Trechinhos do livro de Charles Kiefer, Para Ser Escritor
"Literatura é solidão, a mais profunda, a mais espessa e ampla solidão. Literatura é avareza, é retenção, é polução sem objeto."
"O mundo passaria muito bem sem escritores nem literatura. Não será por isso que os escritores são tão mesquinhos, autocentrados e vaidosos? Escritores não leem outros escritores. E quando leem, fazem de conta que não leem. Para não admitir que gostaram, que ficaram admirados, que gostariam de ter escrito aquilo que leram...Os mais inteligentes, os que sabem que, se o vaidoso soubesse o quanto é ridículo, seria humilde por orgulho, admiram os mortos e especialmente os mortos estrangeiros... Alguns escritores, não suportando mais a insignificância do seu fazer, optam pelo silêncio, pela reclusão, pela aventura na África.
Outros que ainda acreditam que a palavra tem poder, que ainda são capazes de suportar o desprezo das legiões de não leitores, vão se transformando em seres amargos e irônicos. Falam mal de tudo e de todos, principalmente, do Paulo Coelho. E ainda escrevem crônicas depressivas como esta."
"Não é digno de ser chamado de escritor aquele que não dedicar à Fênix parte de sua produção, especialmente aquela que já nasceu morta. E ensinará que é do fogo e das cinzas da obra desvitalizada que virá a energia necessária para outra obra possível, aquela com frescor de banho e riso de bebê, aquela que se agitará como uma serpente no gramado e que será capaz de mesmerizar até o leitor mais desatento."
"... escritor somente é escritor quando menos é escritor, no instante mesmo em que tenta ser escritor e escreve. Na absoluta solidão de seu ofício, enquanto a mente elabora as frases e a mão corre para acompanhar-lhe o raciocínio, é escritor. Nesse espaço, entre o pensamento e a expressão, vibra no ar um ser sutil, fátuo e que, terminada a frase, concluído o texto, se evapora. Nesse átimo, o escritor é escritor. Aí e somente aí. Depois, já é o primeiro leitor, o primeiro crítico de si mesmo e não mais escritor."
"...O autor, ao contrário do escritor, corre rapidamente em direção a outra mutação - transforma-se no profissional de literatura, no cronista, no contista, no romancista. E este, esquecido de sua origem e de sua completa inutilidade, alienado e vencido, organiza sessões de autógrafos, faz palestras e contrata assessores de imprensa. Aos poucos, enfim, o autor, auxiliado por esses profissionais competentes, vai matando o escritor, fazendo-o esquecer-se de que escrever e sonhar são uma coisa só e que se esgotam no próprio devir. Às vezes, num gesto desesperado, para livrar-se dessa morte anunciada, o escritor apanha uma espingarda de caça e explode a cabeça dos três."