Eu acredito ser um espírito que, de alguma maneira, está no comando de um corpo – como um motorista está no comando de um carro. Eu não sou meu corpo, mas nós interagimos e precisamos um do outro para que a vida orgânica seja mantida e a vida anímica possa ser expressada neste plano. Não posso provar nada disso em que eu acredito, e até hoje, não encontrei ninguém que pudesse prova-lo para mim, mas é nisto que eu acredito porque é o que faz sentido para mim. Eu acho que quando eu morrer, minha alma vai deixar este corpo e ir para algum outro lugar – conscientemente ou não. E o meu corpo será destruído. Apodrecerá. Ou seja: deixará de ter importância.
Mesmo assim, o que eu faço ao meu corpo enquanto viva neste plano, tem um efeito sobre a minha alma, pois eles estão interligados. Eu posso optar por cobri-lo de tatuagens. Posso castigá-lo com chicotes até sangrar, achando que assim estarei me redimindo de meus pecados. Posso sair por aí e dormir com qualquer pessoa que eu encontrar, levar uma vida promíscua e descuidada. Posso beber até cair, me encher de drogas alucinógenas, pintar os cabelos de rosa ou de azul, ou raspar a cabeça, colocar piercings no nariz, nas orelhas, no umbigo e em outros lugares menos aparentes. Posso comer sem controle e engordar, ou então enfiar o dedo na garganta após comer, e vomitar até a exaustão. Posso optar por submetê-lo a um sádico e fingir que a dor me causa prazer sexual – afinal, está na moda.
Não sou religiosa, não sigo nenhuma religião e meu conceito sobre Deus é tão diferente do que as pessoas religiosas pensam, que prefiro nem discuti-lo. Mas eu acho que o corpo é sagrado. É através dele que eu expresso a minha alma. O corpo é a casa da minha alma. Portanto, apesar de eu ser livre para fazer com ele o que eu bem entender sem qualquer limite, há coisas que eu não devo fazer. Não é uma boa ideia cuidar mal do corpo, pois quem está vivo, quer que ele dure e seja produtivo durante um período longo.
Tenho cinquenta anos de idade, e não tive filhos por opção. Poderia ter tido, se quisesse, mas eu não quis. Nunca me senti inclinada a ser mãe. Prefiro ter cães. Nada tenho contra crianças ou contra quem optou por tê-las, mas eu preferi não tê-las. Por isso, eu tomei pílulas a vida toda: porque eu queria evitar uma gravidez indesejada. Mesmo assim, aos 38 anos de idade, o inesperado aconteceu: eu me vi grávida. Apesar do susto que eu levei, abortar nem me passou pela cabeça, porque havia um outro corpo dentro do meu corpo, uma outra vida que não me pertencia, não era eu e nem era minha, não vinha de mim. Era um outro espírito que queria manifestar-se e nascer para este mundo. A gravidez não foi adiante; apenas algumas semanas depois, sofri um aborto espontâneo. Não sou de chorar ou me lamentar pelo que não é para ser: aceitei e segui em frente. Aconteceu o que era para ter acontecido, e pronto, e não sei explicar porque. Mas aquela criança poderia ter nascido através de mim.
As mulheres hoje em dia falam em liberdade sexual e direitos sobre o próprio corpo. Concordo com elas: todo mundo tem direito a fazer o que bem entender com o próprio corpo, embora esta liberdade deva ser usada com responsabilidade. Mas quando se trata do direito de engravidar e abortar, essa tal liberdade deixa de pertencer apenas a quem traz um embrião no ventre: é uma outra vida, e assim como a mulher acha que tem direitos sobre o próprio corpo, esta outra vida também deveria ter. Se toda liberdade fosse digna, então não poderíamos censurar um estuprador por estar fazendo apenas o que ele deseja através do seu próprio corpo, ou seja, conseguir um pouco de prazer sexual. Mas esperem: já posso ouvir as mulheres liberadas gritando:
-Mas isso é um absurdo! O estuprador é alguém que força outra pessoa a fazer sexo com ele contra a própria vontade! Ele está invadindo um espaço que não é dele, e fazendo uso de um direito que não lhe pertence! Ninguém deve dispor da vida de outra pessoa desta maneira!
Concordo. E justamente por concordar, sou contra o aborto. Vejo o aborto como um caso de estupro, onde uma vida sobrepuja outra e faz dela o que bem quiser sem que esta tenha o direito ou o poder de defender-se. Mas acho que estou ouvindo novamente o grito das mulheres liberadas:
-Mas se o aborto não for legalizado, milhares de mulheres continuarão a morrer nas mãos de médicos carniceiros!
Eu respondo: Mãos a que elas se submetem de livre e espontânea vontade, já que estão exercendo o seu direito de fazer do próprio corpo o que bem entendem! Mas se a polêmica sobre o aborto é apenas esta – livrar as mulheres liberadas que querem fazer do próprio corpo aquilo que bem entendem sem que elas corram risco de vida – não seria bem menos arriscado e bem mais aconselhável e sensato tomar a pílula anticoncepcional e/ou usar camisinha? E de onde vem a responsabilidade de uma mulher que sofre uma gravidez indesejada nesses tempos de AIDS? Por que ela não se protegeu? Por que ela não fez sexo seguro?
Porque ela é uma irresponsável, que clama por uma liberdade para a qual não está preparada. Ela grita por direitos que ela própria não compreende e não sabe utilizar. Ela se arrisca a ter uma gravidez indesejada e até à morte ao fazer sexo sem proteção, podendo inclusive ser responsável por espalhar uma doença mortal entre seus parceiros, mas não quer se arriscar a fazer um aborto em uma clínica clandestina; quer ter o direito de fazer abortos em hospital público – como se estes estivessem em excelentes condições de recebe-las, ao invés de receber quem realmente precisa deles: centenas de milhares de pessoas com problemas de saúde REAIS.
A estas mulheres liberadas, eu tenho o seguinte a dizer: cresçam e amadureçam. E usem camisinha.
Felicito-te vivamente por este teu texto, Ana !
ResponderExcluirTambém sou contra o aborto, claramente, excepto no caso em que a mulher foi violada e não deseja que tal responsável seja pai de um filho seu.
Um beijo muito amigo deste teu fã.
Aplausos ... muitos aplausos ... e de pé!
ResponderExcluirConcordo plenamente com você. Considero meu corpo um templo sagrado, não aceito ser desrespeitada quanto a isso.
ResponderExcluirQuando jovem, não aceitava de forma alguma o aborto e queria muitos filhos, talvez por ter passado a minha infância e juventude vendo meu pai mandando a minha mãe e depois a minha madrasta abortar. Sempre considerei um crime!
No entanto, eu cometi esse crime e me condenei muito por isso, minhas culpas me desequilibraram, quando me dei conta do que fiz de minha vida, achando que fosse meu carma.
Quando nasceu meu 4º, quis operar, mas nenhum médico aceitou, alegando que eu era nova. Meu 4º filho só foi reconhecido pelo pai aos 4 anos, quando ele se casou comigo.
Mas, percebi que recebi uma 2ª chance, mesmo evitando, engravidei e nasceu meu 5º filho. Pude, reparar meu 2º erro, após 4 anos sem menstruar, engravidei e nasceu meu 6º filho.
Eu sei que, o que fiz não tem perdão, não quero me desculpar, mas pago muito caro pelos meus erros e, ainda devo ter mais para expiar.
Só que acredito, que essa história é entre mim e Deus, não sou obrigada a ser torturada e morta, por um pilantra, por ele se achar dono da minha vida ou pelos erros que cometi!
Hoje, olho pra trás e percebo que tudo que condenava eu fiz, inclusive, ficar quase 40 anos com esse homem, contra a minha vontade.
Foi o meu aprendizado, para não mais julgar!
Por isso, também, não quis denunciar meus filhos! Eles ainda têm muito que aprender.
Obrigada Ana, suas abordagens são sempre muito especiais e você é uma pessoa que admiro muito, abraços carinhosos
Maria Teresa
Li com atenção, tanto o seu texto que aplaudo de pé como o Paulo disse, como o comentário da Maria Teresa.
ResponderExcluirA Vida tem disso, as experiências de cada um, as culpas que muitos carregam, acho que culpa sempre leva as pessoas a cometerem mais erros ainda, enfim...
O nosso corpo é um templo do espírito, que quando reencarnado vira alma, sem saber nada de vidas passadas, portanto tudo é intuição e seguir a vida sentindo a responsabilidade sobre cada ato praticado, eis o que é viver!
Amei ler aqui, concordo plenamente contigo, responsabilidade é o que se deve ter sobre tudo o que fazemos a nós mesmos e/ou aos outros!
Amei conhecer um pouquinho mais sobre você Ana, sempre desejei ter filhos, tive um casal com muito custo,engravidei e foi tudo bem e tive meu filho, mas quando tentei ter uma filha demorou quase quatro anos para conseguir engravidar, acho que a ansiedade dificultava, sendo assim fiquei imensamente feliz quando consegui, minha filha, meus filhos, hoje casados e tenho netos adolescentes que amo muito, portanto sou e sempre serei a favor da vida e dos direitos que as pessoas têm de serem livres e poderem escolher que vida, quantos filhos quiserem e se optarem por nenhum também!
Muito bom texto reflexivo!
Abraços apertados!