ENVELHECER É UM PRIVILÉGIO?
Antes de fazer esta reflexão, vamos pensar no
significado da palavra privilégio; de acordo com o dicionário, privilégio
significa “Direito, vantagem, prerrogativa, válidos apenas
para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria; apanágio,
regalia.” Ou seja, um privilégio é alguma coisa que é legada apenas a
poucos. Portanto, envelhecer não é um privilégio, já que a maioria das pessoas
envelhece.
As redes sociais tem nos ensinado que é bom
romantizar situações corriqueiras, como a velhice, a maternidade, a solidão, a
família, uma dieta e até nossos fracassos, como sendo algo especial. Se você é
velho, isso é uma grande vantagem, pois você chegou à “melhor idade” e se
tornou alguém especial. Da mesma forma, se você é jovem, branco, negro, magro,
gordo, casado ou solteiro, você está vivendo algo especial – um privilégio.
Eu não consigo enxergar a vida como sendo um
privilégio, já que estamos todos vivos! A vida para mim é esse grande mistério,
pois não tenho ideia sobre de onde ela vem, onde começou, quando terminará, se
existe um propósito para estarmos aqui ou se existe algo depois que ela
termina. Na verdade, sei tanto quanto todo mundo, ou seja: nada. Tudo o que se
afirma a respeito da vida ou da morte é especulação.
Mas voltando ao tema ‘envelhecer’, ao escrever
este texto tenho 60 anos e quase 3 meses de idade. Não posso dizer que
envelhecer tem sido bom, pois com a velhice, chegam várias questões difíceis
sobre saúde, finanças (aposentar-se no Brasil significa viver com muito pouco
dinheiro), preconceitos, medos, dores físicas e morais. Estarmos velhos é
difícil. Porque os mais jovens nos olham de forma diferente, como se a velhice
significasse nececessariamente senilidade, incompetência profissional ou ideias
ultrapassadas.
Mas aqueles que afirmam que o importante é ter
uma mente jovem, não entendem que ao pensar desta forma estão jogando fora as
experiências acumuladas e a sabedoria adquirida, talvez em troca de
procedimentos estéticos que deixam os rostos todos iguais (e que não fazem
ninguém parecer mais jovem) e atitudes de adolescentes que não caem nada bem em
pessoas mais velhas. Vejo muitas pessoas velhas que querem recuperar o tempo
perdido através de relacionamentos com pessoas mais jovens, ou usando roupas
inadequadas ao seus corpos, ou frequentando academias não pela saúde física,
mas tentando obter os músculos de um fisioculturista. Lamento por eles. Porque
ainda não compreenderam que cada idade deve ser vivida quando chega o tempo.
Para mim, a velhice é um tempo de reflexão e um
certo descompromisso. É claro que cuidar da saúde e da aparência é importante,
assim como manter a mente atualizada. Mas perseguir esses ideais
desesperadamente como se eles fossem manter você vivo por mais tempo,
prolongando uma juventude que já não existe mais, é caminhar à beira do
ridículo. É sinal de desespero, não de sabedoria.
Eu cheguei à minha velhice. O que eu quero,
hoje? Desfrutar daquilo que conquistei em minha juventude: minha casa, meu
marido, meus cães, a companhia de algumas pouquíssimas pessoas. Quero ler
muito, escrever muito, ouvir boa música, viajar, ou apenas ficar sentada no
jardim sem fazer nada. E quero comprar roupas novas (porque eu adoro andar
muito bem vestida) e cuidar da minha saúde, mas sem neuras. Não me interessa
parecer mais jovem, ser ‘sexy’ ou encher meu corpo de hormônios para focar na
sexualidade. Para mim, esse tempo já passou. Sexo é bom quando acontece
naturalmente.
Não tive filhos, portanto não tenho netos. Não
tenho compromisso com nada. Sou uma pessoa praticamente livre. Construí minha
vida para ser assim, para chegar onde cheguei. Não me arrependo de nada, e não
quero mais nada, a não ser o que já descrevi acima. As opiniões das pessoas não
me preocupam. Não me encaixo nas definições alheias.
Não tenho medo da morte, e não lamento a
proximidade dela. A proximidade da morte me traz perspectiva. Ela me lembra que
tudo acaba, que tudo é finito. E não faz diferença, na verdade, quando eu
estiver em meu leito de morte, pensar em alguma coisa que deixei de fazer ou
gostaria de ter feito, porque a morte é o selo final, é o cadeado que encerra
esta vida, caso haja outra após esta ou caso não haja nada. E se não houver
nada, ou se houver alguma coisa, não fará sentido nenhum tipo de
arrependimento.

