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domingo, 17 de novembro de 2013

Carlos Solano - colunista da revista Bons Fluidos




Arvorecer,

Árvore-ser

Pois me contava Seu Antônio, no meio daquele quintalzão, no meio de latas e latinhas plantadas, cheias de cheiros e segredos, no meio de um bom caneco de café passadinho na hora: "Pois de tudo, deve-se é de arvorecer". Pausa. Arvorecer? O que será isso, meu Deus? Encabulado, e sem querer ofender, me propus discretamente a investigar. E levei a conversa para o lado mais evidente: o das árvores e das madeiras.

"A madeira é viva", me respondeu. "Só por isto, já merece um afeto". Uma misturinha caseira de cera de abelha, de carnaúba e parafina, em partes iguais, protege e evita o ressecamento que favorece as pragas. Para conservar os móveis, a cera pura de abelha ainda perfuma e imuniza, por causa da própolis. A fumaça do fogo à lenha também imuniza a madeira. Por isso, Seu Antônio jura que "em casa de mulher não entra cupim". Contra a umidade, sebo animal (ou o azeite - de dendê, de mamona...). Para a madeira que toma sol e chuva, o óleo de linhaça é um verniz natural, e ainda estimula a cor. "Mas o mais importante é colher a madeira madurinha, porque assim não será ofendida pelas pragas. E usar bem seca, para nunca empenar".





Mas podemos usar madeira em casa, sem culpa? Cortar árvore não ofende as matas? Levei a conversa adiante, tateando pelos caminhos do "arvorecer". "Depende", disse ele. "Árvore se planta, árvore cresce".

Claro, a madeira é o único material renovável... Uma montanha de areia, uma mina de calcáreo (cimento) ou de minério de ferro - elementos tecidos pela natureza ao longo de milênios - não se recuperam jamais. Mas a madeira deve ser certificada com um selo ambiental, que garante o manejo ecológico e a salvação das matas. Confirmam as barbas brancas do Seu Antônio que se replantarmos, "quando o neto estiver morando na casa que foi da avó, o mato já está refeito".


Uma luz! Quem sabe "arvorecer" não tem haver com "deixar florescer", "defender", ou "fazer permanecer" as matas? Afinal, faz sentido. A árvore é um dos três componentes fundamentais do entorno humano. Os outros são a pessoa e a casa. A árvore foi altar sagrado na Índia, oráculo na Grécia, morada de anjos para os árabes, evidência de um bom Chi, a nutritiva força natural, para os chineses. Para os índios Ticuna, no maravilhoso Livro das Árvores (OGPTB),"a floresta é a maior riqueza que podemos deixar para nossos filhos".





Sim, deve ser isso! Mesmo porque, hoje, as árvores são os protetores da Terra: impedem a erosão (a destruição do solo e dos mananciais), perfumam e purificam o ar (retendo as partículas poluentes), doam frutos, podem ser curativas, servem de habitat para animais e pássaros, equilibram o processo de aquecimento global (absorvem dióxido de carbono e devolvem à atmosfera vapor d'água e oxigênio). As árvores ainda nos favorecem criando lugares de estar (sob uma copa frondosa), de passear (uma alameda), de passar (um portal), de proteção (uma cerca), de beleza (o que é fundamental, pois o feio destrói a sensibilidade). Criando lugares de viver, as árvores também cativam os homens que, por sua vez, voltam a amá-las.



Então, num fôlego de coragem, concluí em alto e bom tom: Acho muito importante arvorecer as árvores!

"Como assim?", foi a resposta. "Arvorecer é arvorejar". Diante da minha cara de interrogação, ele se compadeceu:

"Al-vo-re-cer ou al-vo-re-jar. Alvejar, tornar alvo, amaciar, abrandar, embrandecer o coração empedernido. Isso vale mais do que tudo".

Vale mesmo. Mas cá para mim, arvorecer ainda tem - e sempre terá - tudo haver com árvore. Arvorecer é "árvore-ser". Pois não precisamos "árvore-ser" o coração e parar com esta mania de dominar a natureza? Não precisamos plantar mais árvores - seja em vasos, no jardim, na calçada ou no sítio - como um ato a favor da vida? "Árvore-ser" é saber que vivemos em uma árvore, ou no único país do mundo que tem nome de árvore: Pau Brasil. "Árvore-ser" é vestir o verde da nossa bandeira.

Pois não é que arvorecer é mesmo tudo o que precisamos? Estão aí os cabelos e as barbas brancas do Seu Antônio para comprovar.



Arquiteto Carlos Solano

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