witch lady

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quinta-feira, 14 de março de 2013

Passarinho Triste





Sua minúscula gaiola ornamentada ficava em um suporte móvel de ferro, no canto mais escuro da sala de jantar, onde a luz da pequena janela mal chegava. Era apenas uma criaturinha de aparência frágil,  um canarinho à toa, mas quando abria o peito para cantar... ah, até mesmo os vizinhos chegavam ao muro para admirar a beleza de seu canto! Como podia sair assim, um som tão maravilhoso e perfeito daquele peito tão magrinho? 

Quando chegou àquela casa, causou alguma comoção; as pessoas paravam para brincar com ele, estalando os dedos em volta da gaiola e assoviando. Ele se empertigava todo de espanto, esvoaçando e batendo contra os arames da gaiola. Com o tempo, acostumou-se à presença das pessoas, e tornou-se mais calmo. Também com o tempo, a sua presença foi se tornando cada vez menos notada, principalmente nas épocas de muda de pensas, quando ele não cantava.

Antes, sua gaiola era colocada lá fora de manhã bem cedo pela empregada da casa, e ele podia abrir as asinhas ao sol e pular de um poleiro ao outro, piando baixinho; mas um dia, alguém viu o gato do vizinho olhando a gaiola atentamente. A partir daquele dia, ele nunca mais foi levado para fora,  nem viu a luz do sol. Sua existência limitou-se àquele canto obscuro da sala de jantar, onde as pessoas passavam por ele já sem perceber que ele estava ali.

À noite, quando seus donos chegavam em casa, acendendo a luz,  ele ainda cantava alto, como a dizer: "Vejam, eu estou aqui! Eu existo!" mas como o canto atrapalhasse o som da TV ou das conversas, alguém apagava a luz, e ele ficava quieto.

Às vezes, esqueciam-se de cuidar dele - nos finais de semana e nos dias de folga da empregada. Então, sua água ficava tão suja de fezes, e seu alpiste, tão cheio de cascas, que ele mal podia comer ou beber. Suas unhas eram tão longas, que enrolavam-se em volta do poleiro.

Assim, a vida daquela pobre criatura ia passando. Anos e anos de solidão e sofrimento. Havia festas, reuniões de família, conversas à mesa. Mas ninguém notava que ele estava ali, e ele nem sequer cantava mais. Só ensaiava um canto quando, de manhã, a empregada abria a porta da cozinha e uma luz de sol infiltrava-se até a metade da sala de estar, e ele se lembrava que era um pássaro e que estava vivo.

Mas seus piores momentos, eram quando a família viajava, e a empregada não precisava ir... ficava sozinho por dias à fio, sem ter quem lhe trocasse a água e o alpiste, sem uma nesga sequer de luz que lhe chegasse, sem um som sequer na casa vazia, a não ser o do relógio da sala, marcando as horas. Antes da viagem, eles enchiam-lhe duas ou três vasilhas de alpiste e água, esperando que durassem o tempo que ficariam fora, colocando-as no chão da gaiola, mal deixando-lhe espaço para mover-se. Ao fazer suas necessidades, era obrigado a fazê-lo sobre a água e a comida.

Esta era a vida daquela criatura miúda e insignificante: não passava de um acessório que não servia mais para ninguém, com o qual ninguém se importava. 

Um dia, uma menina chegou à casa de visita. Ela começou a andar pelos cômodos, curiosa como toda criança, e deparou com a gaiola no canto escuro da sala de jantar. Caminhou em volta dela, olhando o passarinho, que a olhou de volta com tanta tristeza, que os olhos da menina encheram-se de lágrimas. Ela olhou para os lados, e de repente, num impulso, abriu a porta da gaiola. Pensou que o passarinho sairia voando porta afora, mas ele apenas continuou onde estava, sem mover uma pena sequer. 

De repente, a menina ficou com medo de que descobrissem a sua arte, e tentou fechar a porta da gaiola, mas esta emperrou-se. Não se movia. Ela saiu de fininho, ainda olhando para os lados, e foi embora, esquecendo-se de seu triste amigo. Como a empregada da casa estivesse de férias, ninguém nem sequer viu que a gaiola estava aberta, e assim ela ficou.

Até que, retornando das férias três dias depois, a empregada percebeu a portinhola aberta, e ao fechá-la, deparou com o passarinho caído, morto, no fundo da gaiola.


Sarcófagos





Os altos chapéus 
Escondem os chifres...
"À benção, senhores,
Beijo as santas mãos!"
Sob o ouro brilhante, 
Toda a podridão
De anos e anos 
De perseguições.

As mãos levantadas,
Os dedos cruzados...
A bênção forjada
De ritos fingidos
E ultrapassados.

A face do Cristo
Pisada e cuspida,
As suas palavras
Sem pena, torcidas,
Usura , ambição,
Pseudo perdão
O doce na boca,
As pedras na mão.

Dedos sobre lábios,
Pedindo silêncio
Sobre tudo aquilo
Debaixo dos panos...
Uma história torpe
Bem alicerçada
Sobre montes de ossos
Ao longo dos anos.


BUSCA







BUSCA


Eu busco sentidos
Para o que está vivo
Entre o que está morto.

Só acho uma curva
Em forma de ponto
De interrogação...

O sim e o não
Descansam, rendidos,
Num imenso talvez.

E o dia amanhece
Refazendo os nós
Que a noite desfez.



quarta-feira, 13 de março de 2013

Sempre Aqui





Estive sempre aqui,
Descansando entre as asas das borboletas,
Enquanto te perdias de ti mesmo.
Fiquei aqui, sem qualquer expectativa
Ou tristeza.

Coração envolto num véu frio e úmido,
Olhar pregado nas montanhas ao longe...
O rosto parado, erguido adiante
Esperando a tua volta.

Estive sempre aqui neste jardim suspenso
Entre a eternidade e o tempo,
Totalmente imóvel, em pose de estátua
Para não despertar nenhuma mágoa.








Êxtase





"Êxtase", de Cecília Meireles - do livro Viagem



Deixa-te estar embalado no mar noturno
onde se apaga e acende a salvação.

Deixa-te estar na exalação do sonho sem forma:
em redor do horizonte, vigiam meus braços abertos,
e por cima do céu estão pregados meus olhos, guardando-te.

Deixa-te balançar entre a vida e a morte, sem nenhuma saudade.
Deslizam os planetas, na abundância do tempo que cai.
Nós somos um tênue polo dos mundos...

Deixa-te estar neste embalo de água gerando círculos.

Nem é preciso dormir, para a imaginação desmanchar-se em figuras ambíguas.

Nem é preciso fazer nada, para se estar na alma de tudo.

Nem é preciso querer mais, que vem de nós um beijo eterno
e afoga a boca da vontade e seus pedidos...


Alma Penada





Ele vaga pela casa
Sabendo não ser lembrado.
-Que destino malfadado
O de saber-se esquecido!

Vem um vento desabrido
Leva o que ficou marcado...
Entre o tilintar das taças
Um desejo malogrado

Pois que anda pela casa
Sabendo não ser lembrado...
De toda a vida vivida,
Nenhum sonho foi guardado!

Veio a morte, e carregou
O que havia se orgulhado,
E a memória se fechou
Sobre quem havia amado...

Ele chora pela casa
Sabendo não ser lembrado...
Entre os risos de alegria
Ele se queda, chocado!

Tantos anos de ilusões,
Tanto amor desperdiçado
Entre os frios corações
De quem havia adorado!

E ele assombra aquela casa
Sabendo não ser lembrado...
E o que restou de si
Sob um túmulo, fechado!

Não houve vela, nem missa,
Nem mesmo um canto chorado!
Apenas o esquecimento
Sobre o espírito calado...

E ele não vê consolo
Algum, em não ser lembrado...
Em cada canto da casa,
Um retrato retirado!

E ele chora, vaga, assombra
Pelo seu morto passado
Em cada cômodo, a sombra
daquele que foi levado!






terça-feira, 12 de março de 2013

Humildade





Como veio, foi-se,
Em anônima grandeza,
De quem vem trazendo a paz,
E não cultiva aspereza.

Quase ninguém o viu,
Mas quem o viu, agradece...
Não pediu para ser lembrado,
Mas dele, ninguém se esquece...

Como veio, foi-se
Sem fazer qualquer alarde,
Caminhando lentamente
No silêncio de uma tarde...

Deixou um rastro de amor,
De luz, e muita beleza,
Fica a nossa porta, aberta
Na varanda, a luz acesa.


Fernando Pessoa






As Ilhas Afortunadas - de 'Mensagem'


Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
E a voz de alguém que nos fala
Mas que, se escutarmos, cala,

Por ter havido escutar.
E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir, ouvimos
Que ela nos diz a esperança.

A que, como uma criança
Dormente, a dormir, sorrimos.
São ilhas afortunadas
São terras sem ter lugar,

Onde o rei morre esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz. E há só o mar.





segunda-feira, 11 de março de 2013

De Mim Para Mim






A jornada do autoconhecimento é uma estrada longa e tortuosa, cujo destino ninguém jamais poderá dizer que alcançou. Mesmo assim, só nos resta segui-lo, entendendo que às vezes, o ritmo será lento, e noutras, mais acelerado. Haverá pontos de estagnação, de descrença e de retrocessos. Mas o mais importante, é perceber estes pontos e continuar em frente.

Recentemente, percebi que mais exigimos dos outros no momento em que menos podemos dar a nós mesmos. Alimentamos a tendência de culpar os outros pelas nossas próprias falhas. É exatamente no momento em que estamos cobrando e apontando as faltas alheias, que precisamos respirar fundo e olhar para dentro de nós: o que eu estou tentando obter do outro, que não estou conseguindo, eu mesma, prover-me? Por que tento apontar as faltas, ao invés de ressaltar o que há de melhor em cada pessoa? Descobri que quando faço isso, estou apenas descobrindo o que me falta.

Sei que jamais chegarei a um ponto no qual poderei dizer: "Esta sou eu!" Houve momentos, no passado, em que eu achava que isto era possível. Houve até momentos em que eu pensei que tinha chegado 'lá;'  e foram momentos que precederam uma grande queda. Precisei deles a fim de perceber o quanto eu ainda me encontrava longe desse destino que eu ainda não sei qual é, e que pretendera alegar que alcançara.

Hoje eu percebi que todo o caminho resume-se a apenas um passo de cada vez.



O Amor





O amor
É todos os dias testado,
E esteja certo ou errado,
Considera o coração.

O amor
Está bem além do beijo,
E descansa, inalterado,
Sob arroubos de desejo.

O amor
É o perdão açucarado
Concedido, sem alardes
A quem quer ser perdoado.

O amor
É um querer que não se cansa,
E que mesmo adormecido,
Sempre mantém a aliança.

O amor 
Prevalece no final,
Acima do bem e do mal,
Pois amar é compreender.

O amor
Mora dentro do olhar,
O amor é tudo aquilo
Que eu mais preciso aprender.


domingo, 10 de março de 2013

Promessas Quebradas





Em volta, cacos cortantes
De promessas quebradas.
Migalhas de vidas,
Sobras... mais nada.

Um carinho magro,
Raquítico e seco,
Tentando emendar
O logro fadado.

Um beijo anêmico,
Fraco, doente,
Tentando selar
O trato rompido.

Promessas, só promessas...
Melhor não prometer nada!

Voltas e voltas
Em torno de si,
Vertigens e náuseas,
Um sangue de água...

Palavras sem força
Que são repetidas
Numa tentativa
De enganar a vida...

Promessas vazias,
Palavras vazias,
Arrasta-se a noite
Num triste arremedo
De amanhecer.

Como crer?...

Promessas que saem
Da boca dormente...
Nem sequer pretende
Cumprir o que diz!

Ah, vontade fraca,
Ah, peito abafado!
Ignoto futuro
Que nunca decola!
Presente fechado...

Por que se agarra, assim,
Ao passado?
Palavra de esmola,
Intento frio,
Riso malogrado.

*

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EU SÓ TENHO UMA FLOR

  Eu Só Tenho Uma Flor   Neste exato momento, Eu só tenho uma flor. Nada existe no mundo que seja meu. Nada é urgente. Não há ra...