No meio da tarde de domingo, olhando o canal de TV que meu marido assistia, um programa me chamou a atenção. Eu mesma, há tempos não assisto mais TV, mas a tela mostrava uma artista muito famosa nos anos setenta e oitenta, a cantora Perla. Sentei-me por curiosidade, e comecei a assistir. O apresentador estava na casa da cantora, agora uma mulher idosa. As fotografias nas paredes a mostravam no auge de sua carreira, uma moça linda e atraente, de longos cabelos, corpo escultural e muito brilho no olhar. Durante a reportagem, flashes de sua carreira de cantora e de sua bela voz.
Sobre a mobília de sua casa atual, vários troféus, medalhas e prêmios que ela havia conquistado devido ao seu talento. Tudo empoeirado, desorganizado e sujo.
Era uma bela casa, espaçosa e de pé direito alto. Mas totalmente decaída. A casa da cantora tornara-se um depósito no qual ela acumulava suas frustrações, e ao invés de ressaltar seu sucesso e a pessoa que ela fora, mostrava apenas sua decadência: havia roupas espalhadas em todos os cantos, objetos quebrados, sujeira e acúmulo de papéis e de coisas inúteis. O jardim, antes tão bonito, estava cheio de mato e plantas mortas. A piscina era um depósito de água suja e cheia de lodo. Perla tornara-se uma acumuladora compulsiva.
A proposta do programa era resgatar a imagem da cantora. Assim, a equipe contratou uma psicóloga e uma equipe de organizadoras profissionais, que limparam a casa, a piscina e o jardim de Perla, reorganizando o espaço, tornando possível a vivência saudável, enquanto a mesma era encaminhada a tratamentos de beleza e dentário. Ganhou até mesmo um alongamento de cabelos, já que cortara os seus bem curtos.
O tempo todo, ela parecia envergonhada e inventava mil desculpas para justificar o estado em que a casa se encontrava: o braço que havia sido quebrado há alguns anos e que não permitia que ela fizesse a limpeza, as ‘muitas viagens’ que faziam com que ela, por questão de praticidade, mantivesse as roupas jogadas sobre sofás, camas e até no chão, o fato de ter sido roubada por pessoas que tinham ido ali para cuidar dela e várias outras desculpas.
No final do programa, o apresentador mostra a imagem da cantora recuperada, as longas madeixas e o sorriso restabelecidos, a casa limpa e arrumada. A filha da cantora dá um depoimento dizendo que sempre tentava fazer aquilo, mas que não tinha permissão da mãe, e que após a repercussão do programa, já tinha recebido vários telefonemas de pessoas querendo contratar shows de Perla.
O programa me deixou pensativa... quando chegamos aqui, temos a nossa juventude, vigor e beleza, e o mundo parece estar aos nossos pés. Sonhamos alto, lutamos pelas nossas conquistas e estamos cercados de pessoas ‘amigas’ que desejam desfrutar da nossa companhia e daquilo que ela pode lhes proporcionar. Pensei o quanto deve ser difícil, para alguém famoso, bonito e rico, desapegar-se da sua imagem ao começar a envelhecer e ver que os convites diminuíram e que as luzes da ribalta começam a se apagar aos poucos.
A vida após os quarenta deve ser um exercício de desapego. É claro que ainda podemos sonhar e realizar muitas coisas, mas precisamos admitir que já não somos os mesmos, e que se não deixarmos certas coisas irem embora, nos tornaremos escravos de lembranças e de falsas autoimagens. Aos quarenta anos de idade, nos damos conta de que os amigos começam a adoecer e morrer, ou os divórcios acontecem; estamos nos encaminhando para a decadência física, que chega tão aos pouquinhos, que nem notamos direito, mas de repente, nos vemos ofegantes ao subirmos uma escada ou ladeira, e torna-se muito mais difícil perder os quilos acumulados durante as férias. Os cabelos começam a embranquecer de verdade, e o colesterol sobe na mesma proporção que o metabolismo diminui. Já somos chamados de senhores e senhoras pelos mais jovens. Vestimos certas roupas e notamos que já não nos caem bem. Começamos a pensar seriamente em aposentadoria pela primeira vez.
Envelhecer com sabedoria significa deixar ir; precisamos deixar irem as pessoas mais importantes de nossas vidas – avós, pais, etc... e percebermos que não somos mais jovens, e que precisamos passar por uma transição interna de aceitação desta condição e também de amadurecimento. Que continuemos nos cuidando, mas sem desejar manter a juventude a qualquer custo, pois isso será frustrante, caro, cansativo e inútil.
Que ao envelhecer eu possa caminhar por um espaço livre de objetos desnecessários; um lugar limpo, confortável, prático e saudável. Que a minha casa esteja totalmente adaptada à minha nova condição. E que o mesmo ocorra com a minha mente. Não quero ter a tal “mente jovem!” Quero ter a mente velha, madura, cheia de experiências que eu possa partilhar com os mais jovens que estejam interessados. Acima de tudo, não quero ser a velhinha bonitinha, a coitadinha, a engraçadinha que todo mundo trata com forçada cortesia como se eu tivesse algum retardamento mental. Quero ser olhada com respeito. Quero que me enxerguem além da minha velhice.
Também não quero me apegar a coisas materiais, como roupas, bibelôs, caixas de fotografias amareladas e comidas por traças, objetos quebrados e excesso de mobília. Minha casa estará livre de tudo isso. Terei plantas, livros e quem sabe, alguns gatos. Se eu conseguir tal feito, estarei feliz.