witch lady

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segunda-feira, 23 de julho de 2012

A Pena





Aquele que diz: "Tenho pena,"
Muitas vezes, quer mostrar
Sua 'superioridade...'
Ninguém há de sentir pena
Daqueles a quem admira,
Ama, ou considera dignos
De ter entre os seus afetos...

A tua 'pena,' eu dispenso,
Nem tenho pena de ti...
Pois a pena que tu sentes,
Talvez seja o sentimento
(O único sentimento)
Que há de brotar de ti...

Fiques tu, com tua pena ( malogro de piedade)
E eu fico com a minha pena (minha palavra, verdade).

Aos Olhos do Observador-Conto




Dois amigos passeavam pelo jardim da casa de um deles - mais favorecido pelas posses. Este último tinha convidado o primeiro para visitá-lo, pois sentia-se vazio e infeliz, e necessitava de alguém com quem conversar. Vamos chamá-los de Zé (o mais feliz) e Chico (o infeliz).

Enquanto Zé caminhava pelo jardim, reparava na beleza das árvores: seu amigo tinha plantadas várias fruteiras: goiabeiras, pitangueiras, limoeiros, laranjeiras, jabuticabeiras, pessegueiros e ameixeiras, onde pousavam passarinhos de todas as cores, cantando felizes. Algumas frutas maduras tinham caído no chão e permaneciam sob as copas das árvores, e alguns esquilos alimentavam-se delas. Logo, Chico reclamou:

"Não sei mais o que faço para acabar com esses pássaros malditos! Comem todas as frutas!"

O amigo Zé percebeu, mas ficou calado,  que se não fossem pelos pássaros, as frutas apenas apodreceriam nas fruteiras, pois o amigo não as colheria jamais.

Passaram por um lindo córrego, pequeno, mas que dava ao jardim um ar de beleza e frescor, além de emitir um ruído reconfortante. Zé achou aquilo maravilhoso, mas Chico observou com amargura:

"Estou pensando em mandar aterrar este riacho. O barulho me incomoda durante a noite."

Enquanto caminhavam, eram seguidos de perto por Bibo, o cão vira-latas de Chico. O animalzinho cheirava as moitas, corria, brincava e pulava; de vez em quando, trazia um galho seco, que Chico jogava para ele, que saía correndo e latindo atrás do galho, trazendo-no de volta para que Chico o jogasse novamente. De repente, Chico bradou com impaciência:

"Sai daqui, animal estúpido! Deixe-me em paz!"

O animalzinho assustou-se, e saiu correndo com a cauda entre as pernas, indo esconder-se sob uma moita. Penalizado, Zé entendeu que provávelmente, Bibo estava acostumado àquele tipo de tratamento, pois parou de seguí-los.

Finalmente, o passeio terminou na varanda, onde havia uma rede, duas cadeiras confortáveis e uma jarra de refresco de frutas esperando por eles em uma mesinha. Após servir-se de um copo, Zé falou:

"Você tem um belo espaço aqui, Chico! Uma beleza só... árvores de frutas, flores, passarinhos, um cão... e até um riacho! Luxo só!...

Suspirando fundo, Chico respondeu:

"Quer saber? Comprei este espaço para fugir da vida agitada da cidade grande, onde não aguentava mais viver. Tanta poluição e barulho, competição... mas acho que me decepcionei, não consigo ser feliz aqui, assim como não era feliz por lá. Minha mulher finalmente me deixou, levando os meninos, e fico aqui sozinho o tempo todo."

Desejando animar o amigo, mas sabendo que qualquer coisa que dissesse poderia ser inútil, Zé pensou bem antes de falar. Depois, tomando um gole de suco e olhando em volta, para a beleza do lugar, ele disse:

"Amigo, me desculpe, mas se você não é feliz aqui, não será em lugar nenhum! Olhe só em volta, tanta beleza e riqueza... sabe, eu acho que o que lhe falta, é deitar naquela rede ali, que está balançando sozinha pelo vento desde que cheguei... e de lá, observar o que você tem, e dar mais valor, ser mais grato por tudo. E ter paciência com as pessoas, pois você sempre foi tão 'estourado,' que acabou afastando todo mundo."

Chico olhou para o amigo,  pensando no quanto aquelas palavras eram simplórias... só mesmo o Zé para ter um pensamento tão bobo! Mesmo assim, sabia que ele estava tentando ajudar. Para agradá-lo, foi até a rede e deitou-se - algo que nunca tinha feito antes. E não é que a paisagem de lá era mesmo bonita?

De mansinho, Bibo foi se aproximando, e deitou sob a rede. O dono começou a acariciá-lo. O 'barulho' do rio tornou-se bem mais agradável, até que virou  um ruído relaxante e delicioso. Dali ele podia enxergar os passarinhos, e começou uma conversa com o amigo, na qual ambos, lembrando os tempos de infância em que brincavam perto de uma mata, começaram a identificar algumas espécies.

No final da tarde, Chico estava com as mãos sujas de terra - passaram algumas horas capinando canteiros e replantando mudas de flores - suado, e sentindo-se revigorado pelo trabalho. Além de tudo, sentia por dentro uma sensação que nunca tivera: a felicidade.

Descobriu-a dentro dele, ao deitar-se naquela rede.

sábado, 21 de julho de 2012

Meu Desejo




Do que há de vir, desejo a cura,
Não apenas da doença que nos ronda,
Mas também do medo de enfrentá-la,
De sentar-nos à mesa e comermos com ela, 
Tentando, mesmo assim, não encará-la, 
E de, todas as noites, tê-la à cabeceira
Como nossa guardiã e companheira.

Do que há de vir, desejo a cura,
Daquilo que a causou, que está em nós
E que se fez raiz desta loucura
Que provocamos, através do que pensamos
E que hoje paira sobre nós
Como uma sombra que aguarda
E que nos guarda a dor que choraremos.

Do que há de vir, só quero a cura,
Mesmo sabendo que ela pode nos ser cara,
E que o caminho a percorrer será escuro,
Que entre mim e o que desejo, existe um muro
Que só os que tem muito amor e fé
Tem também a esperança e a força necessárias
Para, total e definitivamente, derrubar...

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Flecha





Amarrei forte
O sonho à flecha;
Lancei no ar...

Raios de sol
A colorir,
A iluminar!...

E o que me importa,
Não é o alvo,
Mas o sonhar!

Pus um pedaço
Do coração
Neste lançar!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

ACIMA





Voava a imensa águia,
Acima dos pensamentos,
Colecionando momentos...
Asas abertas,
Olhos atentos...

Voava acima do que paira
Sobre esse mundo de cimento,
Ia nas asas do vento,
Penas ao sol...

Voava a imensa águia,
Pássaro nobre,
Pousava sobre o gelo azul,
E a paisagem...

Vivia sua liberdade,
Depois pousava,
Sobre o braço forte
Que alguém lhe esticava!

Sempre voltava!

O Sapo Insólito - conto





















O SAPO INSÓLITO





Quando mudou-se para aquela velha casinha com seus dois filhos, logo pós o divórcio, Joana ainda vivia um clima de final de festa, tendo na boca um gosto de ressaca por ter terminado um casamento ruim que durara mais de dez anos e ao mesmo tempo que a aventura de uma nova vida a excitava, deixava-a insegura.



Tudo era novo: o divórcio, a mudança para a velha casinha em um bairro afastado do centro, o novo emprego, a escola nova das crianças. Muitos sonhos a sonhar, enquanto outros ainda agonizavam no caldo dos últimos acontecimentos.


Foi Bruno, seu filho de sete anos, quem primeiro notou a grande pedra coberta de hera que ficava logo na entrada do jardinzinho, junto ao portão. Logo subiu nela, empunhando sua espada de plástico, tomando conta do território. Passou a explorar seus arredores, e percebeu que, em um dos cantos, havia uma profunda grota, que levava para dentro de um túnel com uma pequena abertura. Mas Joana estava ocupada demais com a arrumação do novo lar para dar-lhe atenção. Mariana, sua filha de dez anos, pegou a mangueira do jardim- que media doze metros - e começou a introduzi-la no túnel, para saber qual a profundidade.


Pelo menos dez metros de mangueira penetraram a escuridão sob a pedra.


Assustada com a possibilidade de um morador perigoso, como uma serpente, por exemplo, Joana proibiu que as crianças voltassem a brincar nas proximidades da pedra.


E foi naquela noite, enquanto trabalhava na cozinha, portas abertas devido ao calor, que ela teve a impressão de estar sendo observada. Era muito forte a impressão, e ela ergueu a cabeça, olhando em volta. Percebeu, com o canto dos olhos, que uma forma escurecida fazia-lhe companhia: um enorme sapo-boi!


Eles se olharam por alguns instantes, e ela decidiu que deveria colocá-lo para fora de casa. Com uma vassoura e muito cuidado, pois não queria ferí-lo, empurrou-o porta afora. Achou que talvez fosse ele o morador da caverna misteriosa.


Dias depois, enquanto pendurava a roupa no varal, lá estava ele novamente, a observá-la de um canto do jardim. Joana percebeu que ele tinha um estranho olhar, quase inteligente, que a examinava descaradamente, parecendo ler tudo o que se passava dentro dela. Ajoelhou-se em frente a ele, enxugando as mãos nos jeans. Passou a observá-lo com mais cuidado. Ele nem se mexeu devolvendo-lhe o olhar, a garganta inflando levemente. Ela estendeu uma das mãos para tocá-lo, movida por uma mórbida curiosidade, e nem assim, ele se moveu.


Ela sentiu sua pele áspera sob os dedos. Havia uma pegajosa humidade. Ele parecia estar gostando da carícia, pois fechou os olhos. De repente, Joana pareceu voltar a si, e achou-se ridícula! O que as crianças iriam pensar, se a vissem naquela situação? Achou que estava carente demais... imagine só! Acariciar um sapo!


Uma semana depois, durante uma tempestade, Joana preparava-se para entrar no chuveiro, quando, ao tirar a camiseta suada, percebeu que a jogara sobre alguma coisa escura que estava no chão do banheiro. Rezando para que não fosse uma aranha, apanhou a camiseta com a ponta dos dedos, e lá estava ele novamente: seu admirador sapo!


Ela entrou no chuveiro e, de repente, sentiu ímpetos de exibir-se para o seu batráquio admirador, ensaboando-se de maneira sensual, como se estivesse fazendo um comercial de sabonete. O sapo não tirava os olhos gulosos dela. Joana começou a achar aquilo tudo muito estranho, pois pela primeira vez desde seu divórcio, era acometida por desejos sexuais.

 Espantando aqueles absurdos pensamentos libidinosos, ela desligou o chuveiro e passou a enxugar-se. Foi quando ouviu uma voz masculina e quente, que a fez dar um pequeno salto:

 -Você é muito bonita!

 -Quem está aí?


Lá fora,a chuva era torrencial, e ela pensou que poderia ter ouvido o som da TV que as crianças assistiam. Mas a voz respondeu-lhe:

 -Sou eu, o sapo.

 Joana olhou para ele, que estava calmamente sentado sobre a tampa do vaso sanitário, terminando de engolir um pequeno besouro.


-Você... fala?!

 -Mas é claro! Por que a surpresa?

 -Ora você é um... é um...
-Sapo? Não tenha tanta certeza!

Joana passou a cobrir-se com a toalha, pudicamente.


-Bem, então o que é você?

 -Sua mãe nunca contou-lhe histórias quando você era pequena? Eu sou um príncipe encantado!

 -Como assim?! Acho que eu estou ficando maluca...
- Pense o que quiser... mas acho que você deveria considerar bem uma proposta que vou fazer a você!

-Qual?


Ele pulou para o chão, e foi aninhar-se junto aos pés dela. Pediu-lhe que se ajoelhasse junto dele, para ouvi-lo melhor.

 -Beije-me!

 Joana não acreditava no que estava ouvindo.

 -O que?! Você está maluco?

-Ora, até pouco tempo, você é quem tinha enlouquecido... seja mais crédula! Beije-me, e eu me transformarei em um príncipe encantado que viverá ao seu lado para todo sempre.


Ela considerou a idéia. Ficou de pé, e começou a caminhar ao redor dele.

 - E o que eu ganho com isso?

-Segurança financeira. Afinal, eu sou um príncipe! E é claro, noites de volúpia inesquecíveis, escola particular para suas crianças, muitas festas e bailes na corte, e...

 -Mas para ter tudo isso, basta que eu o beije?

-Bem... não é só isso... tem uma outra coisa!

-E o que seria esta 'outra coisa?'

Ele respondeu:


-Não posso ser um príncipe o tempo todo... posso viver como príncipe durante uma semana, e como sapo uma outra, alternadamente.


-Mas se é só isso, por mim, está tudo bem!


-Bem, eu ainda não terminei: quando eu for sapo, você será uma rã. Mas é só por uma semana, alternadamente, como eu já disse...


Diante daquela proposta, Joana pediu-lhe um tempo para pensar melhor.

 Continuou com sua vida, agindo como se nada tivesse acontecido. Ela gostava da liberdade que adquirira após o divórcio. Gostava do novo emprego e dos novos amigos que fizera. Quando pensava em relacionamentos sérios, ainda sentia que não os desejava... queria gozar um pouco mais de sua liberdade.

 Mas sabia que, caso sua vida tomasse um rumo realmente desencantador, tinha sempre a alternativa de beijar o sapo...
 
 
 


 

O Tempo é a Alma da Vida





A vida passa,
Envelhecemos,
E quando pensamos
Que o tempo  passou,
Que perdemos tempo,
Ele nos abraça, nos envolve,
Nos recebe em seu castelo
E nos mostra
Que nós não passamos,
Pois ele é alma,
E como alma, é eterno...

O tempo enrodilha-se
Em volta da vida
E recolhe as coisas,
Todas as coisas...
Ele apaga,
Ele eterniza...
Ele fere,
Ele cura...
Ele envelhece,
Ele rejuvenesce
E nos devolve ao ponto de partida.

Porque o tempo,
O tempo é a alma da vida!

Por que te Amo?







Acordar todos os dias,

E saber que ontem,

Alguém me amou...
Viver, da vida, as ilusões
E vê-las mudarem-se
Em desilusões
Mas saber que ontem,
Alguém me amou...



E me ama hoje,

E há de amar-me 

Amanhã de manhã...



Eis porque te amo!

És a certeza que eu tenho

Nesse vale de incertezas,
E sem promessas,
Sem cobranças,
Segues comigo,
Pois é assim que queres que seja!



Te amo porque me aceitas,

Mesmo quando rejeitas

Meus loucos devaneios...
Te amo, porque és o meio
O começo, e o final,
Objetivo que anseio,
E quando olho nos teus olhos,
Vejo-me em tuas pupilas...



Te amo, pois nossos vazios

Não necessitam explicações...

Pois conversamos no silêncio,
E nos calamos sem anseios
Quando não há nada a ser dito,
Apenas sentido.



Te amo porque te amo,

E nada mais é preciso...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nesse meu Tempo...




Nesse meu tempo por aqui
Aprendi muitas coisas,
Entre elas,
É que a lista das coisas que sei
É bem mais curta 
Do que a lista das coisas que não sei.

E que será sempre assim.

Valores Mineiros





Quase todo ano, meu marido e eu saímos em viagem por uma semana. Há alguns anos, decidimos que iríamos para Minas, conhecer a parte histórica. Não tínhamos nada planejado, a não ser o nosso quartel-general, que ficaria em Tiradentes, em uma pensãozinha barata que achamos na internet. Nome da pensão (acreditem ou não): Pensão Uélerson. Viajar com pouco dinheiro é assim... mas o café da manhã era muito bom, e o lugar, apesar de bem simples, era limpo. Claro, quando meu marido chegou no quarto e viu o carpete roxo, teve vontade de mudar de hotel; mas era época de Festival de Inverno, não havia vagas e tivemos que ficar lá mesmo.

Todos os dias, íamos a uma cidade diferente: Congonhas, Mariana, Ouro Preto, Ouro Branco, enfim, a maioria das cidades mais conhecidas da parte histórica de Minas. A que mais gostei, foi Ouro Preto. Lá, passamos duas noites. Passear por aquelas ladeiras é uma mágica experiência, principalmente à noite, quando a bruma desce. Tiramos tantas fotos! Fazia um frio de lascar, e aproveitamos para nos empanturrar de caldos, massas  e vinhos.

Uma das coisas que me impressionou, foi a hospitalidade do povo Mineiro. Éramos muito bem-tratados aonde quer que fôssemos. Um outro fato que aconteceu e deixou-me estupefata, foi quando ao final de uma tarde, em Tiradentes, bateu-nos uma vontade tremenda de tomar café com pão. Na padaria.

Achamos uma padaria pequenininha, sob um sobrado gracioso. Entramos, e não havia ninguém. Resolvemos esperar, e nada... a fome aumentando... reparamos que após vários minutos, ninguém aparecera, e comentamos: "Nossa... se alguém deixar uma loja sozinha por tanto tempo lá no Rio, ou até mesmo em Petrópolis, quando voltar, terá sido roubado!"

Finalmente, uma moça veio do sobradinho. Falamos com ela sobre nosso pensamento, e ela respondeu: "Ah, aqui não tem perigo não!"  E perguntou-nos há quanto tempo estávamos esperando. "Há meia hora, mais ou menos!", respondemos. E ela: "Quando for assim, pode entrar, pegar o café, passar a manteiga no pão e deixar o dinheiro no caixa!"

Era assim que as coisas funcionavam por lá.

E é assim que as coisas deveriam funcionar em qualquer lugar.

Acho que mais tarde, vou mudar para Minas.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Escolhendo Memórias







Texto escrito em janeiro de 2011, para meu sobrinho. Hoje lembrei-me muito dele...



No momento, vasculho no meio daquilo tudo que você foi e representou para mim. 


Lembro-me de que quando você nasceu, era apenas uma coisinha chorona enrolada em um cobertor, e tirou muitas noites de sono de sua mãe.  Conforme foi crescendo, tornou-se um menino às vezes um pouco nervoso, arredio, e de choro muito fácil. Tinha mania de morder os lábios inferiores, puxando-os para dentro da boca, e ficando parecido com um patinho. Às vezes a gente chegava perto de você, e só de te olhar, você já desandava a chorar... eu não gostava de tomar conta de você por causa disso. Já a sua irmã, era uma menininha tão quieta e dócil, que todo mundo adorava tê-la por perto.



Você tinha mania de gatinhar com o bumbum para cima, sem tocar o chão com os joelhos, como os bebês 'normais.' E conseguia fazê-lo a uma velocidade impressionante! Uma vez, quando você tinha uns dois anos de idade, estava concentrado nesse seu gatinhar atômico, enquanto o seu priminho menor, que estava aprendendo a andar, claudicava ali por perto. Você passava zunindo a poucos centímetros dele. Eu ralhei com você:  "Pára com isso, senão você vai acabar derrubando o bebê!"  Você olhou para mim com um olhar desafiador, e continuou. Segundos depois, você esbarrou no seu primo, derrubando-o, e ele bateu com a cabeça no fecho da porta, abrindo um pequeno rio de sangue que lhe escorreu pela testa.



Enquanto as pesoas socorriam o seu primo, eu, tomada por uma fúria cega, praticamente joguei-o sentado no sofá: "Eu não te avisei?" Você arregalou os olhos e chorou mais ainda do que seu primo!  Realmente, você era um moleque muito chato...



Você foi crescendo... lembro-me de muitos momentos tristes na história de sua vida, mas destes, eu quero esquecer-me. Ficarei com os mais alegres.



Você já foi meu aluno de Inglês. Curioso, dedicado... fazia aulas com sua prima, aos sábados de manhã. Eu adorava aquelas manhãs! Depois das aulas, a gente ia tomar o ônibus lá no Retiro, e fazíamos a caminhada de dez minutos conversando, enquanto vocês me falavam de seus planos e sonhos. Às vezes eu ficava meio-irritada quando você me interrompia a aula para fazer perguntas totalmente discrepantes, que nada tinham a ver com o assunto. Mas aquelas perguntas acabavam sempre enveredando por uma senda mais interessante do que aprender Inglês, e a conversa ia até o finalzinho da aula...



Você estudou feito um louco para conseguir entrar na Universidade Federal. Eu costumava ajudá-lo com as redações, escolhendo temas para você escrever sobre eles, e depois, corrigindo-os para você. E você conseguiu! passou, foi estudar Biologia em Campos. Foi a época mais feliz de sua vida!



Lá, você fez muitos amigos, que te acompanham até hoje, e que já deram inúmeras  provas da grande amizade que eles tem por você. No Natal, te escreveram um cartão tamanho-família, cheio de fotos e mensagens, assegurando-lhe de que estariam sempre com você. Te vi naquelas fotos, em vários momentos muito felizes de sua vida, e tive certeza de que todas as dificuldades que você passou para alcançar aquela alegria, valeram a pena.



Você sempre me disse que tudo na vida sempre foi muito difícil para você, e que cada conquista foi fruto de muito suor e superação. Mas olha, você conseguiu: Fez muitos amigos e conquistou o amor de uma louraça estonteante, e também, o respeito de todos nós; é motivo de orgulho para seus pais e sua família. Divertiu-se, subiu o Pico da Bandeira, estudou seus anfíbios, passeou, riu... acho que sua vida foi mais intensa do que a de muita gente que conheço.



Quando você descobriu a sentença que a vida tinha te reservado, todos nós nos juntamos à sua volta. Eu vi de perto cada momento, e a maneira corajosa e bem-humorada que você usou para enfrentar a todos eles. Muitas vezes, você me ligava chorando, e a gente conversava, e no final, acabávamos sempre rindo...



Lembro-me da penúltima vez que você veio me visitar com sua irmã. O dia estava lindo, e ficamos a tarde toda jogando conversa fora. Foi naquele dia que você me deixou aqueles DVDs do Foo Fighters, que eu confundi com CDs. Fui motivo de risos para você seus primos durante algum tempo!  Aquele dia foi totalmente leve e feliz... você deixou em meu computador, um vídeo seu que foi feito em Campos, quando você tocou bateria. Eu o assisto quase todos os dias. Você já estava carequinha, mas forte e cheio de vida.



Da última vez, você já estava diferente. Um pouco mais melancólico. Cansado e fraco. Depois do almoço, pediu para dormir no sofá da sala, e eu te cobri com uma manta. Você não sabe, mas naquele dia, eu fiquei te observando por muito tempo. Te desejando tudo de bom. E repetindo para mim mesma, que tudo ficaria bem.



Mas não ficou.



Quando a vida te deu a segunda martelada, lembro-me de você me ligando quase meia-noite, dizendo que ia para Goiás, visitar João de Deus em Abadiana. Partiu na manhã seguinte. Ele te mandou voltar outras vezes, mas não deu tempo. Quem sabe, Deus te concede mais algum tempo, para que você possa se recuperar o suficiente para voltar lá?



Graças a Deus, você não está consciente do que se passa. Vive em um mundinho só seu, e só Deus sabe quem está nele. Às vezes, ergue o braço e o estica para frente, tentando alcançar alguma coisa que só você vê. Ontem à noite, perguntei: "Você sabe quem eu sou?"  Você me olhou, e negando com a cabeça, a sobrancelha franzida, murmurou: "Hã-hã..."  Eu disse: "Sou a Tia Ana. Só vim aqui dizer que te amo." Você segurou minha mão. 



ADEUS, SETEMBRO! conto





Adeus, Setembro! - conto

















Era a última chuva de primavera, e ela tentava manter-se seca sob o guarda-chuva, enquanto esperava. Aquele local, que tinha sido palco de uma dolorosa despedida há um ano, fora também escolhido como o local de um promissor reencontro. Tratava-se de um parquinho infantil, desses com balanços, gangorra, muitas árvores, banquinhos onde as mães se sentavam para observar suas crianças brincando, vendedores de balões coloridos, carrocinhas de pipoca, algodão doce e música de realejo.

Mas hoje, ele estava vazio. Exceto pela presença dela, e das lembranças que desfilavam diante de seus olhos e se dissolviam nas poças d'água. A chuva caía seguindo sempre o mesmo rítmo, quase intensa, formando uma cortina entre ela e o restante da paisagem. Apesar do atraso, ela esperava.


Tinham um encontro marcado. O fato de terem se separado, há um ano, não significava o fim. Ele precisou partir por motivos além de sua vontade: fora convocado para trabalhar nas forças de paz do exército, em um país distante. No começo, trocavam cartas e e-mails apaixonados, mas cinco meses depois de sua partida, as cartas e e-mails cessaram sem aviso prévio. Dias depois, ela recebeu uma carta oficial, que dizia que ele tinha desaparecido.


Ela não se desesperou, como os outros. Sabia que ele não era homem de não cumprir as promessas que fazia. Ao despedir-se dela, jurou encontrá-la novamente naquele mesmo local, onde se separaram, e por isso, ela estava ali. Seu desejo de revê-lo era tão forte, que ela seria capaz de esperar por ele a vida toda. bastaria que houvesse um fio de esperança, apenas, bastaria que ele continuasse desaparecido. Ela esperaria. A vida toda.


Quando chegou setembro, ela pareceu encher-se de vida. Atravessar aquela primavera seria como viver a antecipação de reencontrá-lo, portanto, ela apreciou cada cor, cada flor, cada momento daquela estação. Alguns pensavam até que ela o tinha esquecido, devido a sua vivacidade. Mas ela - só ela - sabia que sua alegria era a certeza (não mais a esperança) que gritava dentro dela, que, ao final daquela estação, exatamente no último dia de primavera, ele voltaria, como tinha prometido. Dali em diante, todos os dias seriam dias de setembro.


Duas horas se passaram. A chuva foi diminuindo aos poucos, e as nuvens foram descortinando um céu alaranjado de final de tarde. Vapores começaram a subir das copas das árvores, e passarinhos cantavam, despedindo-se da primavera. Mas ela não foi embora; sentou-se em um dos bancos da pracinha, sentindo que o grito de certeza dentro dela aos poucos tornava-se um rouco murmúrio de esperança.


Foi quando ela viu surgir, do meio da névoa, uma figura masculina em um sobretudo escuro. Levantou-se, coração aos pulos, e prendeu o olhar naquela direção. Queria ter certeza. E teve: era ele! Aos poucos, ele se aproximava, parecendo mais flutuar em direção a ela do que caminhar. Ela quis correr em direção a ele, e surpresa, percebeu que seus pés estavam grudados no chão. Seria emoção?



Finalmente, ele parou diante dela. Ela podia ver a nuvem de vapor que emanava dos cabelos dele, e viu-se refletida dentro de suas pupilas. Mas quando tentou tocá-lo, não pode fazê-lo: era incapaz de erguer o braço, como se uma força a mantivesse imóvel.

 Ela ouviu - ou sentiu - o pensamento que vinha dele, em uma única palavra: "Continue." Aos poucos, ela compreendeu que ele não estava mais ali. Não fazia mais parte de seu mundo. Tinha vindo apenas cumprir uma promessa. Viu quando uma lágrima rolou no rosto dele, e sentiu que elas rolavam sobre seu rosto em profusão.


De repente, a imagem dele foi se afastando cada vez mais, até desaparecer pelo mesmo caminho de onde tinha surgido. Ela sentiu-se rodeada por um silêncio intenso, mas pouco a pouco, passou a ouvir novamente o canto dos pássaros e barulhos de carros na estrada próxima. A tarde já estava tingida por um intenso tom avermelhado, e olhando para o céu, ela avistou a primeira estrela.

 Suspirou fundo, tentando compreender o que ela tinha acabado de vivenciar. Depois, despediu-se de setembro.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Diferente







A gente tenta


Conter a emenda


Que aos poucos, abre,


E se arrebenta...


Manter a linha,


Não ter partidos,


Não se lembrar, 


Não ter contendas...






A gente tenta


Acreditar


Que o amor existe,


Nalgum lugar


Que deveria,


Mas lá não está...


Quem te amaria,


É quem te esquece,


Te ignora,


De ti, nem sabe...


E algumas horas,


Inventa histórias,


Conta bobagens,


Desata os laços


Sem cerimônias


Pois nada és


Que lhe importasse!






Só há mentiras,


Nunca houve nada


Que os unisse,


Somente mágoas,


Dores, ciúmes,


Invejas torpes,


E um desejo


De dominar,


De competir,


De superar,


E rebaixar!






A gente pensa,


E então, repensa


Que nada vale,


Que a distância


É a solução


Porque nem todos


Terão a sorte


De serem amados,


Serem queridos,


E respeitados


Dentro do seio


De onde brotaram.






E todo o amor


Oferecido


Morreu à míngua


Do ressentido,


Foi desprezado,


Ignorado,


Jogado fora,


E criticado...






A gente pensa


Que alguém, um dia,


Rirá contigo


Quando chegar


A tua vez


De se mostrar,


Vencer, brilhar...


E então, percebe


Que está sozinho,


Ninguém ficou,


Ninguém ligou,


Ou se importou...






Não houve abraços,


Ou parabéns,


Não houve passos,


Não há ninguém


Que te deseje


Um belo dia,


Ou que se agrade


Da alegria


A partilhar...






Não há lugar


Na vida deles


Pra tua vida,


Não há guarida,


Pois desde sempre


Tu foste a estranha,


A diferente,


Que não se encaixa,


Mas tu não vias


(Ou não querias),


O que estava


Te esperando


No fim do dia!






Nunca houve nada,


Tu foste apenas


Aquela que


Não se encaixava,


A diferente,


A que dizia


Coisas estranhas,


A que sentia


De forma estranha,


A que enxergava


O que ninguém


Queria ver...






A vida segue,


Não há espaços


Para lamentos,


Para teatros,


A gente tenta


Acreditar


Que há um motivo


Para isso tudo,


E até pensa


Justificar


Assumir erros


Que, desde sempre,


Não nos pertencem...






E sente culpa


Sem ter motivos,


E sente pena


De quem te odeia,


E fica achando


Que afinal,


Nós é que erramos,


Desenvolvemos


A tal da Síndrome


De Estocolmo


Pelo algoz...






Pobres de nós!


Não tem mais jeito,


Não há mais chance


Para o desfeito,


Não há mais volta


Para o que foi


Sem nunca ter


Sido, de fato,


E mesmo que


Um novo dia


Surja, do nada,


Por sobre tudo,


Haverá sempre


A noite escura


Por trás do sol,


A negra mancha


Que não sai mais,


Não tem mais jeito,


Não tem perdão!






Porque a gente


É diferente,


É esquisita,


É muito estranha,


E não se encaixa,


E não agrada


A gente é nada


Pra quem não ama


O que nós somos.

Parceiros

EU SÓ TENHO UMA FLOR

  Eu Só Tenho Uma Flor   Neste exato momento, Eu só tenho uma flor. Nada existe no mundo que seja meu. Nada é urgente. Não há ra...