Um conto baseado em lendas Celtas.
Rodolfo acordou no meio da noite, e ainda parcialmente habitando os sonhos, olhou para o lado. Viu-lhe a silhueta desenhada sob as cobertas, que se erguia levemente, conforme ela respirava em seu sono tranquilo.
Uma onda de amor e paixão inundou-o.
Lembrou-se de como a conhecera, há um ano e seis meses:
Caminhava pela floresta após o almoço, a mesma velha floresta pela qual costumava caminhar desde os seis ou sete anos de idade (naquele tempo, escondido de seus pais, que temiam que se perdesse). Conhecia o que estaria depois de cada curva, e cada canto de pássaro. A floresta era como se fosse sua segunda mãe, pois vira-no crescer, transformar-se em um homem. Ela o protegera e o escutara em seus momentos de dificuldades, sempre respondendo às suas questões e acalmando suas ânsias como o faria uma dedicada mãe, através do sussurro do riacho, do canto dos pássaros e do beijo sibilante do vento.
Como eu já disse, Rodolfo conhecia cada curva da floresta; por isso mesmo, ficou estarrecido ao ir ter à beira de uma fonte que parecia ter aparecido do nada, no meio das árvores, onde uma linda moça banhava seus pés. Parou, encantado diante da beleza da cena:
A jovem, vestida com uma túnica branca diáfana, estava sentada na beirada do riacho, e a água que caía de uma pequena fonte fazia bolhas em volta de seus pés. Os cabelos, muito claros e longos, caíam-lhe em cascatas até a cintura, e uma grinalda de flores do campo ornava-lhe a cabeça. A pele era tão branca e delicada, que Rodolfo comparou-a aos cogumelos que cresciam em seu jardim, no meio da grama, e que ressecavam aos primeiros raios de sol.
Ela ergueu os olhos e olhou para ele como se o conhecesse. Não houve qualquer sobressalto. E ele também teve uma estranha sensação de já tê-la encontrado antes, mas em um tempo tão remoto, que apenas uma leve bruma de memória conseguia chegar até ele, e uma bruma tão leve quanto breve.
Desde então, eles passaram a encontrar-se ali todas as manhãs. E mesmo que estivesse chovendo torrencialmente, ali naquele ponto na clareira da floresta, uma nesga de sol brilhava.
Ela aceitou casar-se com ele, para seu alívio, pois Rodolfo não concebia a idéia de viver longe dela; preferiria morrer!
Mas ela impôs algumas condições:
-Ele jamais deveria fazer perguntas sobre ela; de onde viera, quem era sua família, ou que forma de vida ela era.
-Jamais deveria abrir um pequeno baú que ela guardava sempre junto a si, e nem indagar-lhe o que ele continha.
-Ela precisaria ficar algumas horas por dia totalmente só, e ele jamais poderia seguí-la, questioná-la ou espioná-la.
-Na primeira noite de lua-cheia, ela iria para a floresta. Nem foi preciso dizer que o faria sozinha, e que ele não deveria seguí-la jamais!
-Eles teriam que viver para sempre junto àquela floresta.
Recordando-se daqueles tempos, Rodolfo percebeu quando a esposa acordou, pois o rítimo de sua respiração tranquila mudou. Ele fingiu que ainda dormia, enquanto ela se levantava e, abrindo a porta do chalé, saía pela noite enluarada, a barra da camisola esvoaçando atrás de si, e ela, mergulhando na floresta escura até desaparecer.
Todas as noites de lua cheia, quando ele a via sair, sentia curiosidade em saber o que ela fazia. Encontrar-se-ia com alguém? O ciúme o dominava, mas lembrava-se da promessa feita a ela, e forçando a sua própria natureza, não a seguia. Naquela noite em especial, estava tão ansioso que decidiu ir até a pequena cozinha preparar para si um pouco de chá.
Foi quando deparou com o pequeno baú na prateleira da despensa. Uma estranha luz azulada saía pelas frestas da madeira. Imediatamente, Rodolfo começou a tremer de curiosidade, e mesmo fazendo todo o esforço que conseguia para conter sua curiosidade, acabou pegando o pequeno objeto e, ainda hesitante, abriu uma pequena fresta da tampa...
Foi o suficiente para que a luz azul escapasse, em uma explosão de raios que dominaram toda a pequena casa! Quem estivesse passando na floresta àquela hora, teria visto uma luz azul que explodia para fora do chalé, através de portas, janelas, chaminé e frestas, iluminando tudo em um raio de quilômetros!
Quando ele despertou, estava caído no chão da cozinha, e o baú, tinha desaparecido. Assim como desapareceram todo e qualquer traço da presença de sua esposa pela casa. Ele procurou pela cesta de palha que ela tecera durante a manhã; também olhou dentro das panelas, e a comida tinha desaparecido. Todas as coisas feitas por ela - cortinas lindamente confeccionadas, cestos, pequenos candelabros delicados, flores que ela colhia e nunca murchavam, enfim, tudo desaparecera. A cabana era apenas um lugar nu, gelado e sem-vida.
Ele correu para a floresta, e tentou em vão encontrar a clareira onde tinham se conhecido.
Chamou por seu nome. Chorou copiosamente, gritando ao luar o seu arrependimento. Mas ninguém respondeu-lhe.
Quando o dia amanhecia, voltou para a casinha. Olhou-se no espelho: era um homem velho.