witch lady

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segunda-feira, 9 de abril de 2012

TRAUMAS





D. Aldair era nossa vizinha de muro, ou seja, para falarmos com ela, bastava chegarmos até o muro e chamá-la. Éramos realmente muito próximos: meus pais, com seus cinco filhos, e ela e o marido, com seus seis. As idades (dos filhos, que eram tantos) regulavam umas com as outras. Ou seja, eu era amiga das duas filhas menores, minha irmã do meio dava-se bem com a filha do meio e minhas duas irmãs e meu irmão mais velhos gostavam de conversar com os filhos mais velhos dela.
Desde que eu nasci eu a tive como vizinha. Não me lembro de um dia sequer em que nós precisamos e não a encontramos. É claro, nós, crianças, tínhamos as nossas brigas. Mas logo ficava tudo bem.
Dona Aldair tinha seus agregados esporádicos. Caridosa, viva recolhendo pessoas em sua casa, que ela colocava para dormir no sótão.
O sótão era grande, escuro e empoeirado, cheio de coisas misteriosas, antigas, e também de retalhos coloridos que às vezes pegávamos para fazer vestidos de boneca (dona Aldair era costureira). Eu e minha irmã adorávamos quando ela precisava sair e pedia que minha mãe olhasse as duas meninas mais novas, pois nós íamos para a casa dela, que era a única vizinha nas redondezas que tinha um telefone naquela época, e ficávamos passando trotes e brincando de assombração.
Um dos agregados de D. Aldair foi um rapaz mudo, chamado Carlos. Ele apareceu do nada, e através de seus "Ahhs e Hãns" deu a entender que estava com fome e não tinha lugar para passar a noite. Claro, Dona Aldair acolheu-o em sua casa e deu-lhe morada no sótão. Em troca, ele varria o chão, lavava a cozinha e consertava o telhado. Nas horas vagas, Carlos lia gibis. Tinha pilhas deles.
Minha irmã logo se entendeu com ele, e conseguiu comunicar-se o suficiente (cada um do seu lado do muro) para descobrir algumas coisas interessantes; por exemplo, Carlos não tinha pai. Os dois eram da mesma idade. Os dois eram fãs do Pato Donald.
Carlos era geralmente alegre e engraçado, a não ser em uma ocasião: Roberto Carlos 'bombava' naquele tempo, e tanto minhas irmãs quanto as filhas de D. Aldair tinham muitos discos de vinil do Roberto. Toda vez que alguém tocava a música "Traumas", Carlos chorava.
Eis o que me lembro da letra, embora não tenha certeza que esteja correta, afinal, eu tinha uns seis anos naquele tempo:
"Meu pai um dia me falou
Pra que eu nunca mentisse
Mas ele também se esqueceu
De me dizer a verdade
Da realidade do mundo
Que eu ia saber
Nos traumas que a gente só sente
Depois de crescer.
Falou dos anjos que eu conheci,
Do delírio da febre que ardia
No meu pequeno corpo que sofria
Sem nada entender.
Minha mulher em certa noite
Ao ver meu sono estremecido
Falou que os pesadelos são
Algum problema adormecido.
Durante o dia a gente tenta com um sorriso disfarçar
Alguma coisa que na alma
Conseguimos sufocar.
Meu pai tentou encher de fantasia
E enfeitar as coisas que eu via
Mas aqueles anjos agora já se foram depois que cresci.
Na minha infância agora tão distante
Aqueles anjos no tempo eu perdi.
Meu pai sentia o que eu sinto agora depois que cresci.
Agora eu sei o que meu pai
Queria me esconder
às vezes as mentiras
Também ajudam a viver.
Talvez um dia pro meu filho
Eu também tenha que mentir
Pra enfeitar os caminhos
Que ele um dia vai seguir..."

Nós, cruéis como toda criança, gostávamos de cantar as primeiras estrofes, só para ver o Carlos chorar.
Um dia, Dona Aldair descobriu que Carlos não era mudo, e que fugira de casa. Seu pai não tinha morrido. Ele tinha inventado aquela estória toda, talvez para para ajudar a si mesmo a viver, como dizia a música, enfeitando seus caminhos. Quem sabe, a verdadeira estória de sua vida fosse muito mais triste...
Logo, Carlos estava tagarelando normalmente. Assim como veio, ele sumiu um dia, carregando consigo seus gibis e seus traumas, e nunca mais voltou.









À Noite










À noite



À noite,
Quando vagam os espíritos
Pela casa silenciosa,
Sinto-me em paz.
Nada têm a me dizer,
Apenas observam,
E nunca me condenam.

Sinto sua presença esvoaçante
De pura transparência suave
A roçar minha alma.
nada temos a dizer,
Apenas nos sentimos
E, sobrepostos,
Convivemos.

À noite,
Quando bebo de mim mesma
Até a embriaguez
Me reconheço,
E sei que não careço
Nem de ti, nem de ninguém.
Amém!


**

Mínimos Poemas









Trança

A trança dos cabelos
Da bela jovem
Desciam pelos seus ombros,
Pesava-lhe o futuro.

_ o_ o _


Um cão

Um cão cheirava o ar,
Como a entrever presságios
O pelo arrepiava,
Um uivo se preparava...

_o_o_


Sonhos

Matéria esgarçada,
Tão frágil, tão pó,
A dos meus sonhos!...

_o_o_


Confidências

Contei-lhe um segredo,
Soprei-o até seus ouvidos...
Mas o vento, que me ouvia escondido,
Espalhou-o.

_o_o_








O que nos Aguarda?






Dormi mal... fruto dos muitos chocolates que ingeri ontem e nos dias que antecederam a Páscoa. Para completar o quadro, acordei às quatro da manhã com minha cadelinha chorando na porta da sala. Levantei-me para ver como estava, e ela andava de um lado para o outro, aflita, choramingando sem parar. Apertei os seus ouvidos, tentando identificar alguma dor, e com algodão embebido em álcool, limpei-os, mas não achei nada de anormal. Dor de ouvido descartada, fui verificar o canil; será que tinha algum bicho por lá? Negativo... Apalpei-lhe as costas. Nenhuma marca ou calombo que indicasse picada de algum inseto ou aracnídeo. Acho que ela pode ter tido um pesadelo... estava muito nervosa, respiração ofegante, andando de um lado para o outro.


Bem, fiz-lhe um pouco de companhia, dei-lhe leite morno para beber e ela se acalmou. Voltei para a cama às cinco da manhã, e levantei-me às seis. Verifiquei meus emails, e daqui a pouco, estarei preparando minha primeira aula do dia.


Pelo menos, isto é o que planejo fazer, porque, na verdade, não sei o que me aguarda. Você sabe? 

Lidar com a imprevisibilidade da vida nem sempre é agradável. Planejei dormir uma boa noite de sono, e não pude. Claro, em parte, por consequência de meus próprios atos. Há muito, decidi que fazer planos muito rígidos é o mesmo que submeter-se à constantes frustrações. Planos devem ser traçados, mas sempre com certa abertura, e compreensão de que, nem sempre, aquilo que planejamos se dará como queremos. A vida pode nos surpreender logo ali, ao virarmos a esquina.


Lembro-me de algumas vezes em que aquilo que eu planejei, tomou caminhos completamente diferentes, e do quanto eu me lamentei, na época. Para logo depois, compreender que, se as coisas tivessem saído exatamente como eu tinha planejado, teriam sido um desastre... a vida e sua imprevisibilidade me salvaram de mim mesma.

Por isso mesmo, por pior que sejam as coisas, acho que é sempre bom acreditar em uma sabedoria maior, que nos guia no caminho certo sempre que o permitirmos.



sábado, 7 de abril de 2012

Não Ser Amado







Não ser amado

Não ser amado é a mais profunda agonia
De um coração que está sozinho a ruir.
Não ser amado é como não existir.

Não ser amado é ser qual planta num vaso,
Sem ser regada, sem perfumar, sem florir.
Não ser amado é como não existir.

Não ser amado é ser mendigo na noite
Que estende a mão em um inútil pedir.
Não ser amado é como não existir.

Não ser amado é estar diante do nada,
Tornar-se mudo, não desejar, não sorrir.
Não ser amado é como não existir.

Não ser amado é ser um féretro só,
Que é sepultado sem que rezem por si.
Não ser amado é como não existir.



Minha Mãe, Velhinha!








MINHA MÃE, VELHINHA!


Ninguém fica pra semente,
Mas sempre é surpreendente
A meneira como a velhice
Se esconde, atrás da gente,
E não mais que de repente,
Pula bem na nossa frente!

Minha mãe está velhinha,
E nos olha, entre as ruguinhas,
E algumas dores recentes...

Sob as roupas coloridas,
Pulserinhas e colares,
Cabelo penteadinho
E perfume de alfazema,
A minha mãe entra em cena.

Não quer saber de doutores,
E nem de tomar remédios...
A memória, já falhando,
Lembra sempre as coisas boas,
Mas também se esquece, à toa!

Quanto tempo 'inda lhe resta
Para que ela permaneça
Nesta vida, nesta festa?

A idade não é nada,
Pois existe muita gente
Que à flor da vida, é levada!

E quem sabe, eu possa ir antes,
E ela ainda permaneça
Por aqui, por muito tempo?

A resposta?
Está no vento...



CAMINHADA








Eu caminho pela estrada
Com o sol sobre meus ombros,
O vento entre meus cabelos
Na rua, carros passando.

Pessoas cruzam o caminho
Que faço, sem me notarem...
Cada qual com seus problemas,
Compromissos e dilemas...

Eu caminho distraída,
Mas sempre presto atenção
Na beleza que goteja
Por sobre o meu coração:

Árvores, pássaros, flores,
Casas, vento, uma canção
Que sai por uma janela
entreaberta; um violão!

Eu caminho sempre em frente,
Nunca olho para trás!
Acolhendo cada curva
E a surpresa que ela traz.

O poeta sempre enxerga
Muito além do que se vê,
Desvendando novidades
Dentro da mesma paisagem.



A rosa não mora mais aqui







Imagem deixada em um jardim,
Mancha de cor
Que aos poucos, se vai,
Deixando de si
Um perfume
Que se esvai...

Nem um som,
A não ser o das asas das borboletas,
A não ser
O beijo do vento
Que ela recebe
E deixa ir...

Uma mancha de cor,
Um perfume suave
Que, ao chegar,
Já cheira a adeus...

Não venha amanhã, venha já!
Vem olhar a rosa,
Pois ela já quer se desfolhar!
Vem olhar a rosa,
Esquece a lida,
Esquece a prosa,
Vem colher poesia
De suas pétalas macias!...Porque... depois,

A rosa não mora mais aqui,
Ela se foi para sempre,
Embora nos deixe as sementes...




A Platéia






O ator foi afastado de seu palco, e de seu público. Levado a um pequeno teatro no interior do país, em uma cidadezinha que nem estava no mapa, toda noite ele representava para um pequeno grupo de pessoas. Não havia fotógrafos, não havia notas nos jornais, e nem fãs enfileirados à porta do camarim ao final do espetáculo. Nem mesmo havia flores!

No começo, ele sentiu muitas saudades do seu público, que o aplaudia de pé ao final de cada representação, ovacionando-o durante muito tempo e jogando-lhe flores aos pés. Ele sentiu saudades da profusão de flashes que pipocavam na platéia, dos seguranças que o ajudavam a deixar o teatro e até mesmo das críticas - favoráveis ou não - nas manhãs seguinte às das estréias.

O ator, acostumado que estava à fama, custou a habituar-se àquela pequena platéia que o assistia, em silêncio, todas as noites. Seu ego, deixado na penumbra, revoltou-se. O ator passou a beber mais que de costume, e tornou-se uma pessoa amarga.

Até que um dia, teve, em seu camarim, a visita de uma jovem. Recebeu-a com alegria, achando que, finalmente, voltara a ser devidamente apreciado. Achou que, provávelmente, a moça queria seu autógrafo, ou uma fotografia sua. Talvez até desejasse passar uma noite com ele... e ela não era nada feia! Assim, convidou-a para entrar.

A moça olhou em volta, agradecendo, e sentou-se. 

"Bem," - perguntou o ator - "Como posso ajudá-la? Deseja um autógrafo? Uma foto?"

Ela pareceu surpresa: "Não... por que eu desejaria o nome de alguém escrito em um pedaço de papel? E por que uma foto sua, se mal o conheço?"

O ator pareceu ofendido, e respondeu bruscamente:

"Ora, então, diga logo o que quer e saia, pois sou muito ocupado."

Ela respondeu: "Vim aqui dizer que sua atuação esta noite foi uma das piores que já vi! Você vem a este palco todas as noites, e parece pensar que nós não merecemos o seu melhor. Será porque somos uma platéia pequena?"

"Como assim, como você se atreve a vir aqui ofender-me? Não sabe que sou o maior ator do país? Vocês deveriam tratar-me melhor, deveriam agradecer-me por estar aqui, passando esta temporada!"

"Um ator que faz distinção entre suas platéias não merece reconhecimento. Pensa que não percebemos o pouco caso na sua atuação?"

O ator ficou perplexo. Caiu em si. Era verdade! Ele vinha dando de si bem menos do que geralmente dava ao seu público em grandes cidades, apenas porque aquelas pessoas estavam em menor número e moravam em uma cidade pequena. Ele desculpou-se com a moça, e agradecendo-lhe, prometeu que faria melhor dali em diante.

Na noite seguinte, ele representou com todo o fervor de que foi capaz. Arrancou aplausos da pequena platéia, que ao final do espetáculo, apladiu-o de pé. 

Compreendeu que não importa onde estejamos, devemos fazer o nosso melhor sempre. Não pelos aplausos - que são apenas uma consequência de um trabalho bem feito - mas em respeito ao trabalho em si. Aquilo que fazemos deve ser feito pelo ato, pela realização que nos proporciona, e não por causa das opiniões alheias a respeito do que fazemos. O prazer desfrutado durante a execução de um trabalho é o que mais importa. Pois quem não ama seu trabalho e não o executa com gratidão, alegria e dedicação, esteja aonde estiver, não merece reconhecimento.



sexta-feira, 6 de abril de 2012

haikais








haikais -


Cheiro de musgo
Vem da terra molhada
Doce umidade



Rio que corre
Libélulas imensas
Matando a sede



Um raio de sol
Transpassando as folhagens
Das verdes copas



Cigarras cantam
No escuro da floresta
Tarde que morre




















Hortências azuis
Olhavam-se no espelho
Riam no vidro.


Do azul do céu
Serviam-se as hortências
Sem cerimonias...


Cachos de flores
Quais manchas azuladas
Em tons degradé











GAIA





Sentada na grama, pensei ouvir vozes.
E não era o murmúrio do vento,
Nem o cantar dos passarinhos.
De repente, o mundo fez silêncio,
E percebi que as vozes
Vinham da terra, 
Vinham do solo.

E ela dizia que estava cansada,
E que preparava-se para adormecer
Um longo, longo sono,
Para então voltar a despertar.
Disse também, que enquanto dormisse,
Apagaria a luz do sol e das estrelas,
Silenciando todas as criaturas vivas
Para que seu sono pudesse ser profundo.

Ao ver-me assustada, a terra sorriu,
E lembrou-me que ela voltaria a despertar,
Chamando de volta todos os seus filhos
Que ela tivesse posto a dormir
Cobrindo-os com camadas de terra e ondas do mar,
Um dia...



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Wyna, Daqui a Três Estrelas

Este é um post para divulgação do livro de Gabriele Sapio - Wyna, Daqui a Três Estrelas. Trata-se de uma história de ficção científica, cuj...