witch lady

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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

FÉRIAS COMPLETAMENTE SEM NOÇÃO

 

Obs: a imagem não tem nada a ver com o texto!



Quando eu era ainda bem pequena, nosso tio David costumava aparecer lá em casa de repente em um final de semana qualquer, totalmente bêbado e cheio de histórias. Meu pai ficava irritadíssimo com aquelas visitas inesperadas (tio David era meio-irmão de minha mãe) e eu confesso que não gostava muito dele, pois detestava o cheiro de cigarro e bebida e a barba espetando meu rosto quando minha mãe me obrigava a cumprimentá-lo com um beijo no rosto. As mães viviam fazendo essas coisas: “Beija a titia! Dá um abraço no priminho!” Era constrangedor... 

Mas tio David era boa pessoa.

Bem, como eu já disse, ele costumava chegar lá em casa totalmente bêbado. Naquela época (final dos anos 70) ele tinha um carro chamado DKW ( a gente pronunciava decavê), um dos modelos de carro mais barulhentos que eu já conheci. A gente sabia que ele estava chegando por causa do barulho do motor. Meu pai estalava os lábios em desaprovação: “Vou me deitar um pouco.” Tio David subia os degraus lá de casa quase tombando para trás, e eu nem sei como ele conseguia chegar lá em cima sem se arrebentar. 

Minhas irmãs o adoravam, pois em uma ocasião na qual precisamos (eu ainda era um bebê e por isso não me lembro), ele nos deixou morar na casa dele durante alguns meses. Imaginem só, marido, mulher e cinco filhos chegando na sua casa de mala e cuia! E minha mãe e minhas irmãs contavam essa história sempre se lembrando do quanto tinham sido bem acolhidas por ele e pela sua mãe, Dona Celestina, uma senhora muito religiosa.

Voltando à história: tio David chegava e ia logo anunciando: “Vamos à praia! Ruth, (minha mãe) pega uns sanduíches! Criançada, peguem as roupas de banho!” Eu pedia: “Posso levar o Fox?” Fox era um cachorro da raça Fox que eu adorava, e que ficou conosco por muitos anos. Meu Tio David dizia: “Pode levar o que você quiser!” E lá íamos nós – minha mãe, minhas três irmãs, Fox e eu, num DKW minúsculo dirigido por uma criatura totalmente insana, em direção à praia de Mauá pegando a Serra Velha, que é perigosíssima e cheia de curvas. Meu pai, é claro, ficava em casa resmungando.

Mesmo nos poucos trechos em que a estrada era reta, nós íamos ziguezagueando até à praia, totalmente alheios ao perigo, parando para vomitar de vez em quando (eu sempre enjoava, e o cachorro também). Chegando lá, nós íamos para a areia e o tio David desaparecia dentro de algum bar o dia todo. Visão do inferno aquele lugar, mas a gente gostava.

Sentada na toalha, eu dividia meu picolé com o cachorro: uma lambida para cada um. Cara, quando me lembro disso, eu realmente acredito que Deus protege as crianças e os bêbados.

Chegava a hora de voltar, e íamos procurar o tio David. Geralmente o encontrávamos deitado em algum canto, roncando, totalmente trêbado. Minha mãe o sacudia, pegava um café forte para ele no bar e então nos subíamos a serra, parando para vomitar de vez em quando...



Observação final: a praia da foto não tem nada a ver com a praia do texto!





terça-feira, 15 de setembro de 2020

O ‘BUTIQUIM’ DO SEU ‘MANEL’

 

 


Na verdade, bar era chamado de boteco, mas a gente dizia ‘butiquim.’ ‘Seu’ Manel, que se chamava Manoel, era um português de meia-idade casado com a Dona Dulce, uma senhora também portuguesa. Me lembro que eles tinham um filho que se chamava Antônio, mas ele não ficava muito por lá.


O butiquim do ‘seu’ Manel ficava próximo à minha casa, mas nem tão pertinho assim, e eu tremia nas bases sempre que ouvia a voz da minha mãe: “Ana! Vai lá no butiquim buscar...” Eu ficava possessa, pois tinha que interromper minhas brincadeiras, descer as escadas de casa, às vezes, debaixo de sol,  ir no tal butiquim, comprar o que ela precisava e fazer todo o caminho de volta... e muitas vezes, encontrava a minha mãe de pé no caminho, uma nota enroladinha na palma da mão: “Esqueci de comprar açúcar. Volta lá.” Ser criança não era mole...


O que era incrível no butiquim do seu Manel eram os doces. Lembram daqueles doces de bar? Paçoca, beijinho de coco, bananika (um doce amarelo com formato de banana e feito de marshmellow do qual só eu me lembro), geleia de copinho comestível, suspiro, sorvete quente, chocolate Behring, chocolate Batom... às vezes, a gente abria as embalagens do chocolate e eles estavam com teias de aranha. Minha mãe mandava: “Vão lá no butiquim trocar essa porcaria. Está estragado!” Eu morria de vergonha... ‘seu’ Manel olhava o chocolate, encolhia os ombros e dizia: “Como assim, está estragado??? Basta retirar a teia e comer!” E era o que eu fazia.


O pior momento da minha vida, era quando minhas irmãs mais velhas menstruavam de repente – tenho a impressão de que elas não faziam a menor ideia sobre o ciclo menstrual delas – e eu tinha que ir até o butiquim do ‘seu’ Manel para comprar absorvente para elas. Eu morria de vergonha. Comprar absorvente era um tabu! Na farmácia, por exemplo, a gente tentava ser atendida por uma balconista mulher. Mas no butiquim do ‘Seu’ Manel não tínhamos muitas opções, a não ser a Dona Dulce... quando o bar estava cheio, eu ficava por ali, fingindo que estava olhando a vitrine de doces. ‘Seu’ Manel logo vinha: “Vai querer um doce?” Eu balançava a cabeça e mentia: “Ainda estou escolhendo...” Eu olhava por cima do balcão esperando ver a Dona Dulce, e quando ela finalmente aparecia, eu erguia as sobrancelhas; era como um código: ela ia lá para dentro e vinha com um embrulhinho quadrado em papel cor-de-rosa – o pacote de absorvente. Não satisfeita, pois teria que andar pela rua carregando aquilo, eu pedia: “Dona Dulce, dá para botar num saquinho?” Ela vinha com um dos saquinhos plásticos que tinha trazido do supermercado e que reutilizava no bar. Às vezes, ela dizia: “Da próxima vez, traz uma bolsa de casa.”


Algumas vezes eu voltava para casa com as mãos abanando, e minha irmã ralhava: “Cadê o Modess???” Eu explicava: “O butiquim estava muito cheio de homens. Não deu para pedir!”


No butiquim do ‘Seu’ Manel tinha uma mesa de sinuca. Os homens ficavam por ali, bebendo cachaça e cerveja, fumando e jogando. Quando eu já era mocinha, eu detestava ir lá, pois alguns deles me comiam com os olhos, e outros chegavam a fazer piadinhas. Naqueles tempos, homem era homem, como minha mãe costumava dizer, e a gente tinha que ficar o mais longe possível deles. Alguns deles gostavam de levar alguns instrumentos para o butiquim – cuíca, tamborim, cavaquinho, – e ficavam tocando e cantando samba. Eu também odiava aquilo. A gente mal conseguia fazer o pedido!


Mas se tem uma coisa da qual eu não me esqueço nunca, é do ‘seu’ Manoel embrulhando o pão: ele deixava uma porção de folhas de papel de pão cortadinhas sobre o balcão em uma pilha. Quando a gente pedia: “Duas bisnagas,” ele pegava o pão com a mão que tinha passado não-sei-onde, e para descolar as folhas de papel de pão umas das outras, dava uma cuspidinha entre o indicador e o polegar. Depois, com aquela folha de dedos cuspidos, embrulhava o pão.


A gente comia chocolate com teia de aranha e doces que ficavam expostos sobre o balcão onde se debruçava todo tipo de gente; a gente comia pão que tinha sido embrulhado na folha de papel cuspida, e refrigerante no gargalo da garrafa que, antes de ir para a geladeira, tinha ficado armazenada em caixotes no fundo do bar, onde passeavam ratos e baratas. Está mofado? Passa a mão que sai! Caiu no chão? Assopra e come! A gente tomava Kisuco cheio de anilina e conservante, todos os dias na hora do almoço, e sobrevivemos àquilo tudo.


 Se o Coronavírus tivesse chegado naqueles tempos, ia encontrar muita resistência entre os frequentadores do butiquim do ‘seu’ Manel, sem sombra de dúvida.






quinta-feira, 3 de setembro de 2020

PAZ




 PAZ


Caminho em silêncio pelos corredores,

Olho indiferente para o que antes

Era oferecido - buquês de dores.


Já nem ergo mais minhas sobrancelhas,

Observo, apenas, qual navegante

Que não mais naufraga em praias vermelhas.


Meu mar é azul, meu céu é suave,

Meu não e meu sim são mais oscilantes,

Há mais 'sóis' que 'dós' nessa minha clave.


Carrego comigo aquilo que eu amo,

E o que me faz mal, mantenho distante,

Tentando passar sem causar-me dano.





sexta-feira, 28 de agosto de 2020

PALAVRAS QUE ESCORREGAM

 



 

AS PALAVRAS DERRETEM NA SALIVA

SUFOCADAS, NÃO EXPRESSAS.

TORNAM-SE PORTAS FECHADAS

NUM PEITO ALUCINADO.

AS PALAVRAS QUE FALAM DO PASSADO.

 

AS PALAVRAS ESCORREM DAS NUVENS

CAEM DAS ASAS DOS PÁSSAROS

E CHEGAM ÀS ROSEIRAS,

SE ENTRELAÇAM NOS ESPINHOS,

SANGRAM SOBRE A TERRA.

AS PALAVRAS QUE FALAM DAS GUERRAS.

 

AS PALAVRAS ESCORREM DAS MONTANHAS

BROTAM DO ORVALHO E PINGAM

DA CUMEEIRA DO TELHADO

QUAIS LÁGRIMAS DE DOR.

AS PALAVRAS QUE FALAM DE AMOR.

 

AS PALAVRAS NÃO SABEM O QUE DIZEM,

ROLAM SOB O ESPELHO

DE UM RIO CONGELADO,

CAEM EM UMA CORREDEIRA SEM FIM.

AS PALAVRAS QUE FALAM DE MIM.





 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

QUANDO VOCÊ FOI EMBORA




Quando você foi embora,

Eu fiquei ali, parada, 

A boca entreaberta,

Incapaz de dizer o que você esperava,

E não era “Adeus.”

Quem sabe, quisesse de mim uma palavra

De aceitação, consolo ou perdão?

Alguma coisa que te livrasse da culpa

De me impor a tua ausência – solidão?

Você virou as costas e partiu,

Mas não sem antes

Parar no alpendre, olhar para trás

E quem sabe, pensasse também

Nos anos vividos juntos

Que não teríamos mais?

Achou que eu fosse pedir que ficasse,

Queria que eu chorasse?...

Quando você foi embora,

Compreendi que agora eu estaria sozinha,

Que a vida era minha, afinal,

Que as horas seriam muito mais longas,

As noites, mais frias,

E que eu aprenderia a ter que conviver

Com a sucessão de dias e dias

Sem os ruídos dos teus passos, 

Sem a chave na fechadura,

-Ah, funesta urdidura do destino!

Foi-se embora um menino aventureiro,

Mas que se esqueceu de olhar-se no espelho

E reconhecer o homem feito,

Não viu que as novas roupas não caiam bem,

Que o novo corte de cabelo era inadequado,

Pegou pela mão a moça ao lado

E foram-se ambos viver uma história 

Que seria breve, estranha e inglória.

Quando você foi embora,

Querendo que eu te pedisse para ficar,

Hesitando com as malas no chão, `a porta,

Pensando que eu estaria morta,

Achando, quem sabe, que fosse preciso

Que eu te fizesse um discurso, clamando por siso,

Você sequer olhou direito

E enxergou, lá no canto,

O meu sorriso...





quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Flor





Flor, sacode tuas pétalas

Espanta essa dor

De viver murchando

Quando o dia está lindo,

E sobre tua corola,

Os pássaros seguem, cantando.

Flor, as tuas raízes

Precisam ser fortes,

Retire do solo e do ar

O teu viço,

Não dependa jamais

De nenhum jardineiro

Omisso.

Flor, não espere que o tempo

Congele teu momento!

Mais cedo ou mais tarde,

Ele age em tuas cores,

Desbota teu viço,

Descola tuas pétalas

E solta-as ao vento.

Flor, aprenda melhor

Sobre o teu perfume,

Não o deixe ir assim, de repente,

A qualquer lugar, a qualquer vertente,

Aprenda a usá-lo com cuidado,

Verdadeiramente!

Flor, aprenda a ser gente,

Não espere que alguém a colha,

Porque todos os vasos

São rasos, são prisões

De água insalubre

Onde  apodrecem, mais cedo,

Tuas pétalas e folhas!




PARA QUEM AMA FALAR SOBRE CASAS


 Olá, pessoal!


Hoje eu venho compartilhar o link de meu novo vídeo no meu canal O 'X' DA QUESTÃO." É sobre um livro que adquiri há algum tempo e até fiz uma postagem no blogger sobre ele: Casa Natural, de Carlos Solano.

Para quem gosta de sentar-se na rede calmamente, com um livro lindo nas mãos - lindo no conteúdo e na estética -  e tirar uma tarde de muita calma, paz de espírito e aprendizado. Eis o link:


https://youtu.be/7_jxDZVlC6k





terça-feira, 18 de agosto de 2020

SOBRE A ESCRITA - ESCREVER E COMUNICAR

 


Escrever e comunicar
 
Quando comecei a escrever, as palavras se entornavam de dentro de mim sem que eu pudesse contê-las. Havia uma enorme necessidade de colocar para fora tudo aquilo que eu mantivera escondido durante a maior parte da minha vida, o que nem sempre soava bonito. Eu pensava que aquilo era escrever: colocar no papel o que eu estava sentindo.

Também era importante a reação das pessoas a respeito do que eu lia - se eram contra ou a favor, o que pensavam.

Hoje, acho que é bem mais do que isso; após o jorro sentimental catártico (muitas vezes inadequado e desinteressante para quem não o estava vivenciando), as palavras deixaram de jorrar espontaneamente. Minha escrita tem se tornado cada vez menos fluente, porém, antes de chegar à página, ela passa pelo crivo de períodos mais ou menos longos de total silêncio. Cheguei a pensar que estava deixando de escrever, mas na verdade, minha escrita estava apenas amadurecendo. 

Hoje eu meço melhor aquilo que é ou não interessante colocar no papel, tanto para mim quanto para quem lê. A urgência em ser lida e comentada não é mais um dos meus objetivos quando escrevo. O único objetivo é comunicar o que sinto e penso – não apenas despejar sentimentos.






domingo, 16 de agosto de 2020

O QUE PENSAM DE NÓS?


 





Ontem assisti a um filme no qual um rapaz visitou algumas pessoas, e antes de sair, deu um jeito de colocar o celular gravando, escondido sob as almofadas do sofá, a fim de ouvir as conversas depois que ele saísse da casa. Na rua, usando uma escuta conectada ao aparelho, ele ouviu quais as verdadeiras impressões das pessoas sobre ele, e constatou que elas o achavam simplório, insignificante e risível. Ele as ouviu falarem sobre seu perfume barato, darem risadas sobre a maneira como ele segurava o garfo e oferecerem à empregada da casa um pote de geleia com o qual ele as tinha presenteado. Lágrimas rolaram de seus olhos durante a humilhação.

 

Isso me fez pensar: e se nós pudéssemos saber o que as outras pessoas realmente pensam de nós? Bem, mesmo sem ter esse poder, confesso que minha intuição me ajuda muito nessa parte; costumo acertar quanto a quem gosta ou não gosta de mim, e consigo sentir no ar insinuações ou trocas de olhares significativos entre as pessoas presentes. Também sinto de longe o cheiro da tentativa de manipulação e do elogio falso.  Mas sempre fica uma dúvida: será que a minha intuição está certa?


Bem, se tivéssemos certeza absoluta a respeito do que pensam de nós de verdade, não existiriam amizades. As pessoas viveriam isoladas, aquarteladas em suas casas, com ódio ou ressentimento umas das outras. E talvez constatássemos que a grande maioria das pessoas que nos criticam, na verdade, gostariam de ser como nós ou ter algum talento que nós temos.

Diante desse pensamento, concluo que Deus realmente sabe o que faz; melhor não saber ou continuar fingindo não saber o que pensam de nós!





quinta-feira, 13 de agosto de 2020

MEU POBRE IPÊ AMARELO

Foto: uma imagem antiga do meu ipê


 Havia um vaso de terra sob o ipê, onde eu cultivava uma plantinha que não vingou. O vaso acabou ficando por lá um tempo, até que percebi que havia uma mudinha de alguma coisa crescendo dentro dele, brotando corajosamente da terra mal-tratada do vaso. Comecei a regá-la. Em algum tempo, percebi tratar-se de uma muda do ipê amarelo. Replantei-a para os fundos do terreno, e hoje ela já está mais alta do que eu, e já dá flores, embora tenha puxado a mesma magreza de seu pai/mãe ipê.


Quando nos mudamos para esta casa, ele já não ia muito bem de saúde: um tronco magrelo que se dividia em dois galhos ainda mais magrelos nas pontas. Dava algumas flores, porém. Começamos a cuidar dele, e ele cresceu e multiplicou seus galhos, mas nunca chegou à exuberância, mas deu muitas e muitas flores, atraindo a atenção de quem passava pela rua e olhava por cima do muro. Quando ventava, o gramado ficava cheio de manchas amarelas, e eu colhia algumas para colocar na minha fonte.


Houve uma tempestade, e meu manacá da serra foi arrancado do chão com raiz e tudo. Meu enorme mandacarú também não resistiu, mas o ipê, em toda a sua magreza, curvou-se sobre o telhado da garagem sem quebrar. Aos poucos, ele foi voltando ao normal, tal era a sua vontade de viver.


Mas agora, acho que ele está realmente se despedindo, e entendi a sua urgência em deixar-nos um descendente que continue a enfeitar o nosso jardim. Os galhos mais altos estão quase totalmente secos, e quebram-se ao peso dos pássaros maiores que pousam neles. Alguns galhos começaram a brotar bem no meio do tronco, e ao ler um livro sobre árvores, descobri que é uma última tentativa de tentar viver por mais alguns anos, mas que não há salvação para ele. Segundo o livro, quando uma árvore começa a dar galhos muito baixos, é porque a seiva já não chega aos galhos mais altos; ela está morrendo.


O jardineiro acha melhor que o cortemos de uma vez, mas não vou fazer isso com ele. Vou deixá-lo viver enquanto ele quiser, já que luta tanto para permanecer vivo. Tenho certeza que, caso ele esteja em sofrimento e deseje uma eutanásia, arranjará uma maneira de me dizer isso, e então abreviarei seu sofrimento. Enquanto isso, olho pela janela da sala de aula e vejo sua cria a crescer, magrinha, já vencendo a altura do muro que separa a minha casa da casa do vizinho. 


As árvores têm alma, eu tenho certeza. As árvores amam e são gratas. Também sou grata a todas as flores que meu ipê nos deu de presente nesses dezesseis anos que moramos aqui. Cuidarei bem de sua cria.



sábado, 8 de agosto de 2020

SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE

 




SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE

Título original:  A MONSTER CALLS

Autor: Patrick Ness

O filme homônimo foi estrelado por Lewis MacDougall, Sigourney Weaver, Felicity Jones, Toby Kebbell e Liam Neeson.


Conor O'Malley (Lewis MacDougall) é um menino de 12 anos de idade que está em uma péssima fase de sua vida, na qual enfrenta, ao mesmo tempo, a péssima performance na escola associada ao bullying que vem sofrendo, à ausência do pai, ao mal relacionamento com a avó e à deterioração da saúde da mãe, acometida por um câncer em fase terminal. 

O’Malley precisa amadurecer muito rapidamente, tomando para si responsabilidades que deveriam ser assumidas por adultos, como cozinhar, cuidar da casa e ajudar a mãe doente, até que sua avó – mãe de sua mãe – vem para ajudar. Porém, a presença autoritária da avó causa ainda mais conflitos, e a chegada do pai, que vive nos Estados Unidos com sua nova família, também não parece ajudar. 

É quando um monstro enorme, surgido na forma de uma velha árvore que está plantada no terreno da igreja nos fundos de sua casa,  aparece para ele, e promete contar ao menino três histórias, dizendo-lhe que ao final da terceira, o menino terá que contar a sua própria história e revelar a sua verdade. 

A história é magnífica, inesperada, tocante, comovente e reveladora. Esteja preparado para derramar muitas lágrimas e reviver muitas de suas próprias histórias.


FM DA RESENHA


Minha opinião pessoal sobre a história-


Eu me senti representada pelo O’Malley da história, pois lembrei de mim mesma quando passei pela perda de minha mãe. As muitas idas ao hospital, as muitas semanas de noites mal-dormidas ao lado dela, sentada em uma cadeira, observando seu sofrimento e esperando que ela melhorasse – ou, a terrível verdade, que algo acontecesse e mudasse a situação – me levaram a me sentir totalmente identificada com o menino da história, o que me causou a catarse final que eu precisava para me libertar dos meus próprios monstros, mesmo oito anos após a morte de minha mãe.


Do lado de fora do hospital, as coisas também iam de mal a pior, e ir para casa de manhã, sendo substituída por uma de minhas irmãs, não me trazia nenhum alívio. 


A história me ajudou a entender que todos temos monstros dentro de nós que precisam ser encarados e ouvidos a fim de que aprendamos que, afinal, somos todos muito parecidos em nossos dramas e perdas, e que aquilo que consideramos monstruoso dentro da gente, na verdade, é apenas o nosso lado humano. Olhar para esse lado não é fácil, e entende-lo, muito menos; mas quando finalmente fazemos isso, sentimos um alívio enorme, pois compreendemos que é normal chorar, é normal não aguentar tudo que acontece e enlouquecer de vez em quando, e acima de tudo, é normal desejar o fim do próprio sofrimento.


 E é normal não tentar ser um super-humano que aguenta tudo sozinho e que sente vontade de mandar para o inferno todos aqueles que pensam que é nossa obrigação carregar seus problemas para eles – e manda-los para o inferno de fato, sem sentir culpa. Sete Minutos Depois da Meia-Noite é uma história e tanto. A história que eu gostaria de ter escrito, e confesso que eu tinha material para cria-la.




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