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domingo, 19 de fevereiro de 2017

VARRER





Era bem cedinho de manhã, e o dia mal tinha clareado. Eu era bem pequenina, e acordava com o ruído da vassoura batendo no chão de terra endurecida do nosso quintal. A luz que entrava pela veneziana trazia consigo sombras que se movimentavam no teto de madeira do quarto: era meu pai varrendo o chão. Os cachorros latiam para alguns cavalos que passavam na rua, e eu ficava ali na cama, escutando tudo aquilo em silêncio.

Mais tarde, eu ouvia a porta da cozinha se abrindo, e ruídos de papel sendo amassado: era meu pai que chegava com o pão e algumas comprinhas. Então, ele ia para o quarto e sentava-se na cama(eu escutava os sons das molas do colchão estalando) e começava a contar à minha mãe as novidades que ouvira na rua. Conversavam tão baixinho para não nos acordar, que eu não conseguia escutar o que diziam, apenas suas vozes. 

Depois, minha mãe se levantava, e o cheiro do café sendo coado no coador de pano invadia a casa. 

Quando varro meu próprio quintal, de manhã bem cedinho, eu me lembro daqueles dias. Fico pensando se meu pai e minha mãe me olham de algum lugar, ou se ainda vivem e respiram somente na minha lembrança. Talvez a substância criada pelas nossas lembranças seja consistente o suficiente para manter as pessoas vivas, enquanto vivermos, e depois disso, quando ninguém mais se lembrar delas, elas morram. 

Quem sabe, enquanto a minha vassoura toca o chão, levantando poeira, os meus pais, em algum lugar, abram os olhos novamente?





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