witch lady

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quinta-feira, 12 de junho de 2025

ESTRANHEZA

 





Eu sou de outro país,

De outra época, há muitos anos,

Milênios, talvez.

Não sei quem me fez,

Mas jamais me esqueci

De quem me desfez.

 

Eu venho de alguma galáxia

Muito distante,

Não tem alguém que a alcance,

Ou alguém que fale a minha língua

Ou cure a minha íngua.

 

Quem me olha, nem percebe

Que eu já não estou,

Que eu fui embora

Há muito tempo,

Sou uma folha verde que caiu mais cedo

Derrubada pelo vento.

 .



.



.



.

 

 

 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

FREIRAS DANÇANTES, PADRES CANTANTES, PASTORES MIRINS E AFINS

 


 

Não tenho nada contra freiras dançantes e padres cantantes.

 

Bem, se isso fosse totalmente verdade, eu não estaria escrevendo este texto.

 

Não sigo religião nenhuma, embora leia muito sobre quase todas elas – catolicismo, budismo, espiritismo, protestantismo,  hinduísmo, bruxaria, umbanda, e até mesmo satanismo. Porque eu gosto de saber. Gosto de conhecer, mesmo não seguindo. Sigo páginas de pastores, budistas, agnósticos, macumbeiros, enfim, não tenho preconceitos.

 

Meu único problema é com a hipocrisia.

 

Eu acredito que, quando um sacerdote se coloca sob uma denominação religiosa, ele deve seguir o que aquela denominação prega. Freiras maquiadas dando entrevistas em podcasts e dizendo que amam quando as elogiam pela sua aparência, não me parecem confiáveis. Padres cantantes cheios de botox, que viram influencers e passam a se vestirem com calças apertadas e roupas caríssimas de marca, também não me parecem confiáveis. Budistas que descriminam este ou aquele grupo de pessoas por causa de suas preferências políticas, não seguem os preceitos do budismo. Pastores que exigem que seus fiéis façam 'pixes' altíssimos em suas contas, não me parecem honestos. Talvez essas pessoas sejam ótimas, mas não nasceram para o sacerdócio. Poderiam ser excelentes filósofos, escritores, influencers... mas padres, monges, pastores e freiras, não.

 

Acredito que todos já viram algum trecho em vídeo daquele pastorzinho fake que não conhece a  Bíblia fazendo pregações - chega a ser bizarro. O moleque foi criado para ser uma máquina de arrancar dinheiro de otários. E como tem otários dispostos a contribuir com esses absurdos! Cada fala dele é uma encenação, algo ensaiado exaustivamente. Fizeram uma lavagem cerebral na criança e criaram um monstro.

 

Por isso, não sigo nenhuma religião. Cada uma é uma coleção de absurdos abençoados por um deus que não existe e jamais existirá na minha vida. Porém, a cada um o direito de fazer o que quiser, só não tentem me converter a nada. Prefiro essa minha religiosidade solitária– que também não pretende converter ninguém - praticada dentro da minha casa e em meu jardim. Gosto da oração que sai do coração todos os dias, da gratidão sincera pelas mínimas coisas, da vela acesa apenas pela luz que ela propaga, do incenso que queima pelo seu perfume. Gosto daquele deus que habita dentro de mim e que não me entrega nada, a não ser a mim mesma, a não ser a natureza, a não ser a paz de uma noite bem dormida.

 

Gosto do Deus que me ampara e protege do mal, principalmente do mal que existe dentro de mim mesma, pois é através dele que o mal que vem de fora pode encontrar um caminho até mim. E quando o mal consegue penetrar, esse deus me ensina a me limpar, e ele volta exatamente para aquele que o enviou.

 

Minha religião?

 

O sol, a chuva, a natureza, os bons livros, as orações ditas no silêncio da minha casa, os animais, a solidão escolhida conscientemente e que só é quebrada quando eu quero.

 

O que isso me traz?

 

Paz. Exatamente o que o mundo me tira.

 



terça-feira, 3 de junho de 2025

O QUE É A VIDA?



Em setembro farei sessenta anos. Mas quando penso na vida, me sinto como se tivesse quinze ou dezesseis, porque apesar de todos esses anos desde que nasci, não consegui entender o que é a vida ou sequer o que move as pessoas a fazerem o que fazem ou serem como são. Não entendo como, dentro de uma mesma casa, criam-se pessoas que se tornarão adultos tão diferentes uns dos outros.

Também não entendo o que faz uma pessoa comparar-se a outra(s), e desejar derrubar alguém só porque essa pessoa sabe fazer algo que ela não sabe, ou talvez seja mais bonita/mais jovem/mais rica, etc..., ou qualquer outra coisa que só a comparação invejosa pode enxergar. 

Eu gosto de pessoas mais inteligentes do que eu; através delas, eu aprendo. Acho fascinante alguém que saiba de alguma coisa que eu não sei. Sempre, desde criança, admirei as pessoas inteligentes e procurei melhorar um pouco, não através da comparação com elas, mas através da inspiração que elas me proporcionam. 

Todo mundo tem um talento especial, todos sabem alguma coisa que podem ensinar e que os tornam únicos. Isso é inquestionável. Mas existem tantos talentos naturais desperdiçados, porque aqueles que deveriam desenvolvê-los estão preocupados tentando ser outra coisa para a qual não nasceram. Alguma coisa que, segundo eles mesmos, os tornaria "melhores" que alguém ou lhes traria alguma projeção. E quando não conseguem, passam a difamar, odiar ou invejar aqueles que possuem tal talento.

O que é a vida? 

Alguns dizem que ela é uma escola, e que cedo ou tarde, todo mundo aprende o que tem que aprender. Outros acreditam em reencarnação, e ainda outros não acreditam em absolutamente nada, a não ser no acaso. E ninguém sai daqui sabendo, de verdade, se está certo. Até hoje, não conheço ninguém que tenha morrido e voltado para contar como é do outro lado - se é que existe um outro lado. Eu acredito que sim, mas não posso afirmar que eu tenho certeza, pois a mente prega peças e nos faz ver o que queremos ver. É como se o cérebro criasse 'provas' que suportassem nossas crenças para que possamos ser mais equilibrados.  

Então, o que é a vida? O que move as pessoas? 

Por que fazemos tantas guerras se seria bem mais fácil e melhor vivermos em paz? Por que estudamos tanto e não aprendemos o que realmente importa? Por que somos competitivos, amargos, invejosos? Por que tantas famílias são desunidas? Por que existem tantas pessoas que, deliberadamente, maltratam animais? 

Por que somos tão cruéis?




 

ENCONTRO MARCADO

 

 

Às vezes, me vem em sonhos,

Cabelos em tons de sépia

Um tom de voz que nem me lembro

Um olhar sempre distante,

Perdido em lugares ermos.

 

Está diante de mim,

Ao mesmo tempo, distante,

E ao segurar minha mão,

Me conduz a um lugar

Que fica sempre adiante,

Mas que eu não posso entrar.

 

Se me fala, o faz sempre

Com os lábios bem cerrados.

A paisagem da distância

No olhar envidraçado.

 

E quando acordo, mal lembro

Daquele encontro marcado

Sem ter hora e sem saudade,

Entre o meu tempo e o outro tempo,

Um caminho enviesado,

Marcado na eternidade.

 

Ana Bailune

MEMÓRIA

 





Uma tarde morrente.

As últimas luzes tentam iluminar a mesa da cozinha.

A mulher se debruça ao acaso

Sobre as folhas de jornal que embrulhavam os ovos:

Velhas notícias.

 

Chia a panela de pressão

Enquanto a menina tenta terminar as tarefas da escola.

Mãe e filha ausentes,

Cada qual no seu mundo;

Um mais colorido, outro mais profundo,

Tão profundo, que ela se agarra às boas lembranças

A fim de não se afogar.

 

A criança, em seu mágico mundo da imaginação,

Entre noves fora e multiplicações

Olha para fora, para as folhas do coqueiro na casa vizinha,

E cria esta memória.





 

 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

NOSSA CASA AGORA É VERDE

 




Depois de mais de vinte anos vivendo na casa terracota, nós agora vivemos na casa verde. Escolhemos essa cor depois de muitas dúvidas. Acho que ela reflete nosso momento atual, de muitas mudanças, novidades e esperanças.

Em 2025 eu mudo de década - chego aos sessenta. Meu marido chega aos 61. Tantas coisas andam me acontecendo nesse período! Ando ressignificando meu trabalho - pretendo diminuir o ritmo a partir de 2026, para que eu tenha mais tempo de me dedicar ao que eu gosto - escrever, ler, estudar o tarô, aprender um novo idioma, viajar, participar dos blogs e cuidar dos meus sites, incluindo o site onde moramos.

Enquanto isso, tenho tido sonhos estranhos à noite, e ando relembrado pessoas que fizeram parte da minha vida há anos e anos e que nunca mais vi, a memória trabalhando a mil (deve ser da idade), mas sem saudades, apenas reflexões. Não sei onde essas pessoas estão, e nem gostaria de saber, porque não faz sentido. 

Tenho enterrado meus mortos, finalmente. E tenho dado a mim mesma o direito de dizer não ao que sempre me feria, aprendendo a não cair mais nas mesmas armadilhas, limitando interações com pessoas que me machucaram e que provaram, mais de uma vez, que não são confiáveis.

Acho que quem atinge uma certa idade e não cuida dessas coisas, não aprendeu a se respeitar.

Nossa casa agora é verde, porque o verde é a cor da cura, da renovação.





O PADRE É POP?

 



 

“Estou pensando em largar tudo,” ele afirmou. E espero que largue mesmo.

Em primeiro lugar, largue a batina. Largue também as convenções sociais e assuma-se como é. Largue a necessidade de validação através de outras pessoas, e largue essa vaidade e esse ego imensos que tomaram conta de você. Largue a imagem de padre que ainda permanece apenas para encher estúdios e lotar shows. Largue da necessidade de postar cada coisinha sobre sua vida pessoal, pois nesse mar de tubarões, o que mais atrai é sangue.

Largue tudo isso, e seja apenas o que é: um excelente escritor e influencer digital. Um ser humano cheio de falhas e defeitos como qualquer um de nós, mas que tenta acertar e se encontrar. Só que ninguém se encontra negando aquilo que é, mentindo a si mesmo e a todo mundo. E nesse Leito do Eterno Desencontro é onde se deitam a depressão, a síndrome do pânico e a ansiedade.

Largue tudo isso. Largue-se. Seja feliz.





quarta-feira, 30 de abril de 2025

LIBERDADE

 

 






O que não brota de dentro

Não cresce do lado de fora.

Por vezes, será preciso

Regar com o próprio sangue

A fraca raiz que chora,

Para que um dia, o riso

Possa nascer sob os lábios

Que hoje em dia, se crispam.

 

É preciso dizer não,

É preciso ir embora,

Gritar ao mundo o que dói,

Por sobre o medo que aflora

Para que os que ficam, possam

Em um futuro longínquo

Viverem tempos de glória.

 

É preciso ter coragem,

E isso não é tão fácil...

Existem foices que cortam

Sempre que alguém ergue um braço.

Que possa haver, mesmo assim,

Uma voz, uma canção

Que possa escrever um “fim”

Sobre o que foge à razão.

 

 

 

Ana Bailune

terça-feira, 22 de abril de 2025

CALADA

 



 

É que às vezes

Me bate um cansaço

Que estanca o passo,

Paralisa o olhar,

Afrouxa o laço.

 

Um enorme cansaço

De ter que explicar,

De fazer a memória

Esquecer

Para poder continuar.

 

Não é que ainda doa,

Pois a pele frágil

Já cicatrizou,

E a dor que doía

Do espinho nas solas

Há muito passou.

 

É apenas cansaço

Ao ouvir um “Por que?”

E saber que a resposta

Daria outra história...

Tão longa e absurda

Seria a estrada

A se percorrer!

 

E assim, a palavra

Escorre entre os dentes,

Jaz, dependurada

Na ponta do lábio,

E tomba, calada

No meio da rua

É pisoteada,

E silenciada

Antes de ser dita,

Antes de dizer.





 

 

 

 

 

quarta-feira, 9 de abril de 2025

O MEDO


O MEDO

 

O medo é uma voz que grita,

Mas só a ouve quem teme.

Mas quem a teme, disfarça

O coração que se esgarça,

A voz sumida, que geme.

 

O medo é um passo perdido

À beira do desabrigo.

Não tem coragem de ir,

Também não pode voltar.

Os pés, suspensos no ar,

Sobre a estrada, divididos.

 

O medo escreve uma história

Que a vítima não quer ler.

Enquanto prega a coragem,

Atrasa a própria viagem

No afã de não morrer.

 

O medo é a mão que apedreja

Porque não sabe viver.

 

 

Ana Bailune

terça-feira, 1 de abril de 2025

ESFORÇO




 A vida demanda esforços. Nem tudo vem fácil, mas tudo vai fácil.

Começar nem sempre significa ter tudo prontinho, preparado, com todas as cartas na mesa. A gente começa com o que tem, e pronto. Com o tempo, vamos acrescentando outras coisas, melhorando, crescendo. E de vez em quando poderá haver reveses. Daí a gente volta, respira, olha para o que perdeu, aprende, respira fundo... e recomeça.

Pensando na vida, me lembrei de quando comecei a trabalhar de casa: eu dou aulas de inglês, e tinha acabado de sair de um curso após quatro anos de trabalho e dedicação e zero reconhecimento por parte dos meus empregadores. Antes, tinha trabalhado por seis anos em um outro curso do qual saí pelos mesmos motivos. 

Estava tão insatisfeita, que deixei tudo para trás, saí cheia de dívidas e sobrevivi do seguro desemprego durante alguns meses. Eu acordava cedo e ia para a varanda da minha casa enrolada em um cobertor, ainda no escuro, e esperava o sol nascer. Lá eu pedia a Deus ou a alguém que estivesse me ouvindo que me mandasse uma resposta. Não tinha a menor ideia sobre o que iria fazer da minha vida.

Meu desgosto com a profissão era tão grande, que pensei em deixar de ser professora de inglês. Porque os cursos exigiam formação disso e daquilo, cursos de business English, aulas fora do ambiente do curso. E não queriam financiar nada, nem pagar melhor por isso.

E finalmente, após quase cinco meses, alguém escutou as minhas preces. Uma ex-colega de trabalho me ligou, me oferecendo um aluno. Minha insegurança atravessou o caminho e foi logo dizendo 'Não!' Afinal, eu não tinha computador, não tinha material, não tinha um local. Mas mesmo assim, ignorei meu bom senso e decidi aceitar o aluno. E ele me trouxe outro aluno, que me trouxe outro, e outro... comprei meu primeiro computador - um Positivo basiquinho que paguei durante um ano e que durou três anos - acrescentei uma impressora, montei uma salinha de aula em um quarto de hóspedes que foi transferido para o segundo andar da casa. Mais tarde, comprei um computador melhor. Isso começou no ano de 2001.

Continuei dando as aulas em casa, na minha salinha de aula, e às vezes eu tinha muitos alunos, às vezes, poucos, mas sempre tinha.

Veio a pandemia, e perdi todos - eu disse TODOS - os alunos que eu tinha. Ninguém mais podia sair de casa. Foi então que um aluno me sugeriu dar aulas pela internet. É claro que meu bom senso foi logo dizendo 'Não!' Você não tem uma boa conexão de internet, não sabe usar os aplicativos, etc, etc..., mas ele (o aluno) resolveu me ajudar e me ensinou. E aos poucos, meus alunos foram voltando e novos foram se juntando. Coloquei uma conexão melhor, e recomecei.

Já tive alunos na Itália, Canadá e até na Suécia. Não há limites para o trabalho online.

E lá se vão quase 21 anos dando aulas em casa - cinco pela internet. Nunca me arrependi de ter saído do mercado de trabalho convencional. Mas eu tive que começar. E comecei apenas com algumas folhas de papel e uma máquina de escrever velha. Era o que eu tinha. Mas eu também  tinha conhecimento e boa vontade, e nenhum medo de trabalhar.

Aprendi que muitas vezes (quase sempre) a gente vive uma vida ruim por termos medo, por acharmos que o que temos é tudo o que podemos ter. Nos vitimizamos, nos colocamos para baixo e jogamos obstáculos em todas as oportunidades que aparecem. Mas eu tive coragem, e tive pessoas que me ajudaram: o apoio do meu marido para deixar o emprego, a indicação de um aluno por minha colega, a boa vontade de um aluno ao me ensinar a trabalhar pela internet. A todos eu sou grata.


O que não adianta, é alimentar o medo, a preguiça, o desânimo e as desculpas esfarrapadas que inventamos para nós mesmos.




sexta-feira, 21 de março de 2025

CINCO QUILOS

 


 

 

 

No seu conceber,

Cinco quilos me separam da esbelteza.

Cinco passos, até que eu seja

O 'eu'

Que você deseja.

 

Cinco meses, ou semanas, talvez,

Até que eu preencha as demandas

Que você me fez.

 

Mas tudo isso é uma questão

De ponto de vista.

Quem sabe, eu seja para mim

Finalmente, o que eu sempre quis?

 

Quem sabe, no seu coração

Não seja você mesmo

O real motivo

Da sua insatisfação?

 

.

 

.

 

.

 

 

 

Quem vive para preencher as expectativas alheias tem um sério problema.



quinta-feira, 20 de março de 2025

IMPORTÂNCIA




IMPORTÂNCIA

 

 

Apague meu rosto, não hesite.

Vire a página

À minha irrelevância.

 

Não é importante para mim

O que pensas 

Sobre a minha importância.

 

A cada manhã, eu renasço,

Filha da mesma

Inconstância.

 

E a cada noite, eu me apago,

Sem qualquer desejo

De rutilância.

 

 

 

Ana Bailune

 

PERFIL

 




PERFIL

 

De frente, de lado,

Sorrindo, Calado,

Pensando num ponto

Cantado.

 

Tem gente que passa,

Os rostos virados,

Tem gente que teme

Mau-olhado.

 

Tem gente que lembra,

Tem gente que esquece,

Tem gente que sopra 

Uma prece.

 

O rosto amarelo

Queimado, bem preso

Na velha moldura

Ovalada.

 

Já nem se vislumbram

Os traços gravados;

Um dia, nasceu,

No outro, finado.

 

Um dia, não sobra

Nem mais uma alma

Que saiba quem está

Sepultado.

 

 

 

 

 

Ana Bailune


CONSELHO

 



Conselho 

 

 

Não olhe jamais

Através do buraco da fechadura.

Não queira ver

O que os outros não querem mostrar,

Pois a inocência é um mar de branduras,

E no saber

Não cabe o recolhimento de um olhar.

O que você vê

É o que saberá,

A vida toda.

Não há como voltar.

 

 

 


QUANDO O INUSITADO NOS VISITA

 

 




Sempre apago meus e-mails – recebidos e enviados, lixeira e spams. Isso economiza espaço no Google, e por isso venho fazendo isso desde sempre. Porém, mesmo que eu não os apagasse, o próprio Google os apagaria de tempos em tempos.

 

Na última sexta-feira, ao tentar acessar meus e-mails do computador, percebi que minhas duas contas do Google tinham sido desvinculadas. Deu um trabalhão para consertar tudo: coloca impressão digital, troca senha, recebe código no telefone... enfim, consegui normalizar as coisas.

 

Mas ao acessar minha caixa de “enviados” a procura de um e-mail que eu enviei a um de meus alunos, ela estava lotada de e-mails que enviei nos anos de 2007 a 2013! Até mesmo minha aluna que trabalha na área de T.I me afirmou que a chance de algo assim acontecer é... nenhuma. E-mails tão antigos, após apagados, não retornam do além.

 

Bem, por curiosidade, fui olhar o que eles continham. Embora os anexos tivessem se perdido, as mensagens e trocas de e-mails ainda estavam lá. E foi uma enxurrada de lembranças me assolando de repente. Havia e-mails concernentes à perda do meu sobrinho em 2011, respostas a comentários que recebi aqui no Recanto das Letras, inclusive de pessoas que já se foram, como Cássia da Rovare e Kathleen Lessa. Muitas lembranças. Havia até mesmo e-mails trocados com desafetos daquela época.

 

Como eu não acredito em coincidências, fiquei me perguntando o porquê destes e-mails terem surgido assim, tão de repente.

 

Existem coisas que a gente acha que superou, só que não. Fiquei algumas horas relendo alguns daqueles e-mails. Pelas minhas contas, são mais de duas mil mensagens! Por que o passado pulou na minha frente desse jeito? Será que existe alguma coisa (ou alguém) que estou negligenciando? Alguma lição que a vida esfregou na minha cara, mas eu não aprendi?

 

Sigo relendo aqueles e-mails. O mais estranho, é que eu já nem me lembrava mais da maioria daquelas pessoas e acontecimentos. Rever uma dor muito grande, como a perda do meu sobrinho e a perda meus dois cães logo em seguida, me deixou um tanto pensativa. Já não dói mais; o tempo tratou de curar as feridas. Mas ficaram muitas lembranças que estavam trancadas lá no fundo da minha memória antes da releitura daqueles e-mails. Eu tive que trazê-las para fora, limpar a casa. Foi como encontrar um velho computador anos depois de ele ter sido descartado, e ver que ele ainda funciona, e que tem muitas coisas na memória.

 

Muitas perguntas que não foram respondidas naquela época continuam sem respostas, o que me leva a concluir que algumas coisas não são para a gente ficar sabendo. O que vai embora tem que ir embora. A gente precisa soltar, porque nunca mais vai voltar. A dor precisa ir, mas as coisas que ela nos ensina precisam ficar.




 



segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

AQUELAS CIDADEZINHAS À BEIRA DA ESTRADA

 





Capim, capim, capim. Algumas árvores ressecadas. Chão de barro, poeira, poeira, poeira. Calor. Calor infernal, impossível de ser suportado por qualquer pessoa normal. Várias casinhas em péssimo estado de conservação. Elas são pequenas, muito pequenas e muito sujas. As janelas estão quebradas, e dá para ver que em algumas delas ninguém mora. Quem morou ali, e por que as abandonou? Será por causa do calor?

Em alguns trechos, há mais verde. Colinas se estendem até onde os olhos alcançam, salpicadas de manchas brancas: vaquinhas. As vaquinhas se escondem do sol do meio-dia amontoadas sob as árvores. As casinhas aqui parecem mais alegres, embora o calor seja igualmente insuportável. As cercas brancas de madeira servem também para enfeitar.

Olho para os animais e sinto uma pena enorme deles, por terem que viver ali. Às vezes, aparece um cachorrinho magro, cambaleando, entregue à própria sorte. Não há água ou comida à vista. Não podemos parar para acudi-los. O que fazer? Colocá-los todos dentro do carro e trazê-los  para casa? Alguns são atropelados e mortos. Passamos por um grupo de urubus que devoravam um gato.

As pessoas sentam-se às portas dos pequenos bares em ruínas que parecem que vão desmoronar a qualquer momento. Olham a estrada. As mãos estão estendidas sobre as próprias pernas em uma atitude de submissão. Muitos usam camisas abertas de tecido encardido, e outros apenas shorts. Nós passamos, e eles nos encaram.

Calor, calor, calor. O vapor que sobe do chão é visível aos olhos. Aposto que as cervejas que tomam ficam quentes em menos de cinco minutos. Resta-lhes os copinhos de cachaça.

Ao longo da rodovia, eles vendem de tudo: panelas de barro, mariolas, enfeites para jardim de gosto duvidoso, água, bananas, pipocas, biscoitos de polvilho, redes de dormir. Debaixo do sol escaldante, eles exibem suas mercadorias. Minha vida e a deles são dois pontos totalmente distantes. Olho aqueles rostos sabendo que nunca mais os verei, e eles me olham de volta.

A estrada se estende diante de nós. Passamos por trechos onde as casinhas são melhores – as portas e janelas são feitas de alumínio galvanizado, e tem até  quintalzinho com cerca. Mas apesar do capricho, fico pensando no quanto a vida dessas pessoas é sacrificada, no quanto elas devem trabalhar em locais longínquos, as conduções que precisam tomar para chegar ao trabalho e depois novamente em casa. Eu olho as ruazinhas paralelas que se estendem mato adentro. Algumas, de chão de terra, desaparecem entre a poeira, o calor, o matagal e as colinas. Lá longe, quase se perdendo de vista, às vezes  dá para ver que existe uma cidade, pois há telhados e prédios baixos. Apesar do ar condicionado do carro, o sol bate nas pernas. Faz calor, calor, calor.

Ele me pede um gole d'água, e eu estendo a garrafa. “Estamos quase chegando à BR. Preste atenção nas placas.” A apenas algumas horas fica a nossa casa. Nosso paraíso verde nas montanhas.

Mas há um engarrafamento, e precisamos ir mais devagar. Uma longa fileira de carros brilhando ao sol na nossa frente. A cor do ar é cinza. O céu azul é encoberto por uma camada de poluição. Os prédios e casas em ruínas estão pichados, e as janelas, quebradas. As ruas paralelas são escuras e desertas, e me fazem pensar que talvez o inferno seja assim, uma estrada de asfalto quente bem no meio do nada.

As pessoas esperam nos pontos de ônibus, os rostos desanimados. Algumas mulheres carregam sombrinhas. Pessoas  passam em suas bicicletas que deslizam sob o sol. Penso: como eles conseguem, meu Deus?

Ali, uma pequena escola. Um condomínio de prédios que tem até piscina bem ali, no meio daquela feiura. Fábricas, mercados, uma universidade em construção. O rei dos móveis. O rei dos autos. O rei das plantas. O rei das carnes. Depois, um trecho de estrada reta, reta, reta, até cansar. Nada em volta, a não ser o mato seco pronto para pegar fogo. O calor parece querer nos agarrar, e aceleramos.

Penso que não suportaria viver em um lugar tão quente e tão poluído. Sou do mato. Sou do frio das montanhas. Talvez aquelas pessoas pudessem pensar da mesma forma se vissem onde moramos: “Como eles conseguem viver no meio dessa friaca? Deus me livre! Olhem, não tem um supermercado pertinho! E essa chuva toda, que horror!”

Finalmente, vemos a placa: “Petrópolis.” Suspiramos, aliviados. A subida da serra está a apenas alguns minutos. Apesar de fazer calor também, é um calor diferente, que não sufoca, que não ameaça. Um calor verde. Tem cheiro de plantas, de água escorrendo, e o céu é azul brilhante. Cigarras acompanham a nossa subida. Pássaros e saguis parecem comemorar a nossa chegada. E quando passamos pelo centro da cidade, uma tempestade de verão desaba, aguando tudo, refrescando as plantas, e percebemos que o termômetro do carro desceu 14 graus desde que começamos a nossa jornada.

Lar, doce lar. Não, isso não é um cliché. Mas se for, é o melhor cliché do mundo.




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