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quarta-feira, 15 de abril de 2015

CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA




Após passar a tarde em um motel com sua amante, enquanto os dois ainda estão na cama, ele liga a TV para relaxar. Assiste aos desmandos do governo, demostrando a sua desaprovação silenciosamente. De repente, não podendo mais aguentar tanta corrupção, ele explode:

-Este governo traiu o País! Prostituiu a moral e os bons costumes! Não se pode mais confiar em ninguém hoje em dia. Eu votei nela! Achei que poderia acreditar naquelas promessas, pois confiei de verdade nelas. Praticamente coloquei minha vida e a vida dos meus filhos em suas mãos...E ela traiu a nação, me traiu!

A amante, após dar uma baforada no cigarro, comenta:

-Prostituta!

Antes de sair, ele entrega a ela algumas notas. Dinheiro que deveria ter sido poupado para levar as crianças e a esposa em uma viagem que ele vinha prometendo há anos. Após deixar a amante em uma esquina, para no posto de gasolina para reabastecer. Ao conferir o troco, percebe que o frentista deu-lhe dez reais a mais por engano. Enfia tudo na carteira, pensando: "Hoje é meu dia de sorte!" Coloca um CD pirata para relaxar no engarrafamento, enquanto pensa nos direitos dos trabalhadores que estão sendo violados.

Uma blitz de trânsito o faz parar, e pede para ver os documentos. Ele pensa na carteira de habilitação vencida e nas muitas multas por excesso de velocidade e estacionamento proibido que não pagou. Entrega a carteira de motorista, mas antes tem o cuidado de colocar uma nota de cinquenta no meio. O policial abre a carteira e vê a nota:

-Está tentando me subornar, senhor? Acha mesmo que pode?

Desconcertado, ele balbucia:

-N-não senhor! Eu não tinha visto a nota aí... eu...

O policial debruça na janela do carro, olhando-o por cima dos óculos:

-Trezentos e eu deixo o senhor ir.

Ele encara o policial, e suando frio, puxa duzentos e cinquenta reais da carteira, entregando tudo ao policial. Dá partida no carro, e pelo retrovisor, vê que o policial acena para ele. Morrendo de raiva, chega ao escritório. Em sua mesa, uma pilha de licitações. Ele sequer olha para elas, pois já sabe qual empresa será escolhida. Pensa na gorda comissão que receberá, e no motel de luxo que poderá pagar para sua amante na próxima vez.

À noite, chega em casa e encontra a esposa às voltas com a preparação do jantar e as crianças, ainda vestindo as roupas que usou no trabalho, enquanto varre a casa recolhendo os brinquedos espalhados pela sala. Ele a abraça, e olhando nos olhos dela, declara-se:

-Senti saudades, amor. Pensei em você o dia todo.

Depois, pega uma cerveja na geladeira e senta-se em frente a TV, mal falando com as crianças. Não move um dedo para ajudar a esposa. Após o jantar, liga para o seu melhor amigo:

-Aquela partidinha de pôquer ainda está de pé? Amanhã é sábado e eu não preciso acordar cedo. Vamos?

O amigo concorda. Ele bate a porta atrás de si, dizendo a esposa que precisa voltar ao escritório pois ocorreu um imprevisto. Ela nem tem tempo de protestar. Ele chega à casa de jogos clandestina e perde o salário de um mês inteiro, mas nem se importa, pois lembra-se da "comissão" que receberá na semana seguinte e também na aposentadoria ilícita que seu amigo político está preparando para ele. 

À mesa de jogo, a conversa gira em torno da política e da corrupção. Alguém precisa fazer alguma coisa! Um dos amigos menciona a passeata de protesto na manhã de domingo. Ele promete que vai estar lá.




14 comentários:

  1. Ana, pois é, estamos diante de um quadro terrível de hipocrisia, generalizar, não, claro que não, mas que há muitos que são os que mais criticam e saem às ruas protestando contra a corrupção "dozotros", pois é!
    Gostei de ler, texto bem escrito e bem colocado, parabéns pela inteligência!
    Abraços linda amiga!

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  2. Ana, perfeito, já conheço esse filme, de todo jeito, mas você
    pontuou de tal forma, que ficou perfeito. Parabéns, amei, é a
    mais pura realidade, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  3. Ana,
    há tantos assim e sem contar
    que ainda se acham injustiçados.
    Mas essa é vida como ela é.
    Os textos são espelhos sempre.
    Bjins querida.
    CatiahoAlc.

    Estou estreando esse novo endereço
    que é um projeto que vai crescer aos
    poucos.
    Adorarei te-la por la.

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  4. Ana , seu texto espelha bem uma triste realidade . Parabéns . Beijos

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  5. Que tipo frio, Ana !
    Continuo a admirar a forma como escreves e as verdades que contas.

    Um beijo Amigo.

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  6. Se eu te disser que quase me faz chorar seu texto, vc acredita?
    É isso que sempre digo pra quem me conhece desde adolescente. Várias vezes fui chamada de "trouxa", pois meus pais me ensinaram que o que "não é seu, não pegue!". Até hoje eu e minhas irmãs devolvemos troco a mais, quando encontramos algo que não é nosso tentamos devolver para o dono e tentamos agir da maneira mais correta possível - sem subornos, sem roubos de água e luz, sem "gambiarras". Infelizmente, o próprio brasileiro que condena o governo leva vantagem em coisas tão pequenas e se acha o sortudo. O que mais me chateia é a inversão de valores e a cegueira do nosso povo.
    Marido conta que conversando com uma amiga inglesa, ela contava sobre o vizinho colocar uma cesta de ovos em cima do muro, pois as galinhas davam muitos ovos pra ele e a esposa. Então, de manhã, quem passava pegava os ovos e deixava o dinheiro. E assim funciona também com a entrega de leite - o leiteiro deixa o leite e pega o cheque na caixinha que já fica esperando por ele. Aí marido perguntou: "mas ninguém pega o dinheiro ou cheque?" e a mulher inglesa com espanto diz "Ohhhh... mas quem haveria de pegar?". Eu disse pra ele que aqui não acharíamos nem a cesta, isso se não pegassem a cesta e arremessassem pra dentro do quintal...
    Como diz o ditado "a mudança que queremos no mundo, começa em nós!".
    Parabéns pela postagem, abração esmagador e ótimo final de semana.

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  7. Un texto excelente!
    Que este fin de semana resulte espléndido para ti, te dejo una frase y fuerte abrazo:
    La amistad es un alma que habita en dos cuerpos; un corazón que habita en dos almas.

    Aristóteles

    http://bajolalupadegiglio.blogspot.com/

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  8. Ana,
    Este seu conto, "Cidadão acima de qualquer suspeita", é simplesmente o máximo. Quê dizer mais? Parabéns, é o mínimo que posso acrescentar (ou ainda, que você é uma grande contista).
    Um grande abraço.

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  9. Boa tarde Ana.
    Perfeito, é muito fácil enxergar os erros dos outros, corrupção etc, sem enxergar que age da mesma forma. Um belo texto, muito bem elaborado.
    Abraços.

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  10. Perfeito, Ana.
    Sua abordagem crítica foi fantástica.
    Parabéns!

    Beijo.

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