witch lady

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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A VITÓRIA DO MAL

 


Ao amanhecer do primeiro turno, acordo com um gosto metálico na boca, cansaço e uma sensação de desânimo. E não, não é covid. Olho em volta e percebo que as árvores estão no mesmo lugar, os passarinhos cantam do mesmo jeito e a minha montanha continua lá, onde sempre esteve, muito antes que eu e minha geração viéssemos a existir. E o céu ainda é essa imensidão misteriosa – hoje coberta por uma macia névoa branca.

Mas essa sensação terrível já me acompanha há algum tempo, é como se eu fosse continuamente seguida por alguém me dizendo o tempo todo: “Não adianta. Essa trégua é temporária.”

Assistindo ao primeiro episódio de O Senhor dos Anéis na Prime Video, muito me impactou a frase de um personagem, uma "elfa" guerreira:

A cena mostra que  ao redor dela havia apenas paz, beleza e cascatas brilhantes caindo em rios cristalinos. Os outros elfos zombavam dela porque, desde a última batalha contra os Orcs que aparentemente, tinham sido derrotados, ela jamais descansava: sempre atenta, sempre de olhos abertos e coração fechado, esperando por algo que todos consideravam exterminado.

Um de seus amigos elfos diz a ela que já estava na hora de relaxar, voltar à paz da Terra dos Elfos, afinal, o Mal tinha sido derrotado. E então ela responde: “Evil never ends. It hides.” (“O Mal não acaba nunca. Ele se esconde”).

Sinto que estamos vivendo exatamente a mesma coisa. Temos aí, iminente, o retorno do Mal. Acho que negligenciamos o poder dele, o tempo todo, achando que por termos vencido uma batalha, tínhamos vencido a guerra. Acreditamos que o poder vem de Deus, que não deixaria coisas ruins acontecerem, quando na verdade, a própria Bíblia nos manda orar e vigiar. Descansamos sobre os louros. Deixamos que o mal comesse pelas beiradas, achando que jogar “dentro das quatro linhas” com quem sempre rouba no jogo nos faria vencer. E estamos perdendo. E vamos perder.

Tínhamos que ter chutado o pau da barraca lá atrás, tínhamos que ter sido mais fortes. Menos falatório e ameaças, mais ação. Não adianta usar verde e amarelo achando que afirmações como “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” nos manteriam a salvo. Não dá para ser bonzinho no inferno, combatendo capetas.

E sabem o que vai acontecer? Bolsonaro vai perder e Lula voltará à cena do crime. Temos pouco tempo para continuar dando nossas opiniões, pois dentro em breve, tudo será censurado. Estamos vivendo o último mês de nossa pseudoliberdade de expressão, que daqui por diante será censurada, simples e diretamente.

Estamos nos aproximando cada vez mais de situações como as que vivem outros países – Argentina, Chile, Venezuela, Bolívia, Nicarágua. Você que ama seus cachorrinhos e gatinhos, esconda-os enquanto pode, pois logo poderão virar comida na sua mesa. Faça um grande estoque de comida e papel higiênico: vai precisar. Não se esqueça de comprar velas, fósforos e um fogareiro para cozinhar.

Acham que eu estou exagerando? Aguardem.

 

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

SOLTA



Eu deixo meus olhos livres

Na paisagem da montanha.

Foco no pôr do sol, 

Presto atenção no vento 

Que passa brincando entre as lâminas

Do gramado. 


Guardo bem dentro de mim 

Tudo o que me constrói,

Deixando do lado de fora

As opiniões, os conceitos 

E as malfadadas setas.


Decidi que não sou alvo,

Mas sim a flecha certeira

Que mira nas nuvens, nas estrelas,

Nas gotas de chuva que formam  alvos

Dentro dos plácidos lagos.


O meu pensamento volátil

Me salva dos robustos monstros,

Me eleva por cima das ruínas

Onde se mexem as criaturas

Que catam no lixo da vida

Seu alimento.


Não acho que eu seja melhor,

Apenas fiz minha escolha

Baseada em equidade:

Um caminho mais vazio, por fora das bolhas,

Bem longe daquilo que chamam

De  vida em sociedade.


Não peço a ninguém que me entenda,

Muito menos, que me sigam;

O meu caminho é o mais difícil,

É só para quem não tem medo

De adormecer sozinho

No degredo.


Ah, criaturas que se mexem

Envoltas em suas ataduras!

Se ao menos olhassem as costas

Que me voltam, nas junturas,

Descobririam, estupefatas,

O nascer das próprias asas!








quarta-feira, 21 de setembro de 2022

EU

 




Eu tenho passado por mim

Inúmeras vezes

Ultimamente.

Estanco meu passo de repente

Fitando a minha imagem que passa,

E ela segue seu caminho

Indiferente.

 

Às vezes, não me reconheço,

Embora eu saiba que ela

Sou eu.

Mas ela vive em outro tempo,

O qual não mereço

E ao qual não mais pertenço.

 

Fantasmas seguem seus passos,

Mas ela, cansando-se deles,

Joga-lhes algumas migalhas,

Tralhas do inconsciente,

Que  eles, de joelhos,

Colhem  pelo chão.

 

Eu tenho dela saudades,

Mas sei que é um amor platônico

-Sempre foi, sempre tem sido,

Sempre será,

Pois os passos de quem fui

Jamais voltam no caminho,

Não olham para trás.

 

Eu tenho passado por mim

Inúmeras vezes

Ultimamente,

E quando eu me olho, compreendo

Que preciso aprender

A me esquecer,

A me deixar ir.




 

 

sábado, 17 de setembro de 2022

BIBELÔ

 



 

Todo dia eu amanheço,

Solto meu canto de dor.

Há quem diga que é alegria,

Há quem diga que é amor.

 

Pulo de lá para cá,

Olho de cá para lá

A paisagem limitada

A que alguém me condenou.

 

Minhas unhas, tão pequenas,

Crescem mais do que deviam,

Enrolam-se feito um fio

Na prisão das minhas penas.

 

Crime algum eu cometi,

Mas fui sempre condenado,

E me deixaram aqui

Esquecido, malcuidado...

 

A minha pequena história

Se arrasta sem piedade,

Não tenho nenhuma saudade,

Já que nunca tive vida...

 

Jamais haverá saída

Para tanta solidão!

Pois enquanto os outros voam,

Só mingua meu coração...


Por minha pequena ração

Diária, jamais serei grato...

Queria colher lá no mato

Aquilo que eu desejasse.

 

Meus sonhos são sobre um dia

Que alguém mais distraído,

Deixaria a porta aberta

E eu, então, escaparia!

 

Todo dia, a mesma sina,

Arremedo de alegria,

Pois alguém prendeu meu canto

Nessa sala tão vazia!

 

Sou um mero bibelô,

Objeto articulado

Sem futuro, sem passado,

Vítima da vaidade

 

Ou quem sabe, da crueldade,

De alguém frio e covarde

Que me usa para alívio

Da sua infelicidade?

 



 

METAVERSO

 



Estive assistindo a alguns vídeos sobre a grande novidade do momento, o Metaverso  (ou seria a Metaverso? Sei lá...). E se você pensa que isso vai demorar para chegar até aqui, é porque com certeza ainda não reparou que, todas as vezes em que você abre seu Instagram, Facebook  ou Whatsapp, ele está lá: um ícone em formato de lemniscata, um símbolo da geometria sagrada que representa o infinito.




Em um dos vídeos que assisti, a protagonista decidiu passar 24 horas utilizando os aplicativos do Metaverso. Ela foi a festas virtuais, participou de reuniões de negócios, seguiu um programa fitness, jogou video games... e até tomou o café da manhã no alto de uma montanha acompanhada por um lhama, que pastava calmamente ao seu lado. Bem, não se pode parar o progresso. E como não desejo ser uma daquelas velhas chatas que não sabem sequer lidar com um celular, vou me atualizando.

Adoro tecnologia, e acho que ela veio para melhorar a vida das pessoas em muitos aspectos, desde saúde e entretenimento até qualidade de trabalho. Porém, nós, os humanos, temos os dedos podres que transformam coisas maravilhosas em grandes porcarias com um simples estalar de dedos. E o grande perigo do Metaverso, na minha leiga opinião, é que as lhamas virtuais e as montanhas de bites substituirão as reais. Pessoas de brinquedo substituirão pessoas de carne e osso. Passaremos horas e horas com aqueles enormes e desconfortáveis headsets (que, acredito, logo serão tão pequenos quanto qualquer par de óculos) na cara, vivendo uma realidade que não existe. Mas... quem pode definir o real do irreal? Uma coisa não se torna real a partir do momento em que foi criada?

Ainda temos muito chão pela frente até que possamos definir as vantagens e desvantagens da vida virtual. Eu por enquanto prefiro o cheiro das montanhas reais, e o toque da grama real nas pontas dos dedos. Gosto de sentir o sol real na minha pele, e andar sob a chuva de água real. Amo conviver com pássaros reais, flores reais, lua e estrelas reais. Nada como sentar lá fora à noitinha e escutar grilos reais, e ver vagalumes reais.

Quem sabe, em breve alguns de nós estejamos protestando em ruas virtuais pela volta da vida real?






quinta-feira, 8 de setembro de 2022

7 de Setembro

 



 


Há muito tempo eu não via uma manifestação patriota nas dimensões da que eu vi ontem. Todos os que estavam presentes o fizeram de livre e espontânea vontade. Finalmente, parece que o povo está aprendendo a valorizar o Brasil. Somos um grande país, mas infelizmente, muitos falam mal de nós lá fora (triste que sejam os próprios brasileiros que façam isso) e dão a todos uma ideia errada sobre nossa grandeza, quando deveríamos nos orgulhar do país maravilhoso que temos. 

Ao visitar alguns países da Europa, voltei para cá achando que nós temos muito, mas muito mais do que eles jamais tiveram. A diferença, é que eles valorizam cada coisa que possuem, enquanto nós não o fazemos - ou não o fazíamos. Os europeus e americanos acreditam que são grandes, e assim, cresceram. Agora espero que seja a nossa vez de mudar nosso "mindset" e começarmos a acreditar no Brasil.

E justamente por acreditar em meu país, jamais darei meu voto a quem o parasitou e depredou por anos. Jamais votarei em um ladrão redimido por um oportuno buraco na lei. Talvez as demais escolhas não sejam aquilo que eu sonhei, mas qualquer uma delas será melhor do que "reeleger um ladrão para que ele volte à cena do crime," como alguém bem já disse. 

Os resultados das pesquisas eleitorais não são verdadeiros, e não refletem a vontade da maioria. O povo nas ruas é bem mais eloquente do que qualquer pesquisa. Se alguns reclamam que o presidente transformou o 7 de Setembro em comício eleitoral, eles têm  razão, pois isso foi justamente o que ele fez; mas as pessoas que lá estavam compareceram por livre e espontânea vontade (ou necessidade). Os críticos deveriam lembrar-se que é bem mais digno fazer campanha eleitoral no 7 de Setembro a transformar o funeral da própria esposa em palanque.


É o que eu penso.


 



 



segunda-feira, 5 de setembro de 2022

ELA




Ela era uma nuvem que passa e ninguém vê,

Um poema épico que ninguém jamais leu,

Escrito à sangue no coração de Deus.


Uma pena soprada por um vento em desatino,

Folha temporã caída da árvore do destino,

Fruta  tão doce que ninguém colheu.


Ela era uma passagem bem no meio do tempo,

Que levava do Nada à Plenitude,

Mas que muitos temiam como a finitude.


Ela tinha cores claras e sempre discretas

Que compunham suas vestes na dor e na festa,

No rosto,  o mesmo riso ante o sol e a tempestade.


Ela não compreendia o que era saudade,

Pois nuvem que passa se derrete e vira rio,

E o frio se transforma novamente em verão.


Ela era o ‘sim’ que se escondia no ‘não’,

O doce reencontro após um amargo adeus,

A canção das estrelas em lenta escansão.


E ela sempre passava, e passando, ninguém via,

Ela era a eternidade vivendo em um só dia,

Era o som da palavra que ninguém ouvia.


E até hoje ela passa, e passando, se vai

Entre passos, poemas, e letras, e estradas,

Deixando as pegadas que nós, distraídos,

Com os pés, apagamos, até não restar nada.








terça-feira, 23 de agosto de 2022

SabatiNADA




Finalmente, após um longo tempo perdendo credibilidade e espectadores, a moribunda Rede Globo de televisão alcançou um grande nível de audiência na noite passada ao sabatinar o atual Presidente da República e candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro.

Até mesmo seus mais ferrenhos opositores estavam assistindo -  e nem adianta dizerem o contrário.

Bem, como espectadora da sabatina e eleitora de Bolsonaro, eu esperava bem mais. Achei que ele fosse colocar os dois jornalistas no bolso como ele fez na última vez em que esteve lá, mas o que eu vi foi um Bolsonaro inseguro, muito pálido, hesitante e educadinho demais. Com certeza, ele teve que pegar mais leve devido às coisas que ele disse no passado, e que ainda tiveram grande repercussão em sua sabatina, mas poderia ter previsto isso e preparado melhor as respostas.

Por outro lado, Bonner e Renata não se referiram a ele nenhuma vez como Presidente da República (ela chegou a referir-se a ele como “Presiden...” mas logo se corrigiu), mas apenas como candidato, o que eu achei de uma imaturidade gritante; queiram ou não, ele é o Presidente. As caras, bocas  e olhares de desprezo e escárnio de Bonner me deram náuseas. O tempo todo, os entrevistadores se colocaram em uma posição superior, o que na minha opinião pegou muito mal, já que quando se convida alguém para sua casa, deve-se se tratar tal pessoa com respeito, seja ela quem for. As perguntas em si foram quase todas infantis, baseadas em ranços do passado e alimentadas por afirmações impensadas do próprio Bolsonaro, ao invés de coisas mais concretas que o povo realmente gostaria de saber. No final dos 40 minutos de sabatina, deram ao Presidente apenas um minuto para as suas considerações finais.

Minha impressão: a sabatina foi podre em perguntas e fraca em respostas. Não acho que Bolsonaro tenha ganho ou perdido eleitores. Não acho que Bonner e Renata foram bem – na verdade, foram péssimos. Foi um triste e insoso espetáculo, totalmente tendencioso, onde jornalistas cegos por ideologia fizeram perguntas idiotas a um candidato amedrontado. Bonner e Renata se esqueceram de que o objetivo de uma sabatina como essa é o de esclarecer seus espectadores, e não de tentar humilhar o sabatinado. Já Bolsonaro perdeu a chance de fortalecer sua imagem junto aos eleitores que já possui e de angariar eleitores indecisos.

Porém, diante das possibilidades que se apresentam no horizonte, prefiro votar novamente em Bolsonaro a eleger um comunista ladrão e criminoso. Não quero ver meu país nas mãos de pessoas totalmente desqualificadas, e não desejo ver acontecer aqui o que tem acontecido em países como Guatemala, Bolívia, Chile, Argentina e Cuba.


 


 




terça-feira, 16 de agosto de 2022

AS PRINCESAS CANSADAS

  

 





Lá estão elas:

Entre pratos e panelas,

Vassouras de palha,

Canteiros de flores,

No pregão da feira,

Ônibus lotados,

Trânsito caótico,

Crianças chorosas,

Maridos sentados 

Com olhos pregados

Nas faces das telas

 

 

Cotovelos colados

Nos beirais das janelas,

Elas olham a vida

E esperam que a vida

Também olhe para elas...

 

As princesas cansadas

Anônimas fadas

Bruxas disfarçadas

Sentam-se, desoladas

Nos degraus das escadas...

 

Lá estão elas,

Cartazes em punho

Procuram motivos

Direitos, pedidos 

A reivindicar.

- Não por convicção,

Mas por necessidade

De alguma emoção...

 

Algumas  disfarçam 

As mãos calejadas 

De torcerem as roupas

(Pois são liberadas)

Mas lavam calçadas,

Apontam cadernos

Com dedos compridos,

Ensinam lições 

A todos os filhos

(Quem sabe, aos maridos).

 

As princesas cansadas

Ajeitam as mechas

Caídas na testa;

Esmaltam as unhas,

Afiam as garras,

Se cobrem de trajes

Modernos e belos,

E limpam as casas

E quaram as roupas

Na parte escondida

Dos velhos castelos.

 

Há Brancas de Neve

Que sempre adormecem

Em caixões de vidro

Sonhando que um dia

Serão despertadas

Por um cavaleiro

De berço tão raro,

E um dia, despertam

Um tanto assustadas

Sob as duras patas

De um grande cavalo.

 

Há belas donzelas,

Sapatinhos de vidro

Um tanto apertados,

Assistem às novelas

Essas Cinderelas

Sonhando sandálias

Ou até quem sabe,

Bem secretamente,

Terem pés descalços...

 

Princesas cansadas,

De de dentro das casas

Elas se observam 

Das suas janelas:

"Quem é a mais bela,

A mais liberada?

 - Aquela parece

Estar bem cansada!

A outra está velha,

A outra é demente,

E a da casa em frente

Jamais vi os dentes..."

 

Tem uma que chora,

E outra que apanha,

Mas não vai embora;

A outra trabalha,

E nunca tem tempo

De vir à janela,

De ver a novela,

De olhar-se no espelho

E se perguntar

Se a vida que leva

É o sonho dela.

 

Tem uma que prega

Que é muito feliz

Estando sozinha,

Alega ser dona

Do próprio nariz,

Alega ser livre,

Ser empoderada

E viver em paz.

Mas tudo é mentira,

Pois sente-se só,

Pois sente que a cama

É grande demais.

 

As princesas cansadas,

Solteiras, casadas,

Ou divorciadas,

Postam suas fotos

Sempre sorridentes,

Não importa se mentem,

Não importa se a vida

Que as está levando

Não está costurada

Nos pontos das plásticas,

Não está congelada

Na mágica editada

No tóxico botox,

Na forma perfeita

Siliconizada.

 

A vida que vai

Não fica parada,

Não se eternizada 

Como uma elegia

Nas fotografias

Por elas postadas.

 

Não sabem quem são,

Não sabem de nada,

Só levam a vida

Que pensam que a outra

Princesa cansada

Tem como perfeita;

Não tiram o pó

E queimam o jantar

A fim de postar

Só mais uma foto,

Só mais uma selfie,

Só mais uma,

Só mais,

Só...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



sábado, 13 de agosto de 2022

Gatinho

 



Ele está lá, todos os dias. Tem donos, mas eles trabalham o dia todo e ele fica sozinho em casa, e parece que ele não gosta de ficar sozinho. E ele sobe naquele muro altíssimo (só de olhar, dá uma angústia e um medo enorme de que ele possa cair) e vem aqui para a parte dos fundos do meu quintal, tentar ser adotado por mim e pelos meus cães. Porém, meus cães não gostam nada da ideia, e querem trucidá-lo em pedacinhos.

Ele olha para os meus cães e dá seus doces miados, como a dizer: "Olhem sou um cara legal, deixem eu ficar e seremos amigos!" Mas sua estratégia não funciona. Ontem tirei-o de dentro da casa dos cães (por sorte, eles não o viram, não estavam lá). Temo pela vida dele. À noite, eu e meu marido pegamos ele no colo e descemos a rua para entregá-lo aos donos, mas ninguém estava em casa. Deixei-o no portão, do lado de fora da casa. Ele ficou lá sentadinho, olhando a gente ir embora, e meu coração soltou um fio que ficou preso entre suas patinhas.



O gatinho caminha sobre a altura do muro,

Tão branco o seu pelo

Ele mia, delicado, e em doce apelo,

Esfrega o corpinho branco entre as grades.


Os cães ladram, lá de baixo,

Mas ele não quer contenda.

O gatinho só quer alguém

Que o acolha e compreenda.


E ele anda o dia inteiro

Sem descanso, de lá pra cá

De cá pra lá , de canto em canto,

Por toda a extensão do imenso

Muro branco.


Seus miados angustiados

Encontram-se com a lua que surge

Na curva da rua, entre os montes.

Pobre gatinho branco,

Que chorou o dia todo

E entrou na noite sem sequer

Um acalanto!

Suas patinhas macias que cobriram todo o muro

De lá pra cá,  de cá pra lá

De canto em canto

De tanta solidão, perderam o encanto...


E eu o vi, mas fingi indiferença

Não por mal-querença, mas por proteção,

Para que ele não terminasse

Sua vidinha tão doce

Na boca de um cão.


Gatinho  branco, não posso te oferecer o que procuras,

Mas eu queria poder

Tê-lo em meus braços,

Para fazê-lo dormir sossegado,

Ronronando tranquilo, de olhos fechados,

Ao saber-se amado...




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O Tucano O TUCANO   Domingo de manhã: chuva ritmada e temperatura amena. A casa silenciosa às seis e trinta da manhã. Nada melhor do que me ...