quinta-feira, 5 de junho de 2014
Certezas
Só sei que nada deu certo...
Meu desejo, minha voz,
Foram colhidos pela bruma.
Tudo perdeu-se na brancura,
Germinou dentro da umidade
E de manhã bem cedo,
Brotou em gotas sobre as flores,
Gotas que o sol apagou.
Te estendi as mãos vazias,
E vazias permaneceram.
Te entreguei meu coração,
Que congelou na madrugada...
O dia hoje está desfeito,
O sonho acorda, rarefeito,
Só sei que nada deu certo,
Só sei que não tem mais jeito...
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Passeio ao Farol

Trechos do livro Passeio ao Farol, de Virginia Woolf
-"Nunca alguém pareceu tão triste.Amarga e escura,a meio caminho nas trevas,sob o feixe de luz que fugia do sol para encerrar-se nas profundezas,talvez uma lágrima se tenha formado;e uma lágrima caiu;as águas agitaram-se de um lado para o outro e receberam-na,depois acalmaram-se.Nunca alguém pareceu tão triste."(...)Sua simplicidade penetrava no que as pessoas hábeis falsificavam."
"...Era preciso achar um meio de escapar a tudo aquilo. Devia haver uma forma mais simples, menos complicada, suspirou ela. Quando se olhou no espelho, viu os cabelos grisalhos, a face abatida, aos cinqüenta anos, e pensou: poderia ter conduzido melhor as coisas - seu marido, o dinheiro, os livros dele. Mas nunca se arrependeria de suas decisões, nunca fugiria das dificuldades ou se eximiria de suas obrigações. Irradiava dignidade nesse momento, e só com um rápido alçar de olhos do prato diante de si, após o silêncio que se seguiu às suas palavras sobre Charles Tansley, é que as filhas - Prue, Nancy e Rose - ousaram deleitar-se com a ideia do que imaginavam ser uma vida diferente da que tinham: talvez mais emocionante, possivelmente em Paris, sem ter de se precaver contra este ou aquele homem. Havia no pensamento de todas elas uma indizível curiosidade em relação a coisas tão diversas como cavalheirismo, o Banco da Inglaterra e o Império das índias, dedos repletos de anéis e rendas. Havia nisso, para todas elas, um pouco da essência da beleza, que enchia seus jovens corações de anseios pela masculinidade, e as fazia, enquanto se sentavam à mesa sob os olhos da mãe, respeitar a extrema severidade e cortesia com que as advertira sobre o desprezível ateu que as tinha perseguido na Ilha de Skye, ou - falando mais precisamente - fora convidado para ficar com elas. Tal advertência fora feita com a mesma dignidade com que uma rainha tiraria da lama o pé imundo de um mendigo para lavá-lo."

"Então com a casa vazia e as portas trancadas e as tapeçarias enroladas, estas brisas sem rumos, postos avançados de grandes exércitos, urgiam, roçavam em tábuas desnudas, roídas e ventiladas, nada encontravam em quartos ou salas que completamente resistiam a elas [as brisas] mas apenas cortinas que vibravam, madeira que rachava, as pernas desnudas das mesas, panelas e porcelanas já forradas, sem cor, rachadas. Que as pessoas tinham abandonado – um par de sapatos, um chapéu de caça, algumas saias desbotadas e casacos nos armários – esses sozinhos mantinham a forma humana e no vazio indicavam como certa vez eles foram preenchidos e animados; como certa vez mãos foram ocupadas com colchetes e botões; como certa vez o espelho tinha refletido uma face; tinha mantido um mundo esvaziado no qual uma figura voltava, uma mão acenava, a porta abria, através da qual entravam crianças correndo e tropeçando; e a saírem de novo. Agora, dia após dia, a luz voltava, tal uma flor refletida na água, sua aguda imagem na parede oposta. Apenas as sombras das árvores, florescendo no vento, prestavam obediência à parede, e por um momento escureciam a piscina na qual a luz se refletia; ou aves, voando, faziam uma suave mancha oscilar lentamente através do chão do quarto.
Parecia que nada poderia romper esta imagem, corromper esta inocência, ou perturbar o oscilante manto do silêncio no qual, semana após semana, no cômodo vazio, ondulavam o piar cadente das aves, o apitar de navios, o zumbir e o zunir dos campos, um latido de cão, um grito de homem, e envolvia-os ao redor a casa em silêncio. Uma vez apenas uma tábua se soltava no terraço; uma vez, no meio da noite com um estrondo, com um êxtase, como se após séculos de consenso, uma rocha se desprendesse da montanha e ressoasse irrompendo no vale, numa prega do xale a soltar-se e oscilar pra lá e pra cá. Então novamente a paz desceu; e a sombra ondulou; a luz se inclinou a sua própria imagem em adoração na parede do quarto; e a Sra. McNab, rompendo o véu de silêncio com as mãos que seguravam no balde, rangendo com botas que tinham esmagado o cascalho, veio direto para abrir todas as janelas, e tirar a poeira dos quartos."
"Mas, o que é uma noite afinal? Um curto intervalo de tempo, principalmente
quando a escuridão se desvanece tão cedo, e tão rápido, um galo canta, um
pássaro o chilreia, ou o verde demasiado se aviva no seio da onda, como
uma folha na primavera. Mas uma noite se sucede à outra. O inverno
encerra em grande quantidade, e as distribui imparcialmente equanimente,
com seus dedos infatigáveis. Elas se prolongam; elas escurecem. Algumas
guardam nas alturas límpidos planetas – discos de claridade.
(...) As noites agora estão cheias de vento e de destruição; as árvores
precipitam-se e se curvam e suas folhas voam desordenadamente até o
gramado ficar eivado delas: e elas se amontoam nos bueiro, entopem as
calhas e aderem a lugares úmidos. Também o mar fica revolto e se quebra,
e, fosse alguém, imerso no próprio sono, imaginar que poderia encontrar
uma resposta para suas dúvidas, ou alguém que compartilhassem de sua
solidão, e, afastando as cobertas descesse para andar na areia – nenhuma
imagem com aparência servil e divina presteza viria em seu apoio para dar
um sentido à noite e fazer o mundo refletir a amplitude da alma. Desvanece
a mão na sua mão; a voz branda em seus ouvidos. Poderia parecer quase
inútil perguntar à noite, em meio a tal confusa, o quê? e por quê? e para
onde? – perguntas que lavam a pessoa adormecida a deixar o leito e buscar
uma resposta."


A escritora Virginia Woolf evoca desde logo a essência da tragédia. Sentindo-se incapaz de controlar a vida, preferiu a morte, afogando-se num rio com os bolsos repletos de pedras. E no entanto, aparentemente, ela desfrutava das condições que considerava essenciais para uma mulher se afirmar como escritora, advogadas no seu ensaio “Um Quarto que seja Seu” – dispor de espaço, físico e psicológico e de dinheiro suficiente para se bastar a si própria. Inserindo-se na impressionante cadeia de mulheres inglesas, nascidas a partir de 1800, que produziram literatura, a obra desta escritora é sempre classificada como sendo das mais inovadoras e estimulantes, quer entre as mulheres autoras, quer entre o conjunto dos criadores de ambos os sexos. Reconhecida em vida, apoiada pelo seu marido, igualmente escritor, Leonard Woolf, Virginia produziu nove romances, duas biografias, sete volumes de ensaios, vinte e seis cadernos de diários e um sem número de cartas. Nasceu numa família que estimulou os seus talentos mas teria sido objecto, na infância, de abuso sexual por parte dos seus meio-irmãos mais velhos. Estas circunstâncias, aliadas a lutos familiares (a mãe morreu quando ela tinha 13 anos) e aos horrores de duas guerras mundiais, têm servido aos seus numerosos biógrafos e estudiosos para explicar as muitas depressões de que sofreu e as tentativas de suicídio que realizou até ao encontro definitivo com a morte. Os violentos tratamentos médicos a que foi submetida num hospício para “mulheres loucas”, que passavam por absoluto isolamento, proibição de qualquer atividade, incluindo a leitura e a escrita, com o conluio bem intencionado de seu marido e irmã, também teriam tido efeitos nefastos. Seu marido decidiu no início do casamento, aparentemente harmonioso, que ela não tinha resistência para ser mãe, o que Virginia Woolf sentiu como uma fragilização da sua identidade. Neste quadro se situam as suas reflexões sobre a condição feminina publicadas em 1929, onde nos conduz eruditamente de ideia em ideia, com lógica, com aparente leveza, com ironia. Inventa uma irmã para Shakespeare, a qual nunca poderia Ter sido escritora pelo mero facto de ser mulher. Verbaliza com 50 anos de antecedência muitas das questões retomadas no final do século XX e até ao presente.

Tristeza
A luz não me ilumina... escuridão!
O rosto inexpressivo e amargurado,
O olhar resvala aos poucos, sem cuidado,
Não olha mais a vida; cai ao chão...
Um louco, intimidado coração,
A voz quase sem voz - peito calado,
Colado à vida, o peso de um 'não'
Tal qual uma corrente que eu arrasto!...
Mas tudo nessa vida tem um fim,
E após o fim, um novo recomeço,
Ao que se perde ou ganha, há sempre um preço...
Espero que haja cura, que haja um bálsamo,
E um mais reto caminho, sem percalços,
Por onde siga o que restou de mim.
terça-feira, 3 de junho de 2014
LEVEZA NO VIVER
Às vezes, o dia pesa. Há noites mal-dormidas, coisas que não dão certo, resfriados que demoram a curar, pessoas intransigentes e arrogantes pelo caminho. Às vezes, dá vontade de trancar a porta da casa e deixar o mundo lá fora.
E é justamente o que eu faço nesses momentos: tranco a porta e deixo o mundo lá fora, até que eu me sinta melhor. E enquanto eu não estiver melhor, fico aqui, protegida, ao invés de sair por aí aborrecendo todo mundo. Mas assim como estes maus momentos nos chegam, da mesma forma eles vão embora, e na maioria das vezes, sem que precisemos fazer nada... basta que tenhamos paciência. E enquanto isso, eu fico aqui em casa, quietinha.
Afinal, casa também é para proteger os outros dos nossos maus dias.
segunda-feira, 2 de junho de 2014
MEDO
Já não tenho medo;
E nem sei se é tarde
Ou cedo
Pra confessar.
Mas já não há
Segredos
Sob a espuma branca
E o sal do mar.
Na escuridão
Abissal
Agonizam os monstros
Que eu temia...
E nem mesmo o oposto
Da vida
(Que é a alforria)
Já me causa medo...
Não existem monstros,
Nada é tão fatal...
Real,
Só mesmo o desgosto
De saber mentiras
A assombrear
O teu velho rosto...
sábado, 31 de maio de 2014
Dói a Garganta
Dói demais minha garganta
Pelo grito sufocado,
Aquilo que não falei,
Aquilo que foi calado.
Arranha-se, lanha-se em espinhos
O céu negro da minha boca
Onde nuvens de enxofre
Escurecem os meus dentes.
É preciso abrir a boca,
Soltar essa minha voz rouca
Dizer o que for preciso...
Deixar a palavra louca
Ganhar os moucos ouvidos
Que ainda estão dormentes.
terça-feira, 27 de maio de 2014
Quem me Roubou de Mim?
Resenha
Pe. Fábio de Melo – Kindle edition, Amazon.com.br
Ano: 2013
Basta um minuto para nos apaixonarmos; um minuto que pode trazer luz a todos os nossos significados, ou que pode tornar-se o maior engano de nossas vidas. Ou então permitimos que nossos melhores amigos, sempre bem intencionados, tomem posse do nosso ser, e deixamos de ser quem somos para sermos quem eles esperam que sejamos. Ou vestimo-nos dos trajes que nossos familiares confeccionaram para nós, mesmo que estejam apertados e nada tenham a ver com o nosso estilo.
Destas relações vampirescas, onde o sangue sugado é voluntariamente doado muitas vezes sem que a vítima perceba, fala o livro “Quem me Roubou de Mim?”, de Fábio de Melo.
Ao lê-lo, impossível não fazer uma lista mental (curta ou longa) de pessoas que conhecemos e encontram-se em relacionamentos assim, onde um domina e o outro é dominado, como em um sequestro no qual a vítima acaba se convencendo da necessidade de dar-se bem com seu sequestrador a fim de continuar vivendo e acaba apaixonando-se por ele, pois passa a não se reconhecer sem o domínio do outro: a famosa Síndrome de Estocolmo. E esta forma de domínio, segundo Fábio de Melo, pode ser muito sutil; ela pode vir de pequenas chantagens emocionais que provocam culpa e submissão à vontade do chantageador.
Há pessoas que não sabem nascer através de si mesmas, e por este motivo ocupam um lugar dentro das outras pessoas, que passam a gestá-las, como no filme Alien, o Oitavo Passageiro. Posição extremamente cômoda, a de dominador, a de quem se põe a sonhar contando com o outro para realizar seus sonhos e satisfazer suas vontades... mas para quem é sugado e dominado sem perceber, há o risco de que tal situação só seja percebida depois de muitos anos e de muita vida perdida (ou roubada). Relacionamentos assim nascem entre pessoas dominadoras que encontram um útero vazio em pessoas inseguras ou com baixa autoestima. Passam a explorá-las; sequestram-nas delas mesmas. Os envolvidos nem percebem o quanto este tipo de relação castra não somente o dominado, mas também aquele que toma a posição de dominador; pois este não constrói uma vida para si, apenas sobrevive feito um parasita, alimentando-se do outro.
O caminho de volta a si mesmo pode ser difícil e doloroso, e requer muita coragem e bom- senso. É preciso, em primeiro lugar – segundo Fábio de Melo – que o dominado perceba-se como tal, e tenha coragem de tirar seus óculos cor de rosa, enxergando seu algoz como ele realmente é.
Alguns trechos do livro:
“Permitimos, ainda que inconscientes, que a amizade virtual nos retire da necessidade de construir artesanato afetivo com os que nos cercam. E então, o prejuízo.As horas que poderíamos aproveitar com uma boa leitura, um bom filme ou uma boa conversa, desperdiçamos na manutenção de um perfil virtual onde prevalecem as falas superficiais, as contendas, as disputas pela notoriedade(...).”
“Ser pessoa consiste em dispor-se de si e dispor-se aos outros. Trata-se de um projeto audacioso de pertencer-se para doar-se.”
“A subjetividade refere-se a essa capacidade que o ser humano tem de ser singular. Antes de ser comunidade, o ser humano é pessoal, particular, reservado, privado, porque segue a mesma regra do mosaico. Junta-se aos outros para compor o todo, mas não deixa de ser o que é.”
“É muito fácil a gente se perder na pluralidade do mundo. É muito fácil entrar nos cativeiros dos que nos idealizam, dos que nos desconsideram, dos que pensam que nos amam, dos que nos viciam, dos que pensam por nós.”
“É preciso estar emocionalmente amadurecidos para que sejamos capazes de nos opor aos que ameaçam nossa subjetividade. Por que? Porque a imaturidade nos faz pensar que deixaremos de ser amados se não fizermos o que os outros esperam de nós.”
“Nem sempre o amor ama. Por vezes, ele é o disfarce do egoísmo.”
“O que nos atrai no outro é a terceira pessoa que conseguimos fazer nascer quando estamos com ele.”
“Os inimigos só podem sobreviver à medida que injetamos sangue em suas veias. O sangue da nossa permissão.”
“Conviver com quem optou pela inautenticidade causa uma infelicidade profunda. O gasto de energia para a mentira é muito mais elevado que para a verdade. Viver de projeções que não podem ser adequadas à realidade é o mesmo que não viver. A experiência das projeções nos coloca dentro de um mundo sem sustentação; e mundo projetado não é mundo que realiza, nem faz realizar.”
Um livro belíssimo e muito verdadeiro. Se lido com a atenção que merece, poderá abrir os olhos para muitos dos relacionamentos que nos roubam de nós sem que percebamos, e assim, o consentimos. Na tentativa de agradar aos outros e satisfazer suas expectativas, trilhamos um caminho amargo e árduo. Ralamos nossos joelhos até que sangrem em um calvário de privações pessoais e pensamos que este é o melhor caminho, chegando a nos convencer de que o desejamos realmente. Nós nos torturamos, nos tolhemos, nos mutilamos. Deixamos de ser quem nascemos para ser. Esquecemos dos nossos sonhos e os transformamos em pesadelos para que os sonhos dos outros – aqueles Aliens que se alimentam de nós – possam nascer.

Evitando o trabalho Caseiro

Há tanto a ser feito em uma casa! E se as coisas forem acumulando, ficará cada vez mais difícil colocar tudo em ordem... procuro fazer um pouquinho a cada dia, mas sem neuras: quando não estou com vontade, eu vou lá para fora escrever poemas, e pronto!
Ou então, pego meu E-reader e escolho um bom livro para ler.
Outra forma saudável de evitar o serviço caseiro, é sair para dar uma volta à pé. Ver coisas. Ver paisagens e pessoas. Sempre volto com a alma refrescada dessas andanças. Também gosto de passar um tempo com minha cadelinha acariciando sua barriga, ou sentar-me com ela na grama.
Um bom filme na TV também pode ser uma ótima maneira de evitar o serviço caseiro. Confesso que fico tão absorvida em boas histórias, que se alguém falar comigo é capaz de eu não escutar.
Gosto também de andar pela casa (enquanto a pilha de roupas para passar me espera lá fora) e estudar novas posições para os móveis, ou novas cores para as almofadas... mesmo que eu não esteja disposta a fazê-lo naquele dia, as ideias ficam guardadas, em gestação.
Também costumo pegar o telefone e telefonar às minhas irmãs para bater papo furado. Um bom papo furado também ajuda bastante neste importante exercício da procrastinação.
Assim, vou fazendo as coisas aos poucos, pois a vida é bem mais do que lavar, limpar, cozinhar, varrer e passar. Estas são atividades secundárias (embora necessárias).
EGOÍSMO
Egoísmo - trecho do livro "Quem me Roubou de Mim," de Padre Fábio de Melo
EGOÍSMO
“Sinto falta de você. Mas o que sinto falta é de tudo o que é seu e que me falta. Sinto falta de minhas faltas que em você não faltam. Sinto falta do que eu gostaria de ser e que você já é. Estranho jeito de carecer, de parecer amor. Hoje, eu resolvi assumir as necessidades que insisto em manter veladas. Acessei o baú de minhas razões e descobri um motivo para não continuar mentindo. Quero agora lhe confessar o meu não amor, o sentimento que faço parecer ser. Eu não tenho o direito de adentrar o seu território com o objetivo de lhe roubar a escritura. Amor só vale a pena se for para ampliar o que já temos. Você era melhor antes de mim, e só agora posso ver. Hoje quero lhe confessar meu egoísmo. Quem sabe assim eu possa ainda por um instante amar você de verdade. Perdoe-me se meu amor chegou tarde demais, se meu querer bem é inoportuno e em hora errada. É que hoje eu quero lhe confessar meu desatino, meu segredo desconcertante: Ao dizer que sinto falta de você eu sinto falta é de mim mesmo.”
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Felicidade
Felicidade, na verdade
É palavra monossilábica.
Bastava o "fe",
Ali, na Cidade,
Soubéssemos ser felizes...
Mas necessitamos de mais,
Necessitamos de "dades",
Nos proclamamos sempre
Donos da verdade...
Assim, rimamos sem rir,
"Felicidade" com "maldade",
"Iniquidade" e uma vontade
De possuir o que é livre,
Classificar, etiquetar
E separar
Os complementos
Da mesma paisagem.
Fico com o "Fe" da felicidade,
Que não se explica,
Não tem motivos,
Nem verdades.
sexta-feira, 23 de maio de 2014
O Profeta
Do alto da minha torre
Envolta em neve e luar
Olho um mundo a contorcer-se
Competir e labutar.
O silêncio me acompanha,
Eloquente não-falar...
No bordado da minha fronha,
Nenhum sonho a se sonhar.
Do alto da minha torre
Pego um raio de luar
Desço ao mundo, falo aos homens,
Da importância de amar.
E eles me ouvem um pouco,
Mas logo prendem os dedos
Nas engrenagens do tempo
E consideram-me louco.
Volto ao alto da minha torre
Esquecendo as profecias...
Já não há gente no mundo,
Somente almas vazias
Que já nem tem esperanças,
São inúteis, mortas, frias,
Vem a névoa, encobre a torre
-Quem sabe, eu desça outro dia?...
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Bichos em Casa
![]() |
Na foto: Latifah, em primeiro plano, e nosso saudoso Aleph... imagem de 2008. |
"Não quero mais bichos. Eles dão muito trabalho, e quando se vão, a gente fica sofrendo... este é meu último cachorro/gato/passarinho/peixe..."
Você se identificou com esta declaração? Quantas vezes você já disse sobre bichos: "este é o último?" E logo depois, passou por uns olhos apaixonantes e pidões, cativantes e doces... e pronto: foi o suficiente para começar tudo de novo?
Bichos dão trabalho, ficam doentes e morrem antes da gente. Causam muitos sofrimentos quando vão embora e muitas preocupações quando viajamos ou precisamos nos ausentar de casa por um tempo relativamente longo. Mas por que não conseguimos resistir a eles? Qual a magia de um bichinho de estimação?
Para mim, eles trazem doçura à vida, alegria à casa. Uma casa sem bichos parece que fica faltando alguma coisa... a gente anda por ela e não vê nenhum pelo ou pena, nenhuma cadeira mordida ou almofada no cantinho. Não há buracos no quintal, cocôs no gramado, plantas comidas, sofás arranhados. A gente acorda de noite e não há nenhum rom-rom por perto, nem o som da respiração de um cão. Não se escutam latidos ou portas sendo arranhadas. De manhã, nenhum som de alguém clamando por comida e carinho.
Uma casa sem bichos é quase triste... mas eu já prometi a mim mesma que a Latifa é minha última cadelinha. Eu tinha dito o mesmo quando o Aleph ficou mais velho, até que ela apareceu, presenteada por amigos. Os dois encantaram nossas vidas por sete anos, até que ele se foi, e ela ficou sozinha, e se não fosse por ela, teria sido bem mais difícil suportar a perda dele; agora, idosa, tem nos dado muitas preocupações com exames, crises de falta de ar, clínicas veterinárias e noites sem sono devido aos problemas nos pulmões. Já choramos muitas vezes, perdemos as esperanças, recuperamos as esperanças. E afirmamos, veementemente, que nunca mais teremos bichos em casa; afinal, bichos vivem um bom tempo, e logo seremos cinquentões... teremos tempo, saúde ou paciência, daqui a dez anos? E se precisarmos nos mudar para um apartamento?
Nunca mais teremos bichos em casa. Mas hoje meu marido me falou de uns cães para doação que viu no jornal local. Havia uma cadela Rottweiler, e um lindo cão vira-latas também, e... acho melhor corrigir a minha afirmação: "Nunca mais é tempo demais!"
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Rubem Alves, de Novo, e Sempre!
Pensamentos do escritor e educador Rubem Alves - de quem sou fã incondicional, e de "carteirinha" - do livro "Paisagens da Alma"
Numa clínica psicológica estava escrito: "Distúrbios da aprendizagem." Ainda não vi em clínica alguma anunciado "Distúrbios da Ensinagem."
É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome do assombro da vida."
Não. Não escrevo o que sou. Escrevo o que não sou. Sou pedra. Escrevo pássaros. Sou tristeza. Escrevo alegria. A poesia é sempre o reverso das coisas.
Enganamo-nos quando confundimos as pessoas com seus atos. Ninguém é idêntico àquilo que faz. É só isso que nos permite odiar o pecado e amar o pecador.
Os portugueses se horrorizaram ao saber que os índios matavam as pessoas e as comiam. Os índios se horrorizaram ao saber que os portugueses matavam as pessoas e não as comiam. Tudo depende do ponto de vista.
Há pessoas que se convertem por causa de uma grande experiência espiritual solitária. Outros não se convertem: apenas se mudam da sua solidão para uma comunidade que os acolha. A experiência de pertencer, de não estar sozinho, é tão gratificante que é capaz de digerir qualquer ideia esquisita. Chupado entre amigos, o limão é doce.
Distúrbios de Aprendizagem e Ensinagem
"Numa clínica psicológica estava escrito: "Distúrbios de Aprendizagem." Ainda não vi em clínica alguma anunciado "Distúrbios de Ensinagem." " - Rubem Alves
Esta frase de Rubem Alves levou-me a uma reflexão sobre o número exagerado de crianças e adolescentes que hoje classificam-se como hiperativos, com distúrbios de aprendizagem ou TDA. Lembro-me que nos meus tempos de escola, estas coisas não existiam; o que existia, eram alunos que estudavam e alunos que não estudavam. E no final do ano, quem não estudasse, não passava. Pronto.
Talvez eu esteja sendo simplista demais, mas acredito que há um certo exagero (Ok, não apenas um certo exagero, mas um exagero realmente exagerado) a respeito destas (des)classificações. Hoje em dia, há uma certa complacência quando os pais, psicólogos e educadores citam estes distúrbios como desculpa para a pura malandragem ou para a educação inadequada em casa devido ao despreparo dos pais. Acredita-se que tudo pode ser 'traumático' para a criança, e repreender é o mesmo que tolher a criatividade e a espontaneidade dos pimpolhos... se um dos pais dá uma simples palmada corretiva nos filhos, pode responder processo por maus-tratos e até mesmo perder a guarda da criança ou adolescente.
Aqui mesmo, em minha cidade, uma escola que é considerada a melhor de todas, incentiva a competição entre os alunos, e separa-os em grupos A, B e C (veladamente, vencedores, medianos e perdedores), sendo que alunos de um grupo não se misturam com os outros. Isto para mim não é educação, é tortura. Por outro lado, lembro-me que quando minha sobrinha era pequena, a escola onde ela estudava dava aos alunos total liberdade para desenhar e rabiscar aonde bem quisessem; ela chegava em casa e queria fazer a mesma coisa, e saía desenhando nas paredes da casa... e a "educadora" aconselhava os pais a permitir que a criança "se expressasse livremente!"
Para mim, educar é mostrar limites, ensinar a convivência, a tolerância, a solidariedade (os alunos que sabem mais devem ajudar os que tem dificuldades). Educar é mostrar que existem regras na sala de aula, onde o professor deve ser respeitado como a autoridade maior. Professor não é colega, por mais bacana que ele seja. E mais do que tudo, estes conceitos, em minha opinião, devem ser formados em casa. O aluno deveria chegar à escola sabendo que as pessoas devem ser respeitadas e que o ambiente de uma sala de aula é feito para a integração e aprendizagem, e não para bagunçar.
Quando eu era pequena, meus pais deixaram claros estes conceitos; havia a hora para estudar e fazer os deveres de casa, e não tinha discussão! Ai de mim se um dos professores mandasse bilhetinhos para meus pais reclamando de falta de disciplina... hoje em dia, quando isso acontece, os pais vão até a escola e reclamam do professor, alegando que ele não tem didática para lidar com os alunos. E neste clima de permissividade, justificativas e desculpas embasadas pela psicologia mal-empregada, crescem a maioria das crianças de hoje, sem disciplina e sem direção. Por não concordar com esse tipo de coisa, deixei de lecionar em escolas.
A responsabilidade pela educação dos filhos é dos pais, e não dos professores. Alunos indisciplinados, rebeldes, agressivos e preguiçosos não são responsabilidade da escola, e nem sempre sofrem de distúrbios psicológicos. Muitas vezes, tudo o que eles precisam é de direcionamento, limites, diálogo com os pais, orientação, e se preciso, punição sim, por que não? Algumas horas sem computador e um final de semana sem futebol ou videogame podem ser bastante eficazes.
Mas vivemos em uma sociedade na qual ser professor, ao invés de honra, significa vergonha e desonra, do ponto de vista dos alunos e de alguns pais. As crianças são deixadas à solta, e algumas vezes, são incentivadas ao preconceito, bullying, violência e competição. Há alguns dias todos assistimos pela TV o caso do pai que acompanhou o filho e ambos, em público, surraram quase até a morte um outro rapaz com quem o filho deste brutamontes tivera uma discussão. Isto é educação? Alunos brigam em sala de aula e colocam o vídeo na internet. E nada é feito para punir estes acontecimentos. Alunos batem nos professores, ameaçam-nos de morte e até os matam! E a culpa, é da falta de didática dos professores? Um professor tem que dançar funk em sala de aula para chamar a atenção dos alunos? Imaginem só, tendo uma jornada de até doze horas de trabalho! Quem chegará inteiro ao final do dia?
terça-feira, 20 de maio de 2014
A Vingança das Flores
As flores me olham quando eu passo,
Balançam suas leves cabeças e riem,
Em sinal de desaprovação:
-"Estúpida criatura humana,
Nem és capaz de cumprir uma promessa
Que há tanto tempo, fizeste a ti mesma!"
Então, eu as colho em um buquê bem apertado,
E as amarro, todas juntas em um vaso
Que coloco em algum canto escuro da sala.
Penso em, mais tarde,
Brincar de mal-me-quer.
Em resposta, elas murcham.
domingo, 18 de maio de 2014
Domingo de Manhã
Acordo mais tarde, por volta das oito da manhã. O marido ainda dorme.
Olho lá para fora, abrindo uma greta entre as cortinas, e vejo o gramado cheio de folhas secas esperando para serem varridas. Silêncio, pois quase todo mundo dorme até mais tarde aos domingos.
Desço; na sala, a baguncinha deixada pelo sábado: almofadas espalhadas, coisas em desordem sobre a mesa de centro. Pelos de cachorro no assoalho. Na cozinha, algumas louças que não foram lavadas. Abrir janelas, arrumar tudo?... Espreguiçar-me. Hoje, não vou sair para caminhar... preguiça. Tempo nublado, friozinho leve...
A casa no domingo de manhã é sempre tão serena! Não há a preocupação de correr para arrumar tudo antes dos alunos começarem a chegar. Posso andar pela casa de pijamas e chinelos, espreguiçando-me calmamente, ou sentar-me na varanda com um livro por uma boa meia-hora... quem sabe, uma ou duas? Depois eu arrumo; depois eu faço tudo. Depois...
Há que se aproveitar a vida, e para mim, aproveitar a vida significa desfrutar desses momentos pequenininhos, em silêncio, só os passarinhos e raios ainda úmidos do sol... andar pela minha casa, a casa que eu conheço e aprendi a amar. Olhar nos olhos do meu cão ainda cheios de soninho, acariciar a sua barriga, ver se aquela rosa já abriu.
Depois, fazer café e sentar-me ao computador, ainda com a xícara, para escrever um pouquinho.
Pressa? Pra quê?
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