TRECHOS DE "AS PERGUNTAS DA VIDA" - POR FERNANDO SAVATER
"O homem parece ser o único animal que pode ficar descontente consigo mesmo. O arrependimento é uma das possibilidades sempre abertas à autoconsciência do agente livre. Mas, se somos naturalmente livres, como podemos nos arrepender daquilo que fazemos com nossa liberdade natural? Como pode o desenvolvimento do que naturalmente somos trazer-nos conflitos íntimos? Devemos então, agora, elucidar qual é a nossa natureza e que sentido tem a noção de "natureza" para nós, os animais capazes de consciência pesada."
"Dizer 'Deus criou o mundo do nada' é tão explicativo quanto afirmar 'não sabemos quem fez o mundo, mas sabemos como pôde fazê-lo. ' Mas, quando se referem ao tema da origem, os cientistas costumam incorrer em paradoxos não muito diferentes dos teológicos. Segundo a teoria do big-bang, por exemplo, o universo se expande a partir de uma explosão inicial, uma singularidade irrepetível que não se deu em um ponto do espaço e um momento do tempo, e sim, a partir da qual começou a se abrir o espaço e a correr o tempo. Bem, pois também não é muito claro. Para que haja uma explosão inicial, por mais metafórica que ela seja, algo deve explodir nela; talvez a explosão desse 'algo' seja a origem das nebulosas, galáxias, buracos negros e demais objetos que bem ou mal conhecemos (incluindo no lote nós mesmos), mas então de onde saiu esse 'algo?' ; explodiu quando explodiu , e não antes ou depois? Etc, etc... Vistos os resultados dessas indagações, não será melhor deixarmos de nos fazer essas perguntas ou voltarmos aos mitos para lhes responder poeticamente? No entanto, por acaso podemos deixar de fazê-las?"
Viver Juntos
Ninguém chega a se tornar humano se está sozinho. Nós nos fazemos humanos uns aos outros. Fomos "contagiados" por nossa humanidade: é uma doença mortal que nunca teríamos desenvolvido se não fosse pela proximidade de nossos semelhantes! Foi-nos passada boca-a-boca, pela palavra, mas antes ainda pelo olhar: quando ainda estamos muito longe de saber ler, já lemos nossa humanidade nos olhos de nossos paios ou de quem cuida de nós em seu lugar. É um olhar que contém amor, preocupação, censura ou zombaria: ou seja, significados. E que nos tira de nossa insignificância natural para nos tornar humanamente significativos. Um dos autores contemporâneos que tratou o tema com mais sensibilidade , Tzevetan Todorov, expressa-o assim: "A criança procura captar o olhar de sua mãe não só para que esta acuda para alimentá-la ou reconfortá-la, mas porque esse olhar em si mesmo lhe traz um complemento indispensável: confirma-a em sua existência. [...] Copmo se soubessem a importância desse momento - embora não seja assim - o pai ou a mãe e o filho podem olhar-se nos olhos longamente; essa ação seria completamente excepcional na idade adulta, quando um olhar mútuo de mais de dez segundos não pode significar mais do que duas coisas: que duas pessoas vão brigar ou fazer amor." "