Quando eu era criança, minha mãe costumava contar-me histórias de um livro didático que ela usava em seus tempos de escola. Naqueles tempos, havia apenas um livro no qual as crianças aprendiam tudo: matemática, Língua portuguesa, ciências, história e geografia. A parte de língua portuguesa tinha várias lendas e fábulas, como por exemplo, a do uirapuru, da índia Potira, A Lenda do Sol e da Lua e muitas outras. Entre elas, a que me inspiro a escrever esta crônica.
Eu era muito pequena, nem sequer tinha sido alfabetizada ainda; portanto, não me lembro dos detalhes. Mas dizia a lenda que havia uma garça, orgulhosa e rica, que convidara um gato para jantar em sua casa, mas com a intenção de humilhá-lo. Lá chegando, o outro bichinho viu-se decepcionado, pois a garça serviu-lhe o mingau em um jarro de ouro comprido e fino, onde somente ela, com seu bico longo, poderia se alimentar. O gato passou a noite esfomeado. Mas houve uma revanche: no outro dia, a garça foi convidada para jantar, e o gato serviu-lhe o mingau derramado sobre uma pedra, onde somente ele conseguiria comer.
Não costumo convidar desafetos para o jantar, mas se eu tiver de fazê-lo por força das circunstâncias, ele será tão bem tratado quanto todos os outros convidados. Eu jamais convidaria alguém para minha casa a fim de humilhá-lo. Assim, não concordo com o papel da garça, e nem com a vingança do gato, pois acho de uma pobreza de espírito tremenda, fazer um convite a alguém para ter a chance de sentir-se seguro em seu próprio território a fim de humilhar esta pessoa.
Quando convido alguém para minha casa, procuro saber o que esta pessoa gosta de comer, e o que ela pode comer. Não serviria carne a um vegetariano ou açúcar a um diabético. Não faria perguntas indiscretas e nem jogaria indiretas para ferir meu convidado. Quando ele falasse, eu faria silêncio e o ouviria com atenção – mesmo que não tivesse nada a comentar sobre o que ele dissesse. Não o excluiria das atividades da casa nas quais os outros convidados tomassem parte. Acredito que diferenças devem ser resolvidas longe da mesa da sala de jantar, através de uma boa conversa.
Foi assim que minha mãe me ensinou.
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