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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Uma Noite de Pesadelo








Na última sexta-feira, fomos despertados com a campainha tocando à meia-noite. Ficamos muito assustados. Meu marido cautelosamente olhou pela janelinha do portão - ficamos com medo de abrir a porta, é claro - e ouvimos alguém gemendo muito. 

O que você faria em um momento desses? Voltaria para a cama e continuaria a dormir? Bem, eu acho que não!

Imediatamente, liguei para a emergência do SAMU. Expliquei a situação. Eles me fizeram várias perguntas, inclusive, quem era a pessoa em questão - até aquele momento ainda não tínhamos tido a coragem de abrir a porta - e informei que eu não sabia quem era. Ele me instruiu a ligar para a polícia, pois segundo o atendente, ele não colocaria sua equipe em situação de risco. Segui as instruções dele, mas o 190 não atendeu, mesmo após várias tentativas. 

Meu marido abriu o portão parcialmente, e viu que se tratava de uma vizinha nossa. Ela estava semi-inconsciente e completamente mole. Na testa havia um enorme "galo" que sangrava. Ela sofre de problemas nervosos e toma vários medicamentos para depressão e ansiedade, uma doença que é frequentemente tratada como "frescura" por pessoas ignorantes. Em outras ocasiões, quando ela apresentou quadro semelhante, algumas pessoas me disseram que ela exagerava, que não passava de teatro. Bem, quem sou eu para julgar? Não sou médica para fazer diagnósticos.

Diante do quadro que meu marido presenciou ao abrir o portão, liguei para os bombeiros novamente e expliquei a situação. Ele nos aconselhou a chamar alguém da família dela.  Meu marido subiu as escadarias da casa da mulher e fez contato com o filho dela, um rapaz entre dezesseis ou dezenove anos, que tentou acordá-la, mas não conseguiu. Chamei o corpo de bombeiros várias vezes, mas ninguém atendeu. Assim, voltei a chamar o SAMU, explicando a situação. Falei com um médico da emergência que me instruiu a fazer massagens no peito dela, pois desta forma, ela provavelmente acordaria. Não estou apta a prestar primeiros socorros, e não quis fazer o procedimento e piorar a situação, então passei as instruções dele para o filho dela, mas ele não conseguiu acordá-la. 

Daí foram várias ligações solicitando ambulância, algumas ligações atendidas, outras não. 

Em uma das vezes, voltei  a ligar para o SAMU pedindo  uma ambulância, mas eles alegaram que todas estavam em serviço no momento e me instruíram a ligar de novo para o Corpo de Bombeiros.

Pedi uma ambulância após explicar novamente do que se tratava, e o atendente me disse que a ambulância deles estava em atendimento e ia demorar cerca de meia hora ou mais, mas me garantiu que iriam. Após uma hora de espera, com a  mulher na mesma situação (conseguimos sentá-la em uma cadeira de jardim que levei para a calçada) ela acordou e conseguiu tomar alguns goles de água com açúcar, disse que estava sentindo dores no peito e na cabeça, e ficou inconsciente novamente. Liguei para o SAMU mais uma vez, e eles me disseram que iriam fazer contato com o sargento "X" do corpo de bombeiros e que ele ligaria para mim. Pensei que finalmente obteria algum tipo de ajuda, e suspirei aliviada, mas foi aí que o pesadelo piorou. Deu-se mais ou menos o seguinte diálogo:

- Alô, aqui fala o sargento "X" do Corpo de Bombeiros. Você é a Pâmela do Humberto Rovigati?

-Não, sou a Ana Bailune do Retiro.

 (Ele, começando a ironizar:)

-Sei... mas você me ligou ainda há pouco dizendo que era Pâmela do Humberto Rovigati.

-Não liguei não. Sou a Ana do Retiro.

(aos berros:)

-Você está querendo me deixar mal com o pessoal do SAMU? Sabia que eu posso mandar a polícia atrás de você?

-Se o senhor conseguir ligar para eles, pode mandar, pois eu já tentei e não consegui!

-Você me ligou dizendo que era Pâmela do Humberto Rovigati e agora me diz que é Ana do Retiro? Engraçadinha! Sabia que eu estou gravando esta ligação? 

-Eu também!(E eu realmente estava gravando).


-Ah, você também? Que gracinha!

-Escute, eu só quero assistência para uma pessoa! Não estou afirmando que alguém do Humberto Rovigati não te ligou, só estou dizendo que não fui eu! Meu nome é Ana Bailune (disse meu endereço) e eu sei onde eu moro!

Eu disse que tinha testemunhas por perto que poderiam comprovar o que eu estava dizendo. Daí ele começou a fazer um monte de perguntas - na voz, o mesmo tom de irritação,  ironia e escárnio, e pediu para falar com o filho da mulher. Disse a ele que a ambulância ia demorar. Perguntou a mesma coisa ao garoto várias vezes - eu sei, porque ouvi a gravação depois que ele desligou. 

Esperamos até às duas e e pouco da manhã, e a ambulância não veio. A mulher começou a acordar e conseguimos fazê-la levantar-se e voltar para casa apoiada no ombro do filho, sem atendimento. Lembrando que ela ficou naquela situação, podendo morrer, por mais de duas horas. Poderia estar tendo um ataque cardíaco ou um derrame. A concussão na cabeça poderia tê-la matado. 

Tentei contato com os bombeiros para cancelar o pedido da ambulância, mesmo sabendo que eles não tinham a menor intenção de enviá-la, mas ninguém atendeu a ligação. Daí liguei para o SAMU e fiz o cancelamento.

Fui para a cama me sentindo fraca, exposta, vulnerável e impotente. O homem que me ameaçou e gritou comigo ao telefone sabe onde moro, meu nome e endereço. Todo o estresse que eu acabara de sofrer veio à tona. Tive uma crise de choro de madrugada, e na manhã seguinte, me levantei péssima para trabalhar, pois mal consegui dormir. Eu precisava fazer alguma coisa.

Fui à página deles no Facebook e deixei um comentário, contando o ocorrido e pedindo que o caso fosse apurado. Eles excluíram o post na mesma hora e me bloquearam. 

Recorrer ao Ministério  Público? Que chances eu tenho, se vivo em um país como este, onde não existe justiça? A mulher em questão é apenas uma mulher, muito pobre, doente, quase cega. E eu, segundo as estatísticas, também não sou ninguém. Vivo em um mundo no qual a vida e a integridade das pessoas honestas, que pagam seus impostos, não vale merda nenhuma. Somos ignorados, destratados, ironizados e ameaçados por aqueles que deveriam nos proteger e zelar pelo nosso bem-estar - e são pagos para isso.

Isso me faz pensar: da próxima vez, eu acho que vou fingir que não escutei a campainha. Vou virar para o outro lado e tentar dormir, porque toda vez que eu tento ajudar alguém, é isso que acontece. Daí, com toda certeza, alguém vai querer me processar por omissão de socorro. 

 E é assim que começamos a perder a nossa humanidade. É assim que nos tornamos, cada vez mais, criaturas frias, egoístas, agressivas e sem educação- como o sargento "X". 




13 comentários:

  1. Muito complicado. E assim vai o mundo onde se deixa morrer as pessoas por falta de assistência. Podia ter corrido muito mal até para quem vocês que a socorreram. As melhoras da Senhora. Nunca sabemos se fazemos bem ou não.

    Hoje temos para si:-Mermurios em desnorte.
    -
    Bjos
    Votos de uma óptima segunda feira.

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  2. É assim que a coisa começa, Ana... Mas sei muito bem, que em seu íntimo, você não deixaria de atender a um chamado de alguém que precisasse, pois isso está em você, faz parte de você! Beijos! Vamos trabalhar para que as pessoas se tornem mais humanas,,,

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  3. Parece impossível aquilo que se passou. Que desumanidade da parte de quem tem o dever se socorrer as pessoas. Você procedeu bem, mas imagino o que sofreu com isso...
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  4. Inacreditável mas é a realidade de nosso país, de nosso povo. Mesquinho, incompetente, corruptos, delinquentes. Um bando de CANALHAS mesmo.
    O mundo é redondo e gira ... dia haverá que estes animais passarão por algo semelhante.

    Desculpe o desabafo ...

    Beijão

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    Respostas
    1. E eu quero que um dia ele encontre pela frente o que realmente merece, Paulo. Fácil destratar uma mulher que quer ajudar a outra. Um dia, ele vai pegar pela frente uma mulher de bandido e vai negar socorro.

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  5. Nossa, pesadelo mesmo, eu nunca me vi em uma situação assim, mas imagino o estresse que passastes, pois como dizes, se não prestarmos socorro somos processados, se tentamos prestar nos tratam assim, com indiferença tão assustadora!
    Que pena que é assim, que pena né amiga Ana?
    Espero que já estejas bem e recuperada (no fundo você também quase adoeceu)!
    Abraços apertados!

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  6. felizmente em Portugal não está assim tão mal...
    Nem posso imaginar a tua raiva, Ana !

    Um beijo amigo.

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  7. Ana, infelizmente é isso mesmo.
    Nossas autoridades são omissas e a gente é tratado como animal.
    Não deixe esse acontecimento te fraquejar e nem te tirar a humanidade, você é diferente.


    Um abraço!

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  8. Em Portugal ainda se vai vivendo na calma e na Paz. Principalmente se não sair à noite, porque saindo... as coisas podem complicar-se.
    .
    Poema: * Amor ... ou castigo do coração? *
    .
    Deixando saudações poéticas.
    .

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  9. Não é a primeira vez que afirmo que a situação do seu país
    é triste, muito triste e que eu lamento de mais, porque amo
    o Brasil...
    Hoje li o relato de uma situação com alguma semelhança...
    Depois de muitas voltas e apelos, adiamentos e desculpas,
    uma cadela querida morreu por falta de assistencia...
    Saudações solidárias.
    ~~~~~

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  10. Que horror, estamos à deriva. Isso é um absurdo, uma vez estava com minha mãe e estavamos esperando atravessar a rua. Estava passando uma ambulância super feliz e até comentamos que se nós fossemos um dia atropeladas, seria melhor ser por ela do que por outro carro, porque só assim seríamos socorridas. Nosso país está lamentável.

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  11. verdade, Ana , estamos perdendo nossa humanidade, mudando nossa essência e nos tornando seres altamente desprezíveis , capazes de tudo e derrubando um ao outro a todos os instantes, ajudar um ao outro - como vc tentou fazer com a velha senhora,quase cega- se torna tarefa hercúlea, temos que ficar provando que somos inocentes e seres humanos, acima de tudo...bela tarde e obrigado, abraços!

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  12. Olá.
    Infelizmente eu me sinto triste, amedrontada, desesperançada, desanimada, horrorizada, impressionada, decepcionada... Com os rumos que este país vem tomando.
    Ler seu post só reforça este meu temor e espanto!!!
    Acho que chegou mesmo a hora do nosso povo parar de brincar de cidadão e levar a coisa mais a sério.
    Viver é bom e é preciso se divertir, mas brincadeira tem hora!!!
    O povo brinca com a questão da política.
    Será que isso vai começar a mudar? :(
    Muito bom seu blog e estou seguindo.
    Abraços

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