Gostaria de partilhar com vocês um trechinho do livro que estou lendo no momento, "Teu é o Reino," de Abilio Estévez. Nesta passagem, ele fala de alguém perdeu sua casa após uma tempestade, da dor e da sensação de vazio, orfandade e desproteção repentinas. Segue:
"...foi nessa hora funesta que Consuelo teve consciência de que ficara sem casa. Não existe perplexidade que se possa comparar. Acontece que quando uma casa é levada pelo mar, você não perde apenas um teto onde se proteger da intempérie, da chuva, do frio, do luar, não perde apenas o lugar onde sonhos, grandezas e mesquinharias estão a salvo do olhar (severo) do outro, de quem escruta e examina para descobrir em que parte do corpo se esconde sua fraqueza, onde você guarda o que não deve ser visível, acontece que você não perde só aquilo que protege e dá calor, o lugar que permite que você seja o mais você de todos os vocês que mostra, acontece que uma casa não é só o Lugar, aquele do refúgio e do pudor, uma casa é também o armazém das suas lembranças, onde você guardou as caixas de bombons, já sem bombons, cheias de cartas e fotografias, aquela imagem da modelo de revista a quem você quis se igualar, o lugar onde compartilhou quimeras e terrores, o lugar onde lavava a roupa (que é uma forma de purificação), e onde tomava banho (que é uma forma de se igualar ao Senhor), e onde dormia (que é uma forma de se aproximar do mistério), uma casa é também o lugar de defecação (que é a forma de ir se acostumando a devolver à terra o que é da terra), e o lugar do amor (que é uma forma de cada qual experimentar o gozo da expulsão do Éden), e o lugar onde você tem a ilusão de que uma porção do Universo lhe pertence, o único em que pascal deixava de sentir terror diante dos espaços infinitos, já que é também o lugar construído à sua escala, onde você não se sente uma mísera partícula num plano infinito no tempo e no espaço, é por limites ao Universo e dizer de modo categórico Este é meu lugar, e é bom porque é meu lugar. Assim explicou Consuelo aos seus parentes a sensação de ter perdido a casa."
A história de Consuelo e sua casa perdida continua de maneira comovente. Não é lindo este texto?
Que todos que perderam suas casas possam reconstruir o seu lar, e ter de volta essas paredes que nos guardam, dão conforto, privacidade e proteção. Que cada um tenha dentro de si, sempre, onde quer que estejam, a imagem da casa, do lar verdadeiro, onde estão seus objetos mais queridos, suas lembranças mais amadas...
Parabéns Aninha, pelo seu maravilhoso trabalho, Beijos no coração,
ResponderExcluirÉ triste... é como ficar um pouco órfão...
ResponderExcluirBeijos...
Olá, Ana!
ResponderExcluirExcelente esse trecho de , "Teu é o Reino," de Abilio Estévez. Parabéns.
Abraços.
Lindo trecho que escolhestes! Ana, é triste a pessoa que perdeu sua casa perde a referência de si mesmo.
ResponderExcluirBeijos
Amara
Ana é mesmo lindo e comovente esse trecho que nos traz.
ResponderExcluirSabe, que estou lendo um livro sobre organização, e ainda ontem à noite eu lia que a autora sempre ao chegar em sua casa, abre a porta e a cumprimenta "Obrigada por me dar abrigo" e faz uma rápida e pequena reverência. Achei estranho, confesso. Mas sabe que agora lendo o seu post me pego refletindo o quanto esquecemos de dar valor à nossa casa.
Faz me lembrar também dos milhões de pessoas que passam a viver, por inúmeros motivos, em campos de refugiados.
Foi especial te ler! Beijo.