Uma reflexão, um poema de José Régio
"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se levantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.
José Régio
Ana Bailune
ResponderExcluirSem palavras!...
José Régio, é o meu poeta preferido, sendo o seu Cântico Negro, pelo ritmo, o que mais me encanta. O poema interpretado, por João Vilarett. A mim soa a obra prima.
Beijos
Obrigada, Daniel.
ExcluirCoisa mais linda!!!
ResponderExcluirUm dos que eu gostaria de ter escrito...
ExcluirQuerida Ana, esse poema é profundo e de forma lírica o poeta descreve o lado negro da vida. Só para os grande poetas com José Rogério, escreve de forma perfeita esse tema. A minha vida é um vendaval que se soltou. Destaco:
ResponderExcluirA minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se levantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou.
Tenha um abençoado fim de semana. Abraços da amiga Lourdes Duarte.
Obrigada pela presença, Lourdes.
ExcluirEste é dos poemas mais marcantes de José Régio, um poeta que muito admiro e que faz parte da minha estante de poesia. Gostei de encontrá-lo aqui.
ResponderExcluirBom fim de semana.
Beijos.
Fico feliz que tenha apreciado!
ExcluirEu aprecio imensamente esse poeta que escreve com maestria muitas agruras da vida da gente.
ResponderExcluirMuitas vezes, Ana, o caminho é tão árduo e a alma está tão cansada e os sentimentos cada vez mais endurecidos que nos tornamos rebeldes e nunca vamos por onde nos chamam por mais belos e adoçados que sejam os caminhos. E assim, seguimos alheios...
Bom dia, amore!
Disse tudo, malu!
ExcluirAna
ResponderExcluirgosto deste poema do José Régio, e diz-me muito pois até já o declamei numa tertúlia de poetas.
obrigada pela visita ao blogue das fotos
tenha um bom fim de semana.
:)
Abraços, Sol!
ExcluirExcelente esse poema de Régio, a vida deve ser assim, ir por onde quisermos ir, não por onde querem que vamos...
ResponderExcluirBonito aqui tbm, mas o "Casa" me fazia sentir um certo conforto ao ler, vc descrevia o amor pela casa de um modo tão gostoso...
Mas ler vc de qualquer modo é muito bom...
Beijos...
Oi, Frida. Obrigada pela presença. Mas o A casa & a Alma continuará aqui! Todas as postagens estão ali no cantinho, sob os marcadores "A Casa" e "A Alma!" Sempre que eu postar sobre casas, os textos ficarão ali. Beijinho.
ExcluirEste é o verdadeiro empoderamento. Seguir suas próprias sem medo de viver
ResponderExcluirUm poema soberbo que amei ler
Beijos e bom fim de semana
Concordo, Gracita! Abraços.
ExcluirOlá amiga! O escritor, com metáforas, nos conduz o pensamento de que temos que ser nós mesmos e não ter medo de viver. Parabéns! Tenha um finalzinho de tarde de Domingo feliz e que o início da semana venha abençoado. Fica na paz.
ResponderExcluirOlá Ana querida
ResponderExcluirGostei do poema.
Beijos
Ani
Eu também, Ani. Grata pela presença.
ExcluirNão conhecia o trabalho de José Régio, mas por essas linhas carregadas de sensibilidade que nos faz realmente refletir, fui buscar mais trabalhos dele, agradeço a você Ana por compartilhar e me fazer conhecedor de trabalhos como esse do José Régio.
ResponderExcluirBeijos
Rafael
Legal, Raphael! Obrigada pela presença.
ExcluirPutz, que poema! Magistral! Nível SUPERIOR! De arrepiar. Parece um dos heterônimos de Fernando Pessoa. A leitura deste poema valeu o dia. Um abração.
ResponderExcluirTenhas uma linda tarde.