Às vezes, alguém escolhe não gostar de nós. Não importa o que façamos, tal pessoa simplesmente olha para nós e decide que temos alguma coisa que as incomoda. Talvez seja a nossa maneira de andar, olhar, sentar, falar. Quem sabe, a nossa maneira de calar. Ou de respirar. Não importa: quando alguém nos escolhe como alvo, de nada adianta lutar contra isso, ou tentar reverter a situação, pois não importa o que possamos fazer, só servirá para agravar ainda mais a situação, pois será apenas mais uma anotação feita no livro do ódio dessas pessoas. Qualquer coisa que façamos ou digamos será distorcida e virará uma justificativa, diante dos outros, que a pessoa usará para continuar nos detestando.
Uma vez trabalhei com uma moça que não gostava de mim, embora eu jamais tivesse dado a ela motivos para tal. Durante uma conversa informal entre amigas, eu descobri o motivo de tanto ódio – e acreditem, a futilidade de tal motivo muito me chocou. Conversávamos sobre características físicas, uma conversa informal e bem-humorada, quando de repente ela me olhou e soltou esta pérola na frente de todo mundo, a voz trêmula de ressentimento: “Você tem peito e tem bunda. Eu queria ter esse corpo.” Bem, a moça em questão era magra e bem proporcionada, e jamais teria passado pela minha cabeça que ela me invejasse pelos meus atributos físicos que mais me incomodavam. Devido à futilidade do motivo, mais tarde eu fiz de tudo o que podia para mostrar a ela que eu era uma pessoa legal, afinal de contas, mas de nada adiantou. Ela me detestou por anos a fio, inclusive me prejudicando voluntariamente no trabalho várias vezes.
Ontem eu conversava com alguém e ela começou a falar sobre o ressentimento que algumas sogras guardam a respeito de suas noras. Tal ressentimento, muitas vezes sem qualquer razão, está baseado na falsa verdade de que a nora “roubou” seu filho. A sogra que pensa desta forma se recusa a compreender que o seu ódio não é da nora em questão, mas de qualquer uma que estivesse no lugar dela; até mesmo se fosse um grande amigo com quem o filho passasse muito tempo, ela talvez o odiasse da mesma forma. Mas tais ódios em família causam fendas entre os relacionamentos, e essas fendas tendem a crescer e causar rupturas definitivas. O que poderia ter se tornado amizade, colaboração e união, transforma-se em uma guerra silenciosa de ressentimentos, ciúmes e inveja.
Quem odeia, muitas vezes não contente em odiar sozinho, gosta de instigar outras pessoas contra o seu desafeto. E as outras pessoas muitas vezes acabam aprendendo a nutrir e expressar esse mesmo ódio. Quando não podem fazê-lo abertamente, elas o fazem nos pequenos gestos; elas o deixam bem claro nas indiretas, nas exclusões, nos olhares de soslaio. E quem passa por isso, sofre. Porque não entende o porquê de ter sido escolhido como alvo em determinado grupo.
De repente, a pessoa odiada finalmente compreende que de nada adianta tentar lutar; de nada adianta tentar ser agradável, cordata, viver caminhando pelos cantos para não provocar olhares reprovadores, deixar de ser quem é a fim de tentar ser o que ela acha que poderia agradar quem a odeia; porque, quem odeia, não está disposto a mudar. Não quer passar a gostar, e jamais vai admitir que sustentou uma opinião errada e injusta durante anos a fio a respeito de alguém.
E então, essa pessoa simplesmente desiste.
E o que significa desistir? É não se importar mais. Não ligar mais para o que pensam a respeito dela, e caminhar da maneira que quiser, sem se importar com opiniões, fofocas e olhares reprovadores.
E é exatamente neste momento, que ela passará a ser conhecida como “arrogante.”
“Fulana é arrogante porque não fala com ninguém. Não pede a opinião de ninguém, enfim, não faz o que a gente espera que ela faça.” E continuam os julgamentos.
Mas talvez seja bem melhor ser considerado arrogante por quem nos subestima a continuar nos subestimando a nós mesmos. Amor próprio é fundamental. E também é bem melhor estar sozinho e totalmente em paz – sabendo que jamais fez nada para prejudicar ninguém, nunca hostilizou ou segregou alguém devido a uma antipatia sem fundamentos – a continuar sendo saco de pancadas alheio.
Quem sabe, a minha missão aqui na terra seja compreender e assimilar esta verdade? Se for, acho que estou a caminho.
Existem dois Stephens que conheci através das letras: Stephew King e Stephen Hawking. Para mim, ambos são magos dentro de suas especialidades. O primeiro inventa mundos, e o outro, os descobre. Ambos têm aparência forte; o primeiro tem um olhar que parece o de alguém saído de um manicômio de filme de terror, e o segundo, uma força descomunal aprisionada dentro de um corpo encarquilhado e imóvel.
Ambos chocam, surpreendem, causam espanto e admiração. Ficamos amedrontados ao entrar no mundo de King, mas não conseguimos voltar, uma vez que a porta esteja aberta e tenhamos dado o primeiro passo; e ficamos curiosos e esperançosos (ou desesperançados) ao adentrarmos o mundo de Hawking, e concluímos que também não conseguiremos voltar, mas por razões totalmente diferentes.
Cresci convivendo com eles através dos livros. King ensinou-me que o sobrenatural pode estar nas situações mais corriqueiras do dia; na imagem que passa pelo canto dos olhos, no ruído estranho que geralmente ignoramos, na sombra esquiva em um quarto escuro, na aparente normalidade de uma comunidade de pessoas, e mais ainda, dentro de nós mesmos. Hawking ensinou-me que podemos voar tão alto quanto desejarmos, usando apenas a força do pensamento e o combustível da curiosidade. Esta lição está tatuada em seu próprio nome: “Hawk”, em inglês, significa “falcão.” E a gente sabe muito bem que podemos colocar um falcão em um poleiro com uma corrente prendendo suas garras, mas quando o soltarmos, ele voará acima de nossas cabeças e enxergará aquilo que jamais enxergaremos. Tiramos o falcão do céu, mas jamais seremos capazes de tirar o céu do falcão.
E hoje, o Falcão voou. Vejo-o ir ao encontro dos céus com os quais sonhou, em direção aos mundos que ele descobriu, comprovando ou aperfeiçoando as suas teorias. Livre, finalmente livre, sem o peso do corpo que o conteve, durante tantos anos, contra todas as probabilidades médicas. Corpo que jamais foi capaz de conter sua genialidade, impetuosidade e capacidade de ser mágico e ensinar a todos sobre a magia da vida.
As pessoas fogem da melancolia de maneira compulsiva. Ninguém quer ficar sozinho. Ninguém quer escutar música clássica. Ninguém quer se lembrar de coisas tristes, pessoas que já se foram, momentos difíceis. Talvez seja por isso que esteja surgindo tanta música barulhenta e infernal nos dias de hoje: medo. As pessoas precisam de barulho para que não tenham que ouvir a si mesmas. E a música barulhenta de hoje é bem diferente da música barulhenta de anos atrás, pois o rock tinha um contexto, uma história, e letras significativas – na sua maioria. Algumas destas letras eram bem melancólicas, como “Love Hurts”, do Nazareth, “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin e “Bohemian Rapsody”, do Queen. Mas as letras de hoje, gritadas a plenos pulmões por pessoas que jamais poderiam ter se tornado cantores, só servem para acompanhar a mesma batida, que se faz presente em quase noventa por cento das canções. E elas não tem qualquer significado, e seu único objetivo é fazer barulho para matar qualquer possibilidade de silêncio. Eu as chamo de “Canções do Medo.”
Obrigada a tirar férias forçadas devido a uma conjuntivite que se agravou, eu passei uma semana inteirinha sozinha em casa, em dias chuvosos e atipicamente frios de verão. Quase não pude ir lá para fora. Nas poucas vezes em que pude curtir um pouco o meu jardim, o céu estava encoberto e havia chuva intermitente. Nada mais melancólico, e eu adoro.
Pude me sentar na minha cadeira de balanço, que fica na varanda, junto à porta de entrada da casa – local onde geralmente não tenho muito tempo de me sentar. E de lá, enquanto eu escutava chuva e passarinhos e observava meus cães brincando ali perto na grama, o pensamento começou a tornar-se autossuficiente, indo por caminhos que eu geralmente tento bloquear. E eu me lembrei de outras coisas, outras pessoas e outros tempos. Algumas dessas pessoas não estão mais aqui, o que me trouxe melancolia, mas notei que lembrar-me delas foi quase como tê-las aqui em minha casa, me visitando. Foi bom. E o medo da tristeza que me acomete quando eu penso nelas, cedeu espaço à memórias agradáveis, momentos tão felizes dos quais eu quase me esquecera devido ao meu esforço de não pensar mais em coisas tristes. Fatos e pessoas dos quais a gente tem mais saudades, são justamente os melhores, os que realmente valem a pena lembrar.
À noite, começou a chover forte; escolhi uma playlist de músicas clássicas no aplicativo, acendi um único abajur, fechei as cortinas e deitei-me no sofá da sala. A música estava tocando bem baixinho, e eu podia ouvir os relógios da casa funcionando. Há tanto tempo eu não sentia a casa tão minha! Eu costumo ter o hábito de falar com a minha casa, andar por ela – principalmente bem cedo pela manhã ou no final da tarde – e observar, sentir as energias, mudar coisas de lugar, acender incensos. Faço o que ela me pede. E ontem, ela me pediu para ficar quieta. Obedecê-la foi uma das melhores coisas que me aconteceram neste início de ano.
Porque tem coisas que a gente evita pensar. Atitudes que a gente ignora, porque não existem respostas para elas. As pessoas se transformam, e de repente, estamos diante de pessoas totalmente estranhas. Mas ontem eu percebi que eu também mudei, e que talvez estas pessoas estejam pensando o mesmo ao meu respeito! Não significa que deixamos de ser amados, ou de amar – mas que entramos em sintonias diferentes, e seguimos por caminhos diferentes que precisam ser seguidos. Nessas horas, é preciso soltar as amarras, deixar o barco ir e o mar nos levar para onde ele quiser.
Mas as canções do medo que tocamos fazem com que nós evitemos perceber tais sutilezas da vida. E assim, acabamos impondo a nossa presença em lugares que já não fazem mais sentido (e onde talvez nem sejamos mais bem-vindos), seja para nós ou para as pessoas que neles estão. Nós nos tornamos invasores da vida alheia. Ontem, o silêncio da casa e meus olhos fechados – com o auxílio luxuoso da música clássica – me fizeram chegar a conclusões essenciais para a minha vida. Aprendi que cada um acredita naquilo que quer, e interpreta a vida e os acontecimentos segundo a maneira como seus silêncios e ruídos lhes chegam – segundo aquilo em que eles estão prontos a perceber.
A melancolia desses momentos jamais deveria ser evitada. As palavras que crescemos acreditando terem conotações negativas – como desilusão, solidão, despedida, tristeza e melancolia – são justamente as que mais nos trazem aprendizado. Através da aceitação e vivência daquilo que estas palavras representam, aprendemos que a pessoa mais difícil, aquela sobre quem mais deveríamos aprender e suportar a convivência, somos nós mesmos. E quando assimilamos estas coisas, descobrimos que estar na própria companhia pode ser a mais agradável das companhias.
Começou no sábado pela manhã, no olho esquerdo, com um pequeno inchaço e vermelhidão. Ainda pude dar as minhas aulas. Porém, à hora do almoço, meu olho estava muito vermelho, e purgando um líquido viscoso e amarelo – pus. À noite, o outro olho já tinha sido contaminado. Ambos os olhos ficaram muito vermelhos, inchados e purulentos.
Não fui ao médico ainda, pois quem consegue um oftalmologista no final de semana? Decidi procurar um médico na segunda de manhã, sabendo que se eu quiser ser atendida, terei que desembolsar o valor de uma consulta, apesar de ter plano de saúde, ou então aguardar por um mês até o dia da consulta marcada coberta pelo plano. Achamos – meu marido e eu – que a emergência do hospital não poderia fazer nada pela minha situação, a não ser me mandar fazer o que estava fazendo, ou seja, banhar os olhos com soro fisiológico.
A conjuntivite me deixou de molho o fim de semana todo. Quem já teve, sabe o incômodo que ela causa. Não são apenas os olhos vermelhos, doloridos, inchados e lacrimejantes, mas também o fato de que a visão fica embaçada, e o aspecto é repugnante, além de que conjuntivite é uma doença altamente contagiosa. Acho que eu a peguei na sexta-feira à noite, ao acompanharmos uma pessoa à uma unidade da UPA aqui em minha cidade.
Mas tive bastante tempo, deitada no meu posto no sofá junto aos meus apetrechos de tratamento, para pensar no quanto a vida é frágil. Temos a tola mania de nos acharmos resistentes, fortes e até invencíveis algumas vezes; alguns de nós chegam a pensar em eternidade, imaginando o que ficará de suas “mensagens” quando não estiverem mais aqui. Já deixei de me preocupar com isso há muito tempo. Quando eu não estiver mais aqui, acontecerá o mesmo que ocorre à maioria das pessoas: serei esquecida, e tudo o que escrevei ficará perdido, até desaparecer ou ser requisitado por outro “autor.”
Meus olhos
Tantos planos para o fim de semana – almoçar fora, ir às compras no mercado, dar uma volta à pé pela vizinhança ou ter uma tarde agradável em frente à TV com meu marido e meus cães... como se o fato de fazer planos nos deixasse em uma posição segura, pois quem planeja seus dias é organizado e tem mais chance de ver seus planos se tornarem realidade. Isso é uma mentira. Planejar ou não planejar, quando a vida quer interromper alguma coisa ela simplesmente o faz, sem se importar com nossos planos, pirraças ou frases de efeito assimiladas em livros de autoajuda.
Há alguns anos, em 2011, meu jovem sobrinho morreu de câncer após um ano de lutas contra a doença. Todo mundo que o conhecia tinha certeza de que ele escaparia, porque era jovem e bonito, estava cheio de otimismo, seguia o tratamento à risca e sempre tivera hábitos de vida saudáveis. Não fumava nem bebia e gostava de praticar esportes. Enfim, como todos diziam, ele tinha a vida toda pela frente. Mas de nada adianta ter a vida toda pela frente se ela decidir que acabou.
Na verdade, não temos garantias de nada, de coisa alguma. Qualquer coisa, boa ou ruim, pode acontecer a qualquer pessoa a qualquer momento. E nem precisa ser alguma coisa muito grande – basta uma simples conjuntivite – para percebermos o quanto somos fracos, vulneráveis, e o quanto é ridícula essa mania de achar que coisas ruins estão reservadas a pessoas ruins. Coisas boas e ruins acontecem a todos. Nem mesmo os religiosos estão imunes aos desastres (se acham que estão, pensem no fim que muitos religiosos tiveram ao longo da história).
Acho que gostamos de acreditar que pensamentos positivos nos protegem; gostamos de nos enganar, afirmando que quem anda com Deus, está seguro. Isso nos deixa temporariamente mais corajosos, pelo menos, até que algo aconteça e prove o contrário. Não estamos seguros, e é preciso conviver com essa certeza todos os dias.
Mas insistimos em ter fé. A fé é a nossa garantia sem garantias. Sem ela, fica difícil ter coragem de tentar qualquer coisa. A fé é a nossa gasolina, o combustível que nos impulsiona para frente. Mesmo que o veículo possa quebrar a qualquer momento. A fé é como uma centelha dentro da gente que nos faz caminhar e acreditar que podemos realizar algumas coisas, apesar de tudo. Ela nos faz cruzar um tiroteio a fim de pegar o ônibus ou o trem que nos levará ao trabalho. Ela nos faz afirmar que um dia, haverá igualdade social - mesmo que nem todos estejam igualmente preocupados em trabalhar por ela, e que a maioria dos que por ela clamam, desejam obter tudo 'de graça' ou pegando de outros que trabalharam por condições de vida melhores.
A fé é boa, mas o excesso dela pode ser muito prejudicial. É justamente o excesso de fé que faz com que as pessoas sejam enganadas, colocando suas esperanças em quem se alimenta delas feito vampiros, mas disfarçados de salvadores. A fé exagerada deixa as pessoas cegas, promovendo o auto-engano.
Mas a verdadeira fé é o que faz com que as pessoas continuem acreditando que estão levando suas vidas, mesmo que a verdade seja que elas estão sendo levadas pela vida. A fé é o que nos faz acreditar que, mesmo sendo levados, chegaremos a algum lugar e a algum significado.
Daqui a alguns dias, estarei curada da minha conjuntivite; tenho esta fé. Mas não tenho a certeza. Esta, quem tem é a vida.
A escola de samba apelou: chamou de imbecis mais da metade da população do país. Falou de escravidão enquanto eles mesmos sequer assinam as carteiras das pessoas que trabalham em seus barracões durante o ano inteiro. Falou de justiça social enquanto eles mesmos jamais indenizaram as vítimas do acidente ocorrido durante os desfiles do ano de 2017, no qual um de seus carros feriu várias pessoas e levou uma ao óbito. Achei bizarro que, após tal acidente, a pista tivesse sido rapidamente liberada para que o povo pudesse continuar aplaudindo o restante do desfile. Me fez lembrar as arenas nas quais o povo antigamente se juntava para ver os leões devorando os cristãos.
E o Brasil aplaudiu. Ovacionou, elogiou, se emocionou com o verniz sobre a casca de podridão mais uma vez. Compartilhou nas redes, repetindo "Eu Sou Tuiuti" sem nem sequer parar para racionar sobre o que afirmavam. Ninguém mais se lembra do acidente. Ninguém mais se lembra de nada.
E a escola, que recebeu verbas da Lei Rounaet - ou seja, verbas governamentais - criticou o governo que a patrocinou. São ratos devorando ratos. O sujo criticando o sujo. O hipócrita falando de hipocrisia.
E vamos que vamos. Conseguiram ficar em segundo lugar, vencidos pela outra escola que falou dos dramas do país sem ofender mais da metade de sua população. Porém, mesmo esta escola, como todos sabem, é financiada por dinheiro sujo de jogo e do crime organizado. Mas o importante é aplaudir, é sambar, é colocar purpurina na frente dos olhos para não precisar enxergar. É negar o óbvio.
É disso que o povo gosta: purpurina. Palavras bonitas. Vitimização e mimimi. E o tiroteio corre solto nas ruas de quase todas as cidades do país. Mas tudo isso já virou rotina, e a indignação que uma bala perdida na cabeça de alguém nos causa, dura apenas cinco minutos - o tempo necessário para que o novo clipe da Anitta ocupe as redes sociais.