Quando eu era ainda bem pequena, nosso tio David costumava aparecer lá em casa de repente em um final de semana qualquer, totalmente bêbado e cheio de histórias. Meu pai ficava irritadíssimo com aquelas visitas inesperadas (tio David era meio-irmão de minha mãe) e eu confesso que não gostava muito dele, pois detestava o cheiro de cigarro e bebida e a barba espetando meu rosto quando minha mãe me obrigava a cumprimentá-lo com um beijo no rosto. As mães viviam fazendo essas coisas: “Beija a titia! Dá um abraço no priminho!” Era constrangedor...
Mas tio David era boa pessoa.
Bem, como eu já disse, ele costumava chegar lá em casa totalmente bêbado. Naquela época (final dos anos 70) ele tinha um carro chamado DKW ( a gente pronunciava decavê), um dos modelos de carro mais barulhentos que eu já conheci. A gente sabia que ele estava chegando por causa do barulho do motor. Meu pai estalava os lábios em desaprovação: “Vou me deitar um pouco.” Tio David subia os degraus lá de casa quase tombando para trás, e eu nem sei como ele conseguia chegar lá em cima sem se arrebentar.
Minhas irmãs o adoravam, pois em uma ocasião na qual precisamos (eu ainda era um bebê e por isso não me lembro), ele nos deixou morar na casa dele durante alguns meses. Imaginem só, marido, mulher e cinco filhos chegando na sua casa de mala e cuia! E minha mãe e minhas irmãs contavam essa história sempre se lembrando do quanto tinham sido bem acolhidas por ele e pela sua mãe, Dona Celestina, uma senhora muito religiosa.
Voltando à história: tio David chegava e ia logo anunciando: “Vamos à praia! Ruth, (minha mãe) pega uns sanduíches! Criançada, peguem as roupas de banho!” Eu pedia: “Posso levar o Fox?” Fox era um cachorro da raça Fox que eu adorava, e que ficou conosco por muitos anos. Meu Tio David dizia: “Pode levar o que você quiser!” E lá íamos nós – minha mãe, minhas três irmãs, Fox e eu, num DKW minúsculo dirigido por uma criatura totalmente insana, em direção à praia de Mauá pegando a Serra Velha, que é perigosíssima e cheia de curvas. Meu pai, é claro, ficava em casa resmungando.
Mesmo nos poucos trechos em que a estrada era reta, nós íamos ziguezagueando até à praia, totalmente alheios ao perigo, parando para vomitar de vez em quando (eu sempre enjoava, e o cachorro também). Chegando lá, nós íamos para a areia e o tio David desaparecia dentro de algum bar o dia todo. Visão do inferno aquele lugar, mas a gente gostava.
Sentada na toalha, eu dividia meu picolé com o cachorro: uma lambida para cada um. Cara, quando me lembro disso, eu realmente acredito que Deus protege as crianças e os bêbados.
Chegava a hora de voltar, e íamos procurar o tio David. Geralmente o encontrávamos deitado em algum canto, roncando, totalmente trêbado. Minha mãe o sacudia, pegava um café forte para ele no bar e então nos subíamos a serra, parando para vomitar de vez em quando...
Observação final: a praia da foto não tem nada a ver com a praia do texto!
Bah...Que triste esse vício e podia acabar com o passeio de qualquer um,! Lindo de ler, mas não conviver,rs...beijos, chica
ResponderExcluirLembranças... muito bem narradas. Seu pai tinha consciência e por isso ficava incomodado. Crianças não percebiam, em outros tempos, o perigo de andar em carro de quem bebe. Mas eram férias rss. Gostei muito, Ana. Bjs.
ResponderExcluirEita! Adoro reviver minhas lembranças também ... mesmo q aparentemente inusitadas ... tempos bons ...
ResponderExcluirBoa tarde todo mundo tem alguma férias "esquecível" kkk.
ResponderExcluirGosto de lembrar essas fatos de infância. Lembrei-me de meu tio Agripino, figura muito engraçada. Magricela, altão, andava quase sempre de roupa preta colada no corpo, chapéu e guarda-chuva... como se fosse o Pinguim do Batman, só que muito magro. Ia nos visitar na cidade, e quando voltava pra roça, dizia lá: "A cidade é muito boa, a gente acha de tudo, mas tem que tomar cuidado com a mancha preta; pisou na mancha preta, morre". Falava do asfalto, por causa dos carros rs rs. Desculpa o textão.
ResponderExcluirBom dia Ana,
ResponderExcluirGosto de ler suas histórias, e essa me fez voltar no tempo, quando meu marido trocou a vida pelo álcool, era exatamente assim, dirigia bêbado, eu morria e ressuscitava dentro daquele carro, além de não suportar o cheiro da bebida. É sempre bom reviver as lembranças, mesmo que desagradáveis, e sentir no coração que Deus cuida da gente com muito carinho...
Adorei as lambidas do picolé divida com o Fox.kkkk . coisas de criança que só Deus pra nos livrar dos males.
Bom domingo Ana.
Abraço de paz.
Uma crónica excelente, onde a memória volta aos lugares e aos afectos da infância.
ResponderExcluirUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.