segunda-feira, 14 de abril de 2014
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Passo
Passo pelos meus sem ser compreendida,
Passo despercebida.
Eu inauguro cada dia da minha vida
E eles desfazem os laços.
Apressadamente viram os rostos
Quando eu passo,
Nada escutam do que eu digo,
Ou então torcem as palavras
Que lhes caem nos ouvidos.
Desenho um arco-íris com o arco do braço,
Escolho minhas próprias cores
Para pintar meu mundo, minhas flores,
Não desejo o cinza que derramam,
Não quero a indiferença desbotada
Com a qual me homenageiam
Quando eu passo.
SOPRO
Eu sopro teu rosto, assim,
(meu rosto, invisível)
Para que te lembres de mim.
Deixo passos silenciosos
Pelo corredor da casa,
Deixo cair uma gota mínima
Do perfume que eu usava.
Mexo as saias das cortinas
Para que te lembres de mim,
Nos tempos em que eu dançava.
Eu venho naquela música
-Lembras? - que eu tanto gostava,
Derrubo em teu colo a flor seca
Que as páginas do livro marcava.
Me deito ao teu lado, assim,
Para que sonhes comigo,
Para que te lembres de mim.
Mas sei que um dia, me esqueces,
(As fotos amarelecem)
Cai a flor sêca no chão
(Tu a pisas sem notar...)
Outros perfumes virão,
Outros risos, outras danças,
Outras formas de viver:
-E então, será minha hora,
De finalmente, morrer.
O Meu Coração...
Está chovendo, e neste momento, estou sentada na varanda apreciando a chuva e as plantas, finalmente, verdes novamente após a longa seca. Na casa da vizinha, a arrumadeira - uma senhora muito simpática - canta, em falsete: "Meu coração é de Jesus..." Às vezes ela se entusiasma um pouco mais, e capricha num grave ou num agudo. Enquanto isso, ela trabalha. Viver a vida assim, cantando: sinal de quem é simples e vê beleza em tudo, para onde quer que olhe!
Não sei dos problemas que ela pode ter na vida, mas de uma coisa, eu tenho certeza: ela os enfrenta com fé e coragem. Se não fosse assim, não cantaria daquele jeito, e nem sorriria para mim toda vez que me cumprimenta. Adoro poder conviver com a alegria autêntica de pessoas autênticas.
O dia hoje está lento... agora, um mormaço de sol aparece, fazendo brilhar as gotas de chuva tão finas quanto poeira de água. Elas caem devagar, como confetes sobre a paisagem. Que momento bonito! Da minha cadeira de balanço, eu olho a vida. E a arrumadeira da vizinha canta: "Meu Amigo, atenda meu pedido... amanhã pode ser muito tarde..."
Nada tenho a pedir a Deus. De repente, tudo ficou suspenso no ar, acima deste momento, para que ele seja único e puro.
DECRETO
Fica então declarado
Que a partir de hoje,
Todas as estrelas me pertencem,
São meus todos os astros,
Já que não sei brilhar.
São minhas, as ondas do mar,
O sal das águas e os peixes,
Possuo todo o azul profundo
No qual descansam as sereias,
Já que não sei navegar.
Decreto , a quem interessar,
Que todos os pássaros são meus,
São meus todos os seres alados,
E também, as suas penas,
Já que eu não sei voar.
São meus também os poemas,
Todas as métricas, todas as rimas,
Decreto–as minhas por direito,
Já que eu não sou poeta,
Já que eu não sei cantar...
Morrer Todos os Dias
...E quem não morre todos os dias,
E não renasce, todos os dias,
Carrega consigo o cheiro do corte,
Profundo, negro e purulento,
Os pelos do mofo esverdeado
O odor nauseabundo e forte
Da Senhora Dona Morte.
Nesta Casa
Nesta Casa
Janelas abertas ao sol e à chuva,
O beijo do vento, o sumo das uvas
Maceradas pelo tempo...
A revoar pela casa,
Lembranças dos meus momentos,
Retratos pelas paredes,
As plumas das minhas asas...
Ecos pelos corredores,
(As vozes das minhas dores)
Elegia à minha vida,
Esta casa me contém,
Contém tudo o que eu amei...
E um dia, eu vou embora,
Deixando vazia de mim
Esta casa, e desintegram-se
Os sonhos entre as paredes,
Desmancha-se o balançar
Tranquilo da minha rede...
E eu ficarei nos quadros,
Na roupa de cama, o cheiro,
Sobre a mesa, as indeléveis
Marcas dos meus cotovelos,
O meu rosto sobre as flores
De um jardim que morre aos poucos,
Na cadeira de balanço,
Meu fantasma sorrateiro...
Um Ensinamento Heterodoxo - Gurdjieff
Pensamentos de George Ivanovitch Gurdjieff
"A sinceridade é a chave do conhecimento de si, e ser sincero consigo mesmo acarreta grande sofrimento."
"Não deixe que as coisas externas o afetem. Elas são por si mesmas inofensivas, nós é que permitimos que nos causem danos."
"A fé consciente é liberdade. A fé emocional é escravidão. A fé mecânica, estupidez."
"Lembre-se de si sempre, e em toda parte."
"Para amar é preciso primeiro esquecer tudo sobre o amor. Faça disso a sua meta. Tal como somos, não podemos amar de forma alguma."
"O homem é ser inacabado. Cabe a ele terminar-se."
"Não há ingleses, russos, judeus ou cristãos, mas somente aqueles que perseguem a mesma meta: ser capaz de ser."
"Você deveria compreender e estabelecer como regra rígida não prestar atenção à opinião dos outros. Deve estar o mais possível livre das pessoas que o cercam, pois quando for livre interiormente a opinião dos outros não importará."
"Você devia se esquecer da moral. As conversas sobre ela são apenas diálogos vazios. A sua meta é a moral interior. A moral exterior é diferente em cada lugar."
"Temos anjos bons e anjos maus. Os bons trabalham através de nossa natureza voluntária. Os maus, através de nossa natureza passiva."
Gurdjieff (1866, Rússia-1949) foi um místico e mestre espiritual armênio. Ensinou a filosofia do autoconhecimento profundo através da lembrança de si, transmitindo a seus alunos o que aprendera em suas viagens pela Rússia, Afeganistão e outros países.
O sistema de Gurdjieff parte do pressuposto de que os homens estão dormindo, são máquinas ambulantes que não sabem o que fazem. Isto porque o que geralmente achamos que é o "eu" é, na realidade, um conjunto de "eus" que povoam nossa mente, por isso temos que controlá-los através dos "eus-de-trabalho" e assim evitar cair na imaginação que, segundo Gurdjieff, nos afasta da presença.
O homem "desperto", aquele que tem consciência de si, é raro. Muitos pensam que têm consciência, porém sequer imaginam do que isso se trata. Sempre que indagado sobre a reencarnação, Gurdjieff desviava a conversa para outro foco. Um aforisma que sempre repetia era de que a "alma é um luxo". Em outras palavras, temos que conquistar níveis superiores do ser através de uma profunda busca pelo autoconhecimento e de uma contínua busca pelo equilíbrio das energias positiva e negativa da própria natureza. O homem dotado de consciência ou vontade é muito raro. - Wikipedia
É, de todas as formas, impossível definir Gurdjieff ou departamentalizá-lo. Ora o veremos citado nos compêndios ocultistas entre os mentores religiosos do mundo, ora será destes excluído. Seu sistema, intrincadíssimo, de compreensão bastante difícil, inclui, entre outras coisas, técnicas orientais e danças extraídas dos dervixes, e é em parte incorporado por determinadas correntes da psicologia moderna.
Gurdjieff acreditava, entre outras coisas, que é importante despertar o homem de seu sono profundo, livrando-o dos mecanismos e condicionamentos aos quais viu reduzida a própria vida. afirmou ainda que o homem não tem uma alma, mas às vezes apenas uma semente dela, e no entanto, esta deve ser adquirida e desenvolvida. (Texto de Neila Tavares)
quinta-feira, 10 de abril de 2014
Sopro
Eu sopro teu rosto, assim,
(meu rosto, invisível)
Para que te lembres de mim.
Deixo passos silenciosos
Pelo corredor da casa,
Deixo cair uma gota mínima
Do perfume que eu usava.
Mexo as saias das cortinas
Para que te lembres de mim,
Nos tempos em que eu dançava.
Eu venho naquela música
-Lembras? - que eu tanto gostava,
Derrubo em teu colo a flor seca
Que as páginas do livro marcava.
Me deito ao teu lado, assim,
Para que sonhes comigo,
Para que te lembres de mim.
Mas sei que um dia, me esqueces,
(As fotos amarelecem)
Cai a flor seca no chão
(Tu a pisas sem notar...)
Outros perfumes virão,
Outros risos, outras danças,
Outras formas de viver:
-E então, será minha hora,
De finalmente, morrer...
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Seis Horas da Tarde
Ela inclinou-se em direção ao rádio, aumentando o volume para ouvir melhor. Com a interferência, vinham alguns sons de assovios e estalos de estática, mas no meio daqueles sons, podia-se ouvir a voz do locutor com clareza. O crepúsculo iluminava a cozinha, e as luzes da casa ainda não tinham sido acesas. A mulher chama a menina:
-Aninha, vem escutar a Ave-Maria!
A menina desvia os olhos do desenho que passa na TV, dizendo:
-Depois eu vou, mãe. Agora está passando "Missão Mágica."
A mãe aumenta ainda mais o volume, perturbando o som da TV. Insiste:
-Vem ouvir a Ave-maria, Aninha. daqui a pouco, acaba.
Finalmente, Aninha suspira fundo e dá os poucos passos que a afastam da cozinha. Ela olha para fora, pelo janelão que dá para o telhado do vizinho, e vê o céu escarlate que serve de pano de fundo para as folhas de coqueiro que a brisa agita docemente. A mãe está em uma posição engraçada, inclinada em direção ao rádio, cotovelos em cima da mesa.
O locutor lê uma carta. É uma história muito triste com música de fundo triste, que a menina não compreende muito bem. Ela pergunta:
-Mãe, o que é Ave-Maria?
A mãe faz sinal para que a menina faça silêncio, e Aninha, sentada à mesa, procura entre os feijões pretos algum grão colorido para brincar mais tarde. Ela adorava enfileirar os grãos e fingir que eram alunos, como as professoras faziam com as meninas no pátio do colégio.
O locutor termina a história e a oração, e uma música triste começa a tocar. A menina comenta:
-Que música triste, mãe....
-É linda! É a Ave-maria de Gounod.
-Eu não gosto dessa música.
A mãe recorda, olhos no céu vermelho:
-Quando eu era interna no Colégio Amparo, todas as tardes nós rezávamos uma Ave-Maria às seis horas em ponto.
-Por que?
-Porque era assim.
Aquela cena repetir-se-ia muitas vezes na vida da mãe e da menina. Aninha já sabia rezar o Pai-Nosso e a Ave-Maria, embora não soubesse o que significavam aquelas palavras misteriosas e difíceis. Ela imaginava uma enorme pomba branca como sendo a Ave-Maria. E o Pai-Nosso tinha a cara igualzinha a do seu pai Sylvio.
Havia no quarto da mãe, sobre o mármore de um camiseiro, uma imagem do Menino Jesus de Praga. Ela nunca entendia direito como o menino e o homem da cruz podiam ser os mesmos. E também não entendia como a mãe podia rezar para a imagem do menino, se quando ele morreu, já era um homem feito. Um dia, um moço bateu à porta e disse que era crente. A mãe deixou-o entrar, e quando ele viu a imagem do menino Jesus de Praga, pegou-a e jogou-a no chão, dizendo ser "coisa do diabo." A mãe colocou-o para fora e tentou colar a imagem, mas a lampadinha que ficava aos pés do santo nunca mais acendeu, e ficaram algumas lascas faltando, manchando o manto vermelho de branco.
Aninha aprendeu que seis horas é a hora de rezar uma Ave-maria e escutar aquela triste canção que toca no rádio. Por que? Porque é assim. E hoje ela estava na varanda da casa, quando às seis horas, o som da Ave-Maria na casa vizinha chegou-lhe aos ouvidos, e ela lembrou-se da mãe...
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