TV a uma reportagem  sobre algo que estava acontecendo na época - não consigo lembrar-me do que era, mas tinha alguma coisa a ver com política - coisa com a qual eu nem me preocupava aos doze anos de idade. Este menino fez uma pergunta sobre aquilo ao professor, que respondeu-lhe com toda convicção, e já ia continuar aula, quando o menino interferiu com uma outra pergunta sobre o mesmo assunto; novamente, o professor a respondeu (já demonstrando um pouco de impaciência), mas o menino rebateu a afirmação do professor, discordando do que ele dissera, e apresentando seus argumentos - que, acredito, talvez fossem até equivocados para quem tinha apenas treze anos. Tudo estava indo bem, mas naquele momento, o professor levantou-se de sua mesa, e aos berros, apontou ao garoto a porta da sala de aula, mandando que ele saísse imediatamente, dizendo: "Como é que você se atreve a discordar de mim? Quem você pensa que é?"

Naquele momento, fez-se um silêncio sepulcral na sala de aula, enquanto o garoto seguia para fora, em direção à secretaria, de cabeça baixa. Todos ficamos indignados com o que aconteceu. Perdeu-se, para nós, a simpatia que tínhamos por aquele professor, que demonstrou ser apenas mais um ditador arrogante disfarçado, ao agir daquela forma com alguém que tinha uma opinião diferente da sua. Todo o seu discurso sobre igualdade e democracia foi por água abaixo...

Não sei se, naquele dia em especial, o professor estava aborrecido com alguma coisa que acontecera fora da sala de aula, mas hoje, pensando sobre o que aconteceu, eu entendo que, seja lá o que for que tivesse acontecido, quando uma opinião contrária à nossa nos é apresentada, e nós a trancamos lá fora, excluindo a pessoa que opinou, estamos demonstrando não a nossa sabedoria, mas a nossa presunção. E da presunção, não brota nada. Achar-nos melhores que outros por termos mais conhecimento, tira de nós aquela coisa maravilhosa que é abrir-mo-nos a novas idéias, mesmo que depois de ouví-las, ainda preferamos permaner com as nossas.

Neste caso, eu gosto daquela canção de Raul Seixas, que diz "Eu prefiro ser aquela metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo." A distância entre uma opinião e o preconceito, é de apenas centímetros; às vezes, vai do ouvido de quem escuta até a boca de quem fala.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

"A Vida Não é Fácil..."






A vida não é fácil
Se você nem ao menos tentar...
Mas antes, é preciso descobrir
O que você deseja buscar,
Pois quando não há rumo,
Como pode haver caminho,
Como pode haver um chegar?


A vida não é fácil,
Para quem não se esforçar
Um pouquinho só, que seja,
Dar um passo a cada dia,
É preciso fazer escolhas,
É preciso ter uma
Ou quem sabe, duas bolhas
Na palma da mão,
Resultado de trabalho,
De esforço e dedicação.



A vida não é fácil
Para quem só quer sonhar
E acha que tem o direito
De ter tudo o que quiser
Mas sem jamais se esforçar...
Não importa aonde estejas,
Não importa quem tu sejas,
Ou o se o berço onde nasceu
Foi de ouro ou foi de palha...



O que importa, é um objetivo,
Um caminho pra seguir,
Um desejo de crescer,
Ousadia pra sonhar,
A vontade de vencer,
Disposição para o trabalho,
E por dentro, uma fé grande
Naquilo que quer buscar!



A vida é sempre difícil,
Para quem se senta, inerte,
E se põe a reclamar,
Lamentando a sorte má,
As pessoas que lhe cercam,
Os exemplos que não teve,
A vitória que não veio
Da batalha que nem lutou...
A vida é sempre difícil
Para quem só tem desculpas
E que gosta de por culpas
Naqueles que o criaram.



O medo é uma arma fraca,
A autopiedade, uma desculpa
Das mais do que esfarrapadas
Para ficar onde está,
Sonhando com o que não tem,
Chorando porque não pode,
Culpando quem não lhe dá
Aquilo que você quer.



Basta um pouco de autoestima,
Amor próprio, objetivo,
A vontade própria é sempre
O maior dos incentivos!
Basta acordar mais cedo,
Traçar o sonho com o dedo,
Por fé naquilo que quer,
Amar aquilo que é...
E acima de tudo, ser grato,
Olhar em volta, perceber
Que  a metade do caminho
Já foi trilhada, ao nascer...

quinta-feira, 26 de julho de 2012

APETITE











Tinha uma fome insaciável,
Passava tardes entre banquetes
A língua lânguida deslizando
Por sobre os cones de mil sorvetes.

Tinha uma fome tão perigosa!
Enchia a boca de mil mordidas
E mastigava tudo, ruidosa
E engolia frementemente.

Tinha uma fome de muitas eras,
Prendia tudo entre lábios e dentes,
E escorriam de sua boca
Todos os sumos das frutas quentes.

Tinha uma fome que não passava,
E mergulhava em potes de mel
Cremes, champanhes, e muitos doces
Mas sua fome só aumentava!...

Tinha uma fome de pratos cheios,
De camas quentes, lençóis de seda,
E ela servia-se sobre uma mesa
Para senhores de fino gosto.

Tinha uma fome de fazer gosto,
E devorava, com muito gosto
Tudo o que via e que tinha gosto
Com tal prazer, e com tanto gosto,

Que sua mesa era sempre farta,
E suas ancas, sempre tão cheias!...
Deliciosas, todas as ceias,
Mais quente o sangue de suas veias!

Bom Dia!







Eu hoje gostaria de desejar um bom dia a todos que me leem (e a todos que não me leem). 

Quando um novo dia começa, o sol que desponta no horizonte traz preso a si um longo fio de acontecimentos, que faz com que o dia, apesar de novinho em folha, seja uma continuação do ontem. Espero poder lembrar-me disto no decorrer de mais este dia, para que as minhas cargas, amanhã de manhã, não sejam pesadas.

Trago comigo, no começo deste dia, toda a minha vida: o que aprendi, meus erros e acertos, minhas saudades e tormentos, minhas alegrias e tristezas, o que foi bom, o que foi ruim. Ao colocar tudo na balança, percebo que a minha vida tem sido boa, apesar de tudo. Existe a falta dos que se foram e jamais retornarão, mas ao mesmo tempo, existem as boas memórias do que foi vivido ao lado destas pessoas que passaram pela minha vida, e estas, estarão sempre vivas. E mesmo tendo sofrido suas perdas, se eu tivesse que começar tudo outra vez, eu não escolheria, jamais, não tê-las conhecido.

Algumas vezes, as pessoas se perguntam: "Se você tivesse que fazer tudo de novo, o que mudaria?" Bem, eu acho que não mudaria muitas coisas... porque tudo o que eu passei foi necessário para que eu chegasse aonde estou. E esta compreensão, este pensamento, enfim, tudo o que eu sou, aprendi ao longo deste caminho. Mas... um outro caminho teria sido melhor e mais útil? Não sei... e este é um tipo de especulação inútil, pois jamais saberei a resposta.

A minha única certeza é o momento em que eu vejo o sol despontar no horizonte, e ela dura apenas um breve segundo.

Bem, um bom dia a todos. Hoje e sempre.

****


Ps: olhando melhor a foto, vi o horário em que ela foi feita, e constatei que a fotografia é de um por de sol, e não de um nascer do sol. E cheguei a conclusão de que talvez isto signifique que o findar de uma vida seja também assim: igualzinho a um recomeço. O que muda, é o horizonte.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Tarde Transformada






Estava prevista esta mudança no tempo. Alguém me disse que uma frente fria estava chegando. Mas confesso que eu não estava preparada para o quão rapidamente isto aconteceria! Há apenas alguns minutos, eu estava deitada na rede da varanda, encantada com o tom azul forte do céu e a beleza de um lindo dia ensolarado de inverno; agora, ergo os olhos da tela do computador, em direção à janela, e vejo as nuvens cinzentas que ocuparam todo o espaço azul.

Penso na vida... nunca sabemos os acontecimentos que nos aguardam. Não temos ideia do quão rapidamente o tempo pode mudar, em uma vida, trazendo acontecimentos nefastos ou felizes. Muitas vezes, vemos pessoas que passam por dificuldades, e diante da perseverança destas, pensamos: "Ele é forte! Eu jamais conseguiria passar por tudo isso assim, tão serenamente..." Mas a cada dia, o seu quinhão... quando chegam os tempos difíceis, nos vemos passando por eles.

Por falta de alternativa, tornamo-nos verdadeiros heróis! Cobrimos distâncias que pensávamos ser incapazes de percorrer. E nem sempre o céu coberto de nuvens torna-se logo azul novamente... pode levar muito tempo, mas continuamos, vivendo um dia de cada vez, até que possamos vislumbrar uma certa claridade que nos dê forças para continuar até a manhã seguinte, e depois, até a outra, e a outra...


Viver e Renovar-se







Ontem à tarde, minutos antes de minha aula começar, recebi um telefonema e uma notícia difícil ; imediatamente, comecei a perder o senso, e sentir aquelas coisas que todo mundo sente quando está apavorado: suores frios, coração acelerado, respiração pesada, formigamento nas mãos... ainda ao telefone, olhei para fora:

Estava uma tarde linda, maravilhosa. Uma daquelas tardes nas quais a gente pensa que, se existe a perfeição, ela só pode ser assim! Passarinhos por todo lado, um esquilo brincando na grama, o sol brilhando, o vento refrescante soprando como sempre... respirei bem fundo, ao desligar o telefone, e pensei: "De nada adianta perder a cabeça; nada vai mudar. Aconteça o que acontecer, o mundo não pára por causa de nada, e você vive neste mundo!

Logo depois, chegou meu aluno com sua linda namorada tailandesa, de férias no Brasil, e comecei a aula. A tarde passou correndo, ficamos os três conversando, e quando percebemos, a aula já deveria ter terminado há trinta minutos! Quando eles se foram, olhei novamente à minha volta, e a tarde estava ainda mais linda.

Quando meu marido chegou, passei-lhe as notícias, e fomos dormir com os corações pesados; mas ao acordar, deparo com uma manhã extasiante. Como se nada tivesse acontecido, e todos os dramas só fossem dramas porque nós escolhemos que sejam assim.

Quem sabe o porquê das coisas que se dão? Será que não existe um outro significado por trás de tudo a que chamamos drama? E se agente escolhesse modificar as nomenclaturas, substituindo 'drama' por 'experiência'? E se a gente decidisse que o que importa, não é o final da história, mas o que experimentamos enquanto a história acontece?

Porque não importa o que aconteça, os dias vão continuar começando e terminando, chovendo quando tiver que chover, ventando quando tiver que ventar e fazendo sol quando tiver que fazer sol. 

Sejamos como as árvores, que se inclinam humildemente ao vento que sopra, abrem seus galhos para a luz do sol, quando ele brilha, e recebem com alegria as gotas de chuva. A única cerrteza que temos, é que no final de tudo, a vida vai continuar. Então, para quê fazermos drama? A vida não precisa ser assim!

Ninguém consegue alegrar-se diante de uma notícia preocupante, mas podemos, pelo menos, não superdimensioná-la. Como disse o Eclesiastes, "Há um tempo para tudo debaixo do sol." E nada podemos fazer a fim de acelerar este tempo, e nem temos o poder de pular as etapas desagradáveis. Vamos vivê-las, todo dia um pouquinho, até que, finalmente, elas passem, como tudo passa...


Publicado no Recanto das Letras em: 30/11/2010 08:22:42

terça-feira, 24 de julho de 2012

A Aranha





Passeando pelo meu jardinzinho há alguns dias, eu procurava por imagens para ilustrar meus textos. Fotografei o céu, as borboletas, as joaninhas, os besourinhos na grama. Foi quando deparei com o objeto de meu pavor, serenamente parada sobre uma folha: a aranha.

Não era muito grande; tratava-se de uma espécie papa-moscas, maior que a maioria das aranhas desta espécie. Geralmente, eu teria saído correndo de medo desse bicho pavoroso, mas alguma coisa me fez prender a respiração e me controlar. "Ora, uma mulher dessa idade, com medo de um bichinho tão minimamente peçonhento, que poderia ser esmagado em menos de um segundo?!"

Pus-me a observá-la. Ela pareceu perceber minha atitude, pois virou-se devagarinho na minha direção, e passou a observar-me também, com aquele par de olhinhos cravados no meio de uma minúscula carinha monstruosa.


 Encarei-a de volta. Mesmo com o coração ainda descontrolado, murmurei: 'Não tenho medo de você." Ela se mexeu, firmando-se melhor nas patas dianteiras, e esfregando os ferrões.

Lembrei-me que segurava a câmera fotográfica, e decidi fotografá-la. Mas a danada se assustou comigo, e rápida e fagueira, de repente lançou-se em minha direção, pendurada em uma fina teia quase invisível. Dei um pulo para trás, é claro. Mas pensei: "Essa aí não pode pensar que me derrotou!"

Câmera em punho, reaproximei-me, e passei a rodeá-la , procurando o melhor ângulo. Ela tentou várias estratégias para evitar-me: escondeu-se sob a folha, tentou um outro voo, fingiu-se de morta... e eu, continuei meu trabalho.



De repente, percebi que o pavor tinha passado. Bem, ela era pequena, mas já representou um grande progresso nessa minha fobia lendária. Quem sabe, da próxima vez, se aparecer uma maior, eu não pague um micão, como sempre? Acho que aos poucos, vencemos grandes fobias.


Ps: A aranha não é esta da foto; não consegui achar a imagem verdadeira entre as minhas muitas fotografias...


"Eus"





Há EUs demais
Em teus ditongos.
Por que tanta anomalia
Nesse teu pensamento
Longo?

Tantos muros,
Caminhos duros,
Tombos!...

Não alcanço
O motivo dessa seca
Em teu remanso,
Se o rio é largo,
Longo!...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A Pena





Aquele que diz: "Tenho pena,"
Muitas vezes, quer mostrar
Sua 'superioridade...'
Ninguém há de sentir pena
Daqueles a quem admira,
Ama, ou considera dignos
De ter entre os seus afetos...

A tua 'pena,' eu dispenso,
Nem tenho pena de ti...
Pois a pena que tu sentes,
Talvez seja o sentimento
(O único sentimento)
Que há de brotar de ti...

Fiques tu, com tua pena ( malogro de piedade)
E eu fico com a minha pena (minha palavra, verdade).

Aos Olhos do Observador-Conto




Dois amigos passeavam pelo jardim da casa de um deles - mais favorecido pelas posses. Este último tinha convidado o primeiro para visitá-lo, pois sentia-se vazio e infeliz, e necessitava de alguém com quem conversar. Vamos chamá-los de Zé (o mais feliz) e Chico (o infeliz).

Enquanto Zé caminhava pelo jardim, reparava na beleza das árvores: seu amigo tinha plantadas várias fruteiras: goiabeiras, pitangueiras, limoeiros, laranjeiras, jabuticabeiras, pessegueiros e ameixeiras, onde pousavam passarinhos de todas as cores, cantando felizes. Algumas frutas maduras tinham caído no chão e permaneciam sob as copas das árvores, e alguns esquilos alimentavam-se delas. Logo, Chico reclamou:

"Não sei mais o que faço para acabar com esses pássaros malditos! Comem todas as frutas!"

O amigo Zé percebeu, mas ficou calado,  que se não fossem pelos pássaros, as frutas apenas apodreceriam nas fruteiras, pois o amigo não as colheria jamais.

Passaram por um lindo córrego, pequeno, mas que dava ao jardim um ar de beleza e frescor, além de emitir um ruído reconfortante. Zé achou aquilo maravilhoso, mas Chico observou com amargura:

"Estou pensando em mandar aterrar este riacho. O barulho me incomoda durante a noite."

Enquanto caminhavam, eram seguidos de perto por Bibo, o cão vira-latas de Chico. O animalzinho cheirava as moitas, corria, brincava e pulava; de vez em quando, trazia um galho seco, que Chico jogava para ele, que saía correndo e latindo atrás do galho, trazendo-no de volta para que Chico o jogasse novamente. De repente, Chico bradou com impaciência:

"Sai daqui, animal estúpido! Deixe-me em paz!"

O animalzinho assustou-se, e saiu correndo com a cauda entre as pernas, indo esconder-se sob uma moita. Penalizado, Zé entendeu que provávelmente, Bibo estava acostumado àquele tipo de tratamento, pois parou de seguí-los.

Finalmente, o passeio terminou na varanda, onde havia uma rede, duas cadeiras confortáveis e uma jarra de refresco de frutas esperando por eles em uma mesinha. Após servir-se de um copo, Zé falou:

"Você tem um belo espaço aqui, Chico! Uma beleza só... árvores de frutas, flores, passarinhos, um cão... e até um riacho! Luxo só!...

Suspirando fundo, Chico respondeu:

"Quer saber? Comprei este espaço para fugir da vida agitada da cidade grande, onde não aguentava mais viver. Tanta poluição e barulho, competição... mas acho que me decepcionei, não consigo ser feliz aqui, assim como não era feliz por lá. Minha mulher finalmente me deixou, levando os meninos, e fico aqui sozinho o tempo todo."

Desejando animar o amigo, mas sabendo que qualquer coisa que dissesse poderia ser inútil, Zé pensou bem antes de falar. Depois, tomando um gole de suco e olhando em volta, para a beleza do lugar, ele disse:

"Amigo, me desculpe, mas se você não é feliz aqui, não será em lugar nenhum! Olhe só em volta, tanta beleza e riqueza... sabe, eu acho que o que lhe falta, é deitar naquela rede ali, que está balançando sozinha pelo vento desde que cheguei... e de lá, observar o que você tem, e dar mais valor, ser mais grato por tudo. E ter paciência com as pessoas, pois você sempre foi tão 'estourado,' que acabou afastando todo mundo."

Chico olhou para o amigo,  pensando no quanto aquelas palavras eram simplórias... só mesmo o Zé para ter um pensamento tão bobo! Mesmo assim, sabia que ele estava tentando ajudar. Para agradá-lo, foi até a rede e deitou-se - algo que nunca tinha feito antes. E não é que a paisagem de lá era mesmo bonita?

De mansinho, Bibo foi se aproximando, e deitou sob a rede. O dono começou a acariciá-lo. O 'barulho' do rio tornou-se bem mais agradável, até que virou  um ruído relaxante e delicioso. Dali ele podia enxergar os passarinhos, e começou uma conversa com o amigo, na qual ambos, lembrando os tempos de infância em que brincavam perto de uma mata, começaram a identificar algumas espécies.

No final da tarde, Chico estava com as mãos sujas de terra - passaram algumas horas capinando canteiros e replantando mudas de flores - suado, e sentindo-se revigorado pelo trabalho. Além de tudo, sentia por dentro uma sensação que nunca tivera: a felicidade.

Descobriu-a dentro dele, ao deitar-se naquela rede.

sábado, 21 de julho de 2012

Meu Desejo




Do que há de vir, desejo a cura,
Não apenas da doença que nos ronda,
Mas também do medo de enfrentá-la,
De sentar-nos à mesa e comermos com ela, 
Tentando, mesmo assim, não encará-la, 
E de, todas as noites, tê-la à cabeceira
Como nossa guardiã e companheira.

Do que há de vir, desejo a cura,
Daquilo que a causou, que está em nós
E que se fez raiz desta loucura
Que provocamos, através do que pensamos
E que hoje paira sobre nós
Como uma sombra que aguarda
E que nos guarda a dor que choraremos.

Do que há de vir, só quero a cura,
Mesmo sabendo que ela pode nos ser cara,
E que o caminho a percorrer será escuro,
Que entre mim e o que desejo, existe um muro
Que só os que tem muito amor e fé
Tem também a esperança e a força necessárias
Para, total e definitivamente, derrubar...

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Flecha





Amarrei forte
O sonho à flecha;
Lancei no ar...

Raios de sol
A colorir,
A iluminar!...

E o que me importa,
Não é o alvo,
Mas o sonhar!

Pus um pedaço
Do coração
Neste lançar!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

ACIMA





Voava a imensa águia,
Acima dos pensamentos,
Colecionando momentos...
Asas abertas,
Olhos atentos...

Voava acima do que paira
Sobre esse mundo de cimento,
Ia nas asas do vento,
Penas ao sol...

Voava a imensa águia,
Pássaro nobre,
Pousava sobre o gelo azul,
E a paisagem...

Vivia sua liberdade,
Depois pousava,
Sobre o braço forte
Que alguém lhe esticava!

Sempre voltava!

O Sapo Insólito - conto





















O SAPO INSÓLITO





Quando mudou-se para aquela velha casinha com seus dois filhos, logo pós o divórcio, Joana ainda vivia um clima de final de festa, tendo na boca um gosto de ressaca por ter terminado um casamento ruim que durara mais de dez anos e ao mesmo tempo que a aventura de uma nova vida a excitava, deixava-a insegura.



Tudo era novo: o divórcio, a mudança para a velha casinha em um bairro afastado do centro, o novo emprego, a escola nova das crianças. Muitos sonhos a sonhar, enquanto outros ainda agonizavam no caldo dos últimos acontecimentos.


Foi Bruno, seu filho de sete anos, quem primeiro notou a grande pedra coberta de hera que ficava logo na entrada do jardinzinho, junto ao portão. Logo subiu nela, empunhando sua espada de plástico, tomando conta do território. Passou a explorar seus arredores, e percebeu que, em um dos cantos, havia uma profunda grota, que levava para dentro de um túnel com uma pequena abertura. Mas Joana estava ocupada demais com a arrumação do novo lar para dar-lhe atenção. Mariana, sua filha de dez anos, pegou a mangueira do jardim- que media doze metros - e começou a introduzi-la no túnel, para saber qual a profundidade.


Pelo menos dez metros de mangueira penetraram a escuridão sob a pedra.


Assustada com a possibilidade de um morador perigoso, como uma serpente, por exemplo, Joana proibiu que as crianças voltassem a brincar nas proximidades da pedra.


E foi naquela noite, enquanto trabalhava na cozinha, portas abertas devido ao calor, que ela teve a impressão de estar sendo observada. Era muito forte a impressão, e ela ergueu a cabeça, olhando em volta. Percebeu, com o canto dos olhos, que uma forma escurecida fazia-lhe companhia: um enorme sapo-boi!


Eles se olharam por alguns instantes, e ela decidiu que deveria colocá-lo para fora de casa. Com uma vassoura e muito cuidado, pois não queria ferí-lo, empurrou-o porta afora. Achou que talvez fosse ele o morador da caverna misteriosa.


Dias depois, enquanto pendurava a roupa no varal, lá estava ele novamente, a observá-la de um canto do jardim. Joana percebeu que ele tinha um estranho olhar, quase inteligente, que a examinava descaradamente, parecendo ler tudo o que se passava dentro dela. Ajoelhou-se em frente a ele, enxugando as mãos nos jeans. Passou a observá-lo com mais cuidado. Ele nem se mexeu devolvendo-lhe o olhar, a garganta inflando levemente. Ela estendeu uma das mãos para tocá-lo, movida por uma mórbida curiosidade, e nem assim, ele se moveu.


Ela sentiu sua pele áspera sob os dedos. Havia uma pegajosa humidade. Ele parecia estar gostando da carícia, pois fechou os olhos. De repente, Joana pareceu voltar a si, e achou-se ridícula! O que as crianças iriam pensar, se a vissem naquela situação? Achou que estava carente demais... imagine só! Acariciar um sapo!


Uma semana depois, durante uma tempestade, Joana preparava-se para entrar no chuveiro, quando, ao tirar a camiseta suada, percebeu que a jogara sobre alguma coisa escura que estava no chão do banheiro. Rezando para que não fosse uma aranha, apanhou a camiseta com a ponta dos dedos, e lá estava ele novamente: seu admirador sapo!


Ela entrou no chuveiro e, de repente, sentiu ímpetos de exibir-se para o seu batráquio admirador, ensaboando-se de maneira sensual, como se estivesse fazendo um comercial de sabonete. O sapo não tirava os olhos gulosos dela. Joana começou a achar aquilo tudo muito estranho, pois pela primeira vez desde seu divórcio, era acometida por desejos sexuais.

 Espantando aqueles absurdos pensamentos libidinosos, ela desligou o chuveiro e passou a enxugar-se. Foi quando ouviu uma voz masculina e quente, que a fez dar um pequeno salto:

 -Você é muito bonita!

 -Quem está aí?


Lá fora,a chuva era torrencial, e ela pensou que poderia ter ouvido o som da TV que as crianças assistiam. Mas a voz respondeu-lhe:

 -Sou eu, o sapo.

 Joana olhou para ele, que estava calmamente sentado sobre a tampa do vaso sanitário, terminando de engolir um pequeno besouro.


-Você... fala?!

 -Mas é claro! Por que a surpresa?

 -Ora você é um... é um...
-Sapo? Não tenha tanta certeza!

Joana passou a cobrir-se com a toalha, pudicamente.


-Bem, então o que é você?

 -Sua mãe nunca contou-lhe histórias quando você era pequena? Eu sou um príncipe encantado!

 -Como assim?! Acho que eu estou ficando maluca...
- Pense o que quiser... mas acho que você deveria considerar bem uma proposta que vou fazer a você!

-Qual?


Ele pulou para o chão, e foi aninhar-se junto aos pés dela. Pediu-lhe que se ajoelhasse junto dele, para ouvi-lo melhor.

 -Beije-me!

 Joana não acreditava no que estava ouvindo.

 -O que?! Você está maluco?

-Ora, até pouco tempo, você é quem tinha enlouquecido... seja mais crédula! Beije-me, e eu me transformarei em um príncipe encantado que viverá ao seu lado para todo sempre.


Ela considerou a idéia. Ficou de pé, e começou a caminhar ao redor dele.

 - E o que eu ganho com isso?

-Segurança financeira. Afinal, eu sou um príncipe! E é claro, noites de volúpia inesquecíveis, escola particular para suas crianças, muitas festas e bailes na corte, e...

 -Mas para ter tudo isso, basta que eu o beije?

-Bem... não é só isso... tem uma outra coisa!

-E o que seria esta 'outra coisa?'

Ele respondeu:


-Não posso ser um príncipe o tempo todo... posso viver como príncipe durante uma semana, e como sapo uma outra, alternadamente.


-Mas se é só isso, por mim, está tudo bem!


-Bem, eu ainda não terminei: quando eu for sapo, você será uma rã. Mas é só por uma semana, alternadamente, como eu já disse...


Diante daquela proposta, Joana pediu-lhe um tempo para pensar melhor.

 Continuou com sua vida, agindo como se nada tivesse acontecido. Ela gostava da liberdade que adquirira após o divórcio. Gostava do novo emprego e dos novos amigos que fizera. Quando pensava em relacionamentos sérios, ainda sentia que não os desejava... queria gozar um pouco mais de sua liberdade.

 Mas sabia que, caso sua vida tomasse um rumo realmente desencantador, tinha sempre a alternativa de beijar o sapo...
 
 
 


 

O Tempo é a Alma da Vida





A vida passa,
Envelhecemos,
E quando pensamos
Que o tempo  passou,
Que perdemos tempo,
Ele nos abraça, nos envolve,
Nos recebe em seu castelo
E nos mostra
Que nós não passamos,
Pois ele é alma,
E como alma, é eterno...

O tempo enrodilha-se
Em volta da vida
E recolhe as coisas,
Todas as coisas...
Ele apaga,
Ele eterniza...
Ele fere,
Ele cura...
Ele envelhece,
Ele rejuvenesce
E nos devolve ao ponto de partida.

Porque o tempo,
O tempo é a alma da vida!

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