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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Cântico Negro





Uma reflexão, um poema de José Régio

"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se levantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.

                      José Régio

22 comentários:

  1. Ana Bailune
    Sem palavras!...
    José Régio, é o meu poeta preferido, sendo o seu Cântico Negro, pelo ritmo, o que mais me encanta. O poema interpretado, por João Vilarett. A mim soa a obra prima.
    Beijos

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  2. Querida Ana, esse poema é profundo e de forma lírica o poeta descreve o lado negro da vida. Só para os grande poetas com José Rogério, escreve de forma perfeita esse tema. A minha vida é um vendaval que se soltou. Destaco:
    A minha vida é um vendaval que se soltou.
    É uma onda que se levantou.
    É um átomo a mais que se animou...
    Não sei por onde vou,
    Não sei para onde vou.
    Tenha um abençoado fim de semana. Abraços da amiga Lourdes Duarte.

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  3. Este é dos poemas mais marcantes de José Régio, um poeta que muito admiro e que faz parte da minha estante de poesia. Gostei de encontrá-lo aqui.
    Bom fim de semana.
    Beijos.

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  4. Eu aprecio imensamente esse poeta que escreve com maestria muitas agruras da vida da gente.
    Muitas vezes, Ana, o caminho é tão árduo e a alma está tão cansada e os sentimentos cada vez mais endurecidos que nos tornamos rebeldes e nunca vamos por onde nos chamam por mais belos e adoçados que sejam os caminhos. E assim, seguimos alheios...
    Bom dia, amore!

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  5. Ana
    gosto deste poema do José Régio, e diz-me muito pois até já o declamei numa tertúlia de poetas.
    obrigada pela visita ao blogue das fotos
    tenha um bom fim de semana.
    :)

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  6. Excelente esse poema de Régio, a vida deve ser assim, ir por onde quisermos ir, não por onde querem que vamos...

    Bonito aqui tbm, mas o "Casa" me fazia sentir um certo conforto ao ler, vc descrevia o amor pela casa de um modo tão gostoso...
    Mas ler vc de qualquer modo é muito bom...

    Beijos...

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    Respostas
    1. Oi, Frida. Obrigada pela presença. Mas o A casa & a Alma continuará aqui! Todas as postagens estão ali no cantinho, sob os marcadores "A Casa" e "A Alma!" Sempre que eu postar sobre casas, os textos ficarão ali. Beijinho.

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  7. Este é o verdadeiro empoderamento. Seguir suas próprias sem medo de viver
    Um poema soberbo que amei ler
    Beijos e bom fim de semana

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  8. Olá amiga! O escritor, com metáforas, nos conduz o pensamento de que temos que ser nós mesmos e não ter medo de viver. Parabéns! Tenha um finalzinho de tarde de Domingo feliz e que o início da semana venha abençoado. Fica na paz.

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  9. Não conhecia o trabalho de José Régio, mas por essas linhas carregadas de sensibilidade que nos faz realmente refletir, fui buscar mais trabalhos dele, agradeço a você Ana por compartilhar e me fazer conhecedor de trabalhos como esse do José Régio.

    Beijos
    Rafael

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  10. Putz, que poema! Magistral! Nível SUPERIOR! De arrepiar. Parece um dos heterônimos de Fernando Pessoa. A leitura deste poema valeu o dia. Um abração.
    Tenhas uma linda tarde.

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