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terça-feira, 22 de outubro de 2024

O TUCANO

O Tucano


O TUCANO

 

Domingo de manhã: chuva ritmada e temperatura amena. A casa silenciosa às seis e trinta da manhã. Nada melhor do que me enroscar no sofá após o café da manhã e assistir a um filme. 

 

Mas de repente, o silêncio da manhã entrecortado pelo canto manso dos passarinhos é quebrado ao meio: ouço sabiás gritando no gramado. Vou lá fora a fim de entender o motivo daquela gritaria, e deparo com a seguinte cena: Sobre o gramado, os pais tentam salvar seu bebê, que está sendo atacado por um tucano.

 

Os tucanos não eram aves que apareciam por aqui há alguns anos, e não sei qual o motivo para estarem se tornando cada vez mais abundantes. Chegam a bicar minhas vidraças, e há alguns dias, pude filmá-los em um momento, digamos... íntimo. Uma cena rara para ser apreciada por um humano como eu. Eles não são medrosos. Às vezes, eu os pego me observando pela janela do quarto. Enquanto eu regava o jardim em um dia quente, um deles pousou no ipê amarelo, me olhando. Imediatamente entendi o que ele queria, e suavizando o jato da mangueira, passei a jogar-lhe água - e ele sacudia as penas, abria as asas e crocitava feliz. Foi uma cena mágica, e durou alguns minutos, até que satisfeito, ele alçou voo.

 

Mas voltando à cena do jardim, eu me vi em um impasse: deveria interferir na natureza? Tive que pensar rápido, e saí de casa para salvar o pequeno pássaro. O tucano não voou, permanecendo aos meus pés, me olhando com aquele olhinho redondo, a cabeça virada para me enxergar melhor. Ainda deu alguns passos na minha direção, e pensei que fosse me atacar, mas acho que ele avaliou suas chances e chegou à conclusão de que não tinha muitas chances contra mim. Daí ele pousou no muro e nós começamos um diálogo, onde ele disse:

 

-Aí, moça, pode soltar o meu café da manhã, por favor? As crianças estão me esperando em casa. Tenho bocas, digo, bicos a sustentar.

 

Entre as minhas mãos, encostado ao meu coração, a presença macia e quente do sabiá me pedia o contrário. Respondi:

 

-Sinto muito, colega, mas não vai dar. Você não se envergonha de raptar bebês de ninhos alheios?

 

Ele não se fez de coitado, e retrucou:

 

-Madame, os bem-te-vis também fazem isso, as corujas, os jacus, os macaquinhos e esquilos que você acha tão engraçadinhos também. Vai passando esse passarinho aí, por favor. As crianças estão esperando.

 

-Sem chance. Sinto muito, amigo, mas não vai rolar. Sem ressentimentos, mas você vai ter que caçar em outro lugar, não aqui no meu jardim. Olha, eu gosto de você, te entendo muito, mas prefiro acreditar que você só come ervas e frutas, então vamos fingir que isso não aconteceu. Ok? Olha, vou te dar outra coisa para levar para seus filhotes!

 

Dizendo aquilo, corri na cozinha - sempre com o bebê aconchegado na palma da mão - e peguei uma banana, descasquei-a e joguei-a no gramado para ele, que me olhou novamente com aquele olho redondo e comprido ao mesmo tempo. Descendo do muro, ele pegou o pedaço de banana no gramado e soltou-o em seguida, indignado. Me olhou mais uma vez e então voou para longe sem se despedir.

E eu fiquei lá, em pé na chuva, sem saber o que fazer com aquele passarinho.

 

Minha cabeça oscilava entre o sabor do heroísmo e o do arrependimento; afinal, eu tinha interferido na natureza e prejudicado o tucano. Peguei uma caixa de sapatos, que eu forrei com papel alumínio por causa da chuva, e coloquei o bichinho dentro dela, prendendo a caixa no comedouro que mantenho em uma árvore. A  mãe não o abandonou, passando a cuidar dele na caixinha. Ele já era grandinho e com penas, embora ainda estivesse aprendendo a voar.


A Luisa

 

Deixei os cães presos do lado de trás da casa por dois dias. Hoje de manhã antes de começar minhas aulas eu os soltei, achando que o passarinho já tinha ido embora, já que ontem a caixa estava vazia. Havia apenas alguns caroços de frutas e pedrinhas lá dentro. Acho que foram um "presente" da mãe em agradecimento. Porém, ao soltar meus cachorros, a Luiza (minha cachorrinha) encontrou o pássaro e começou a correr atrás dele, que gritava desesperadamente. Gritei, igualmente desesperada, e acabei salvando a vida dele pela segunda vez. A mãe a tudo assistia, apavorada, piando no galho da árvore. O pestinha ainda não voa.

 

Agora ele está lá no jardim, correndo atrás da mãe para comer suas minhocas, e meus pobres cachorrinhos vão ter que ficar sem acesso ao jardim até que ele aprenda a voar. 

 

O tucano não apareceu por aqui depois daquilo. Mas ele é meu amigo, e sempre acaba voltando e trazendo a família. Espero que ele tenha aceito minha sugestão de fingir que é vegetariano quando estiver por aqui.

 

 

Ana Bailune





 

12 comentários:

  1. Que linda cena viveste no teu jardim!
    Muito legal e creio só pode dar muita sorte receber tucanos e família!
    Eu teria feito como tu! A natureza precisa de uma mãozinha,rs...ADOREI! beijos, chica

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  2. Tu Luisa es parecida a mi Franchesca que le encetaba correr tras los pájaros. Te mando un beso.

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  3. Boa noite de Paz, querida amiga Ana!
    Tem coisas que são verdadeiros achados e acontecem sem sobreaviso.
    A natureza é cheia de surpresas.
    Que bom ter tudo terminado bem para todos!
    Tenha dias abençoados!
    Beijinhos

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  4. A ganancia imobiliária tem provocado migração de animais e aves para as cidades e ou regiões próximas das reservas. Tenho visto a presença de cobras, lagartos, jacarés nos condomínios próximos de matas atacadas. Achei o máximo o dialogo você e o Tucano. Aqui Sabiá é violento na proteção de seus filhotes.
    Gostei de ler e rir um pouco também.
    Abraços e feliz semana Ana.

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  5. É uma ave muito interessante por bonita.
    Cumprimentos poéticos

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  6. Olá, Ana, tudo bem?

    Que relato mais interessante e cativante....rs

    Receber a visita de um tucano no jardim não para qualquer um. Sei não, eu acho que eu deixaria a natureza seguir seu curso e o tucano levaria seu café da manhã. Mas como você disse, parece que o tucano não vai ficar ressentido com você, acho que ele entendeu sua posição depois daquela conversa.

    abraços.

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  7. De facto, a natureza não tem contemplações quando funciona a lei do mais forte.
    A sua intervenção fez ultrapassar uma situação em que nem sempre o homem está presente.
    Enfim, são coisas da vida.
    Abraço de amizade.
    Juvenal Nunes

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  8. Delicia de leitura, moro em São Paulo, Capital, tenho casa com quintal e plantas como jabuticabeira, amoreira em vasos grandes, plantas atrativas para aves como tens e é lindo isso!
    Mas não interfiro na natureza!
    Amei ler aqui!
    Abraços apertados querida amiga Ana!

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  9. Lindas crônicas, gostei muito da criatividade que teve em se expressar em palavras, meus parabéns.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  10. Uma história muito bem contada e bonita. Pareceu-me estar a ver um filme.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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