Nas duas ocasiões em que estávamos procurando casa para comprar há alguns anos, tive a chance de entrar em várias casas vazias. Incrível perceber que nem todas estavam tão vazias assim; é que os antigos donos sempre deixavam algo para trás: um vaso de plantas, uma vassoura velha, algumas louças talvez.
Nesta aqui, quando a compramos, encontramos, entre outras coisas, um cestinho de madeira envernizada com uma pintura de flor. A alça também é de madeira. Dentro dele, havia várias chaves diferentes que não se encaixavam em porta nenhuma. Bem, livramo-nos das chaves mas até hoje, onze anos depois, mantemos o cestinho na adega. Ficou como lembrança da ex-proprietária, uma senhora já falecida agora. Acho que objetos assim fazem parte da história da casa, e gosto de manter alguns.
Quando nos mudamos da outra casa, também deixei algumas coisas para trás. Não sei o que foi feito delas, mas não as quis mais, então deixei-as lá. Alguns objetos apenas, que poderiam ser facilmente descartados se o novo proprietário não os quisesse.
Lembro-me de que esvaziar a casa antiga foi muito alegre; colocamos tudo no caminhão para arrumar na casa nova. Mas à noite, decidi que queria ir lá para me despedir, e daí, não sei o que me deu: comecei a chorar sem parar! Quando já estávamos indo embora, parei na escada e olhei para trás, para o contorno da casa desenhado contra o céu noturno crivado de estrelas. A varanda vazia, já sem a minha rede. As roseiras tão bem cuidadas que eu estava deixando para trás, abandonando... nossa, chorei muito. Pensei na primeira manhã em que acordei naquela casa, a estranheza de olhar em volta e achar tudo tão enorme, após morar sete anos em um apartamento tão pequeno. O cheiro do primeiro café que preparei naquela manhã gelada de inverno, e ainda de pijamas, ir até a sala de jantar e ver as caixas de papelão ainda cheias, as coisas para arrumar.
Meu marido não conseguia entender o motivo do meu choro, e eu não sabia colocá-lo em palavras. Mas é que eu olhava para a casa, e vinham à minha mente cenas alegres que eu tinha vivido ali: momentos de ouvir música balançando na rede daquela varanda, ou tomar sol nos fundos da casa, completamente nua ( a parte de trás da casa era totalmente isolada). Momentos de fazer colares na mesa da sala de jantar ou de ficar acordada até tarde nas noites de sábado assistindo a filmes na TV. Momentos em que recebemos pessoas ali, no ano novo, em aniversários, almoços... e quando, nas noites de verão, levávamos o Aleph (nosso falecido Rottweiler, ainda filhote na época) lá para fora e nos deitávamos no chão ainda morno de sol, olhando estrelas.
E sempre que eu passo por aquela casa, sinto que ela ainda é minha, embora tenha tido pelo menos quatro proprietários desde que nos mudamos, e o último modificou-a totalmente. Mas eu vivi nela durante sete anos, parte da minha vida ficou entre aquelas paredes.
Um dia, acho que nos mudaremos desta casa, pois ela é grande demais para um casal de idosos - que é o que, em breve, nos tornaremos. Sei que será mais uma sessão de choros e lembranças. Deixarei aqui as almas dos meus quatro cães e da minha mãe; ficará também o meu sobrinho Ricardo, sentado na grama, sonhando com o dia em que ficaria curado do seu câncer e poderia brincar de correr com os cães (isso nunca aconteceu). Ficará a alma do meu sogro, que nos ajudou a comprá-la emprestando parte do dinheiro. Ficarão os senhores que construíram a escada de madeira que leva ao andar superior - todos já morreram. E é claro, ficará um pedaço da gente.
Nunca vi um sentimento ser descrito com tanta emoçao... chorei...
ResponderExcluirOi Ana, os seus sentimentos em relação aos lugares, casa, são muito profundos e nos emocionam. Interessante, que não guardo lembranças da praia, nem da casa, onde morei por 18 anos. É como se eu quisesse esquecer os lugares, nem penso, o mesmo aconteceu, quando fiquei fora daqui, a dor era tão grande, que evitava pensar nos filhos e nos animais que deixei, Acho que assim, fico mais protegida. Ainda bem, que tudo você transforma em poemas, versos e textos maravilhosos, espalhando beleza até no ar que respira. Muito lindo, agradeço, abraços carinhosos
ResponderExcluirMaria Teresa
Oi Ana, bom dia! Estou imaginando o dia que mudarei da minha casa. Moro aqui desde que nasci. Casei e continuei morando no mesmo quintal, na casa dos fundos. Aqui tenho as memórias da minha infância, da infância dos meus filhos e agora, dos meus netos. O dia da mudança está chegando. Meu marido e eu resolvemos comprar uma casa maior, com mais conforto. Será difícil, mas a vida é assim... Linda sua história, vc é muito especial. Bjks.
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