Um dia, enquanto eu brincava com as outras crianças, ela olhou para mim e pensou: "Já está na hora de alfabetizá-la!"
Minha primeira professora comprava-me cartilhas; pegava na minha mão e me ajudava a percorrer o caminho pontilhado das letras. O lápis ia deslizando macio sobre o papel, e eu assistia à magia das letras sendo desenhadas na folha. Depois, ela dizia: "Agora é você sozinha." E eu ia, devagarinho, às vezes sendo ajudada novamente por ela quando me perdia nas sinuosidades do caminho. Para mim, foi muito difícil desenhar o 'S' maiúsculo: eu sempre fazia a curva para o outro lado, na contramão!
Minha primeira professora trazia livrinhos de história coloridos, e ia me ensinando: "Está vendo? bo-ne-ca. Leia você esta palavra!" E eu ia juntando as sílabas, tentando me lembrar dos sons das letras quando elas apareciam juntas.
Um dia, ela me ensinou os números. Eles não faziam muito sentido dentro de minha cabeça, e confesso que jamais fizeram. Sempre fui péssima em matemática! Ela colocava sobre a mesa uma porção de grãos coloridos de feijão - aqueles, que a gente geralmente cata no meio dos feijões pretos e joga fora - e ia dizendo: "Olha! Eu enho um feijão, e coloco mais três. Quantos ficam?" E eu, choramingando e pensando no quintal me esperando lá fora, ia pacientemente contando os caroços...
Minha primeira professora ligava a TV no canal 2, a TVE (Televisão Educativa) no programa da Bibi Ferreira. Às vezes, ela assistia junto comigo, e eu ia aprendendo cada vez mais coisas. Certa vez, ela me comprou uma coleção de revistas chamadas Nosso Amiguinho, que tinha uma porção de coisas legais sobre história, ciências e curiosidades gerais. Eu lia, relia e aprendia.
Minha primeira professora sentava-me à mesa da cozinha antes do jantar, e me falava sobre as coisas da vida. Contava-me sobre suas memórias, seus tempos de colégio, sua infância, seus amigos e a época em que tivera cada um de seus filhos. Eu ficava olhando para ela, o vapor das panelas saindo pela janela e indo pousar no alto do coqueiro da vizinha, que balançava suavemente suas folhas ao crepúsculo da tarde ao canto dos sabiás que iam dormir.
Minha professora sentava-se comigo depois das aulas, olhava meus cadernos e me mandava fazer o dever de casa. Nada de televisão antes de ter estudado o questionário para a prova, que ela fazia questão de 'tomar!' E se eu não soubesse responder a todas as perguntas, ela dizia: "Estude mais dez minutos!" E sentindo um calor subindo pelo meu corpo (a impaciência), eu obedecia...
Minha primeira professora me trazia cadernos para colorir, e me ensinava a pintar dentro das linhas. Desta lição eu também nuna mais me esqueci, e até hoje, procuro pintar dentro das linhas da minha vida, embora às vezes as cores escapem para fora delas. Daí, surgem alguns poemas. Ela me comprava tinta guache e aquarela, cadernos de desenho cujas folhas de desenhar eram entremeadas por folhas de seda, e ela me ensinava como colocar os desenhos que eu gostava sob a folha de seda e copiá-los, passando o lápis sobre as linhas que apareciam. E quando eu terminava, ela dizia: "Agora você pinta da cor que quiser!"
E eu aprendi que é assim também na vida; a gente copia as coisas que a gente gosta, mas pintamos da cor que quisermos. Assim, imprimimos nossa personalidade nelas.
Minha primeira professora às vezes perdia a paciência comigo, nos dias em que eu não estava com vontade de estudar, ou quando eu mentia, dizendo que tinha feito o dever de casa, e ia ver Vila Césamo na TV. Ela abria minha maleta da escola, e procurava; se achasse alguma lição sem resposta, desligava a TV, me dava umas palmadas e me sentava à mesa da cozinha para terminar tudo. E eu o fazia, choramingando e sentindo o calor da mão dela latejando nas minhas nádegas. Mas hoje eu sei que ela estava apenas tentando educar-me, e penso que talvez seja isso, exatamente isso que falte às crianças de hoje: disciplina! Aprendi com minha primeira professora a cumprir minhas obrigações.
Minha primeira professora ensinou-me outras coisas também: cozinhar, lavar e passar roupas, varrer, tirar o pó, limpar sempre debaixo dos móveis, lavar bem a louça até que não sinta mais gordura nas pontas dos dedos, respeitar os mais velhos, não falar com estranhos, olhar para os dois lados ao atravessar a rua, fazer troco, contar dinheiro, ver as horas, amarrar os sapatos, pentear os cabelos, tomar banho direito, não dizer palavrões (mas isto eu nunca aprendi muito bem), dizer a verdade, não desejar as coisas dos outros, rezar o pai Nosso e a Ave Maria, amar os livros, alimentar os bichos, guardar meus brinquedos depois de brincar com eles, fazer a minha cama ao levantar-me, não por os pés calçados no sofá, não enfiar o dedo no nariz na frente dos outros, lavar as mãos depois de ir ao banheiro, não entregar meu corpo ao primeiro safado que aparecesse e uma porção de outras coisas que agora não consigo me lembrar, mas que fazem parte de tudo no qual me transformei. E seu eu tivesse seguido ao pé da letra tudo o que me ensinou a minha primeira professora, talvez eu hoje fosse uma pessoa bem melhor.