Imagine só, você, voltando de Brasília para o Rio de Janeiro, após cansativas palestras e reuniões chatas das quais teve que participar, em um avião que mais parece um ônibus (na classe econômica, na qual seu joelho está a poucos centímetros das costelas de quem está à sua frente, e os joelhos de quem está sentado atrás de você, descansam confortavelmente sobre os seus pulmões); imagine você, em um voo no qual você tem que pagar pelo catering, se quiser comer alguma coisa - um sanduíche com gosto de borracha ou uma barra de ceral meio-amolecida.
Pois é. Este é o voo no qual meu marido voltou de Brasília no sábado passado. Era tão parecido com os ônibus que circulam pelas cidades, lotados e sem conforto, que na hora de sair, as pessoas ficavam procurando pela campainha.
Agora, imagine que, perto de você, está um senhor meio-gordinho, com um cavanhaque enorme e um par de óculos que lhe emprestam um certo ar intelectual, contando histórias de desastres aéreos a um amigo que o ouve atentamente, ansioso pelos detalhes mais sutis. Pois é... e a cada minuto, esta criatura estranha narra, em voz alta, tudo o que está acontecendo durante o seu voo; tipo: "Agora deve estar mais ou menos trinta e cinco graus negativos lá fora..." "O trem de pouso acaba de subir..." "Agora estamos em área de cúmulos nimbus e melhor manter o cinto afivelado..." E na hora do pouso: "O trem de pouso já deveria ter sido descido. Deve ter acontecido alguma coisa, e talvez precisemos fazer um voo forçado. Vou contar até dez, e se até lá não tiverem descido o trem de pouso..."
A vontade de qualquer um, seria mandá-lo tomar um arzinho lá fora, no cúmulus nimbus... ou então, agarrar aquele cavanhaque horroroso, e , arrastando-o até a porta, abrí-la e chutá-lo para fora sem páraquedas, causando uma despressurização - termo que ele fez questão de descrever em detalhes, com direito a case history e tudo. É incrível a capacidade que algumas pessoas tem de despertarem sempre o pior em nós!
Lembrei-me de um famoso ator da Globo que teve um piripaque durante um voo... será que ele viajava perto deste nobre senhor?
OK, a vida tem dessas coisas. Se estamos mau-humorados, é certo que atraímos para nós ocorrências pouco favoráveis. E quando estas ocorrências acontecem durante um voo, ou seja, em um espaço confinado do qual é impossível sair, só nos resta respirar fundo quantas vezes forem necessárias, e aguentar firme.
Mas ter que aguentar as risadas de tirar o fôlego do amigo que está viajando com você e conseguiu um lugar em outra fileira, é revoltante. Enquanto você sofre, ele te olha e se contorce de tanto rir da sua cara. E quando a tortura finalmente termina, e vocês já estão no aeroporto, você tem que aturar as gozações dele dentro do carro, enquanto sobem a serra...
Ao ouvir essa história, digo ao meu marido: "Bem, querido, um dia é da caça, e outro, do caçador!"
Parabéns, Carlos Fontes!