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sábado, 24 de fevereiro de 2018

Melancolia – ou Canções do Medo

imagem obtida da minha melancolia




Melancolia – ou Canções do Medo

As pessoas fogem da melancolia de maneira compulsiva. Ninguém quer ficar sozinho. Ninguém quer escutar música clássica. Ninguém quer se lembrar de coisas tristes, pessoas que já se foram, momentos difíceis. Talvez seja por isso que esteja surgindo tanta música barulhenta e infernal nos dias de hoje: medo. As pessoas precisam de barulho para que não tenham que ouvir a si mesmas. E a música barulhenta de hoje é bem diferente da música barulhenta de anos atrás, pois o rock tinha um contexto, uma história, e letras significativas – na sua maioria. Algumas destas letras eram bem melancólicas, como “Love Hurts”, do Nazareth, “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin e “Bohemian Rapsody”, do Queen. Mas as letras de hoje, gritadas a plenos pulmões por pessoas que jamais poderiam ter se tornado cantores, só servem para acompanhar  a mesma batida, que se faz presente em quase noventa por cento das canções. E elas não tem qualquer significado, e seu único objetivo é fazer barulho para matar qualquer possibilidade de silêncio. Eu as chamo de “Canções do Medo.”

Obrigada a tirar férias forçadas devido a uma conjuntivite que se agravou, eu passei uma semana inteirinha sozinha em casa, em dias chuvosos e atipicamente frios de verão. Quase não pude ir lá para fora. Nas poucas vezes em que pude curtir um pouco o meu jardim, o céu estava encoberto e havia chuva intermitente. Nada mais melancólico, e eu adoro.





Pude me sentar na minha cadeira de balanço, que fica na varanda, junto à porta de entrada da casa – local onde geralmente não tenho muito tempo de me sentar. E de lá, enquanto eu escutava chuva e passarinhos e observava meus cães brincando ali perto na grama, o pensamento começou a tornar-se autossuficiente, indo por caminhos que eu geralmente tento bloquear. E eu me lembrei de outras coisas, outras pessoas e outros tempos. Algumas dessas pessoas não estão mais aqui, o que me trouxe melancolia, mas notei que lembrar-me delas foi quase como tê-las aqui em minha casa, me visitando. Foi bom. E o medo da tristeza que me acomete quando eu penso nelas, cedeu espaço à memórias agradáveis, momentos tão felizes dos quais eu quase me esquecera devido ao meu esforço de não pensar mais em coisas tristes. Fatos e pessoas dos quais a gente tem mais saudades, são justamente os melhores, os que realmente valem a pena lembrar. 

À noite, começou a chover forte; escolhi uma playlist de músicas clássicas no aplicativo, acendi um único abajur, fechei as cortinas e deitei-me no sofá da sala. A música estava tocando bem baixinho, e eu podia ouvir os relógios da casa funcionando. Há tanto tempo eu não sentia a casa tão minha! Eu costumo ter o hábito de falar com a minha casa, andar por ela – principalmente bem cedo pela manhã ou no final da tarde – e observar, sentir as energias, mudar coisas de lugar, acender incensos. Faço o que ela me pede. E ontem, ela me pediu para ficar quieta. Obedecê-la foi uma das melhores coisas que me aconteceram neste início de ano. 




Porque tem coisas que a gente evita pensar. Atitudes que a gente ignora, porque não existem respostas para elas. As pessoas se transformam, e de repente, estamos diante de pessoas totalmente estranhas. Mas ontem eu percebi que eu também mudei, e que talvez estas pessoas estejam pensando o mesmo ao meu respeito! Não significa que deixamos de ser amados, ou de amar – mas que entramos em sintonias diferentes, e seguimos por caminhos diferentes que precisam ser seguidos. Nessas horas, é preciso soltar as amarras, deixar o barco ir e o mar nos levar para onde ele quiser. 

Mas as canções do medo que tocamos fazem com que nós evitemos perceber tais sutilezas da vida. E assim, acabamos impondo a nossa presença em lugares que já não fazem mais sentido (e onde talvez nem sejamos mais bem-vindos), seja para nós ou para as pessoas que neles estão. Nós nos tornamos invasores da vida alheia. Ontem, o silêncio da casa e meus olhos fechados – com o auxílio luxuoso da música clássica – me fizeram chegar a conclusões essenciais para a minha vida. Aprendi que cada um acredita naquilo que quer, e interpreta a vida e os acontecimentos segundo a maneira como seus silêncios e ruídos lhes chegam – segundo aquilo em que eles estão prontos a perceber. 




A melancolia desses momentos jamais deveria ser evitada. As palavras que crescemos acreditando terem conotações negativas – como desilusão, solidão, despedida, tristeza e melancolia – são justamente as que mais nos trazem aprendizado. Através da aceitação e vivência daquilo que estas palavras representam, aprendemos que a pessoa mais difícil, aquela sobre quem mais deveríamos  aprender e suportar a convivência, somos nós mesmos. E quando assimilamos estas coisas, descobrimos que estar na própria companhia pode ser a mais agradável das companhias. 






9 comentários:

  1. Bom dia amiga Ana, estimo que melhores da conjuntivite!
    A melancolia algumas vezes nos pegam a todos, eu não fico por muito tempo nela, assim como você, de vez em quando até é bom, faz bem!
    Cresci ouvindo músicas clássicas, meu pai adorava, ainda tenho um toca discos, e os discos de vinil, os antigos, não os ouço mais, mas não me desfaço deles!
    O blogue aqui está lindo e aqui em Sampa também anda meio friozinho, parece que verão se vai e nem sequer deu as caras,rsrs!
    Enfim...
    Vamos indo, a vida é linda, apesar de todas as experiências!
    Abraços apertados!

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  2. É aquela coisa o pensamento positivo, do pensar melhor, em coisas boas, de fazer ações que promovam o estado de espírito em calmaria, o escrever, o ouvir canção, o ler, o observar e estar em natureza!

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  3. Jamais evitei, jamais evitarei a melancolia. Talvez sejam os momentos mais ricos de nossas vidas. Adoro o silêncio, o estar só comigo, o pensar, o refletir. Adoro ouvir música clássica e me entregar aos seus acordes e permitir que ele abram o meu ser para que eu o compreenda melhor.
    Pena que no mundo de hoje poucos têm a coragem de ouvir sua voz interior. Por isto precisam do barulho.

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  4. Bonito texto. Parabéns. Adoro momentos a sós comigo mesma :))

    Hoje:- O acordar da quimera
    .
    Bjos

    Votos de Sábado muito feliz.

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  5. "As pessoas precisam de barulho para que não tenham que ouvir a si mesmas." Frase profunda e cheia de verdade: às vezes precisamos de um momento sozinhos, não se deve confundir com melancolia, é apenas um momento de reflexão. Adorei o texto, muito reflexivo e esclarecedor.
    Tenha um ótimo fim de semana.

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  6. Como podemos ser o nosso inimigo nº 1, podemos também ser o nosso amigo nº 1. Tudo depende de nossa mente, de nossa vontade e de nosso estado de espírito. Artur da Távola dizia "quem tem vida interior, jamais padecerá de solidão".
    Hoje as pessoas têm medo de ficarem sozinhas. Não sabem o que fazer com elas mesmas.
    Um ótimo domingo, Ana.

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  7. O barulho. As canções do medo que são só ruído. Tudo isso leva a que as pessoas não parem para pensar. Compreendo o que sentiu na casa que achou mais sua que nunca porque fez uma excelente companhia a si mesma, com fotografias, com memórias, com os sons da Natureza, com a música que gosta de escutar. Muito bom, o seu texto.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  8. Mudam-se os tempos, mudam-se as melancolias. Tudo tem o seu próprio tempo.
    .
    * É o teu coração um poema sem rima *
    .
    Deixo um abraço

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  9. Ana, adorei sua melancolia, seu encontrar-se com sua casa, seus animais e a natureza. À medida em que ia te lendo, algo em mim se transformava, a vontade de ficar só e melancólica para ver a beleza que me cerca, mas os atropelos do trabalho não me deixa contemplar. Essas músicas da atualidade não me atraem, não me dizem nada, prefiro, como você, as clássicas, as românticas, enfim, as que me dizem algo de construtivo.
    Beijos no seu coração!

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