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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Rubem Alves - Sobre a Morte e o Morrer







Sobre a morte e o morrer

Rubem Alves


O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?



Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...” 

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...” 

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.


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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Eu e Minha Melhor Amiga






Era tão bom, quando caminhávamos juntas no comecinho da noite, a lua e o céu estrelado como testemunhas. Ela me olhava, como quem agradece a companhia, e embora em silêncio, tanta coisa era dita! 

Quando pequena, precisei encontrar uma maneira de domar seu caráter voluntarioso e conseguir chegar até ela, para que ela me aceitasse. Foram tempos muito conturbados! Cheguei a dizer que não gostava dela, e que não desejava a sua presença em minha vida. Mas ela me ensinou que o amor verdadeiro e a paciência sincera podem transformar-se em uma ponte entre dois corações, e logo, ficamos inseparáveis; daquele tipo de amigas que se compreendem sem nada dizer.

Excelente ouvinte, ela prestava atenção... sabia esperar quando eu precisava me ausentar, e não importava quanto tempo eu ficasse fora: era sempre recebida com sorrisos e carinhos, comemorações e alegria pela minha volta.

Minha amiga não falava muito com a boca, mas dizia tudo através de um simples olhar.  Eu a amava, e ela me amava!

Tão bom, quando nos deitávamos no tapete da sala ouvindo música baixinho nas tardes de sexta-feira! Impossível sentir solidão, mesmo na casa silenciosa, enquanto no corredor, o relógio marcava a presença do tempo que nos afastaria... e eu já sabia. Nós adormecíamos assim, deitadas ao lado uma da outra, e quando eu despertava, dava com aquele par de olhos me olhando, me olhando... às vezes eu ficava intrigada com a maneira como ela me olhava com tanta insistência, como se visse em mim alguma espécie de líder a quem devesse seguir. Ela mal sabia que  era ela quem sempre ditava as regras da nossa amizade!

Lembro-me da última vez que acordei com aquele par de olhos amorosos sobre mim: eu estava deitada na rede da varanda, dormindo ao sol, após uma noite em claro na qual eu e ela lutamos para que ela permanecesse viva. Eu escutava os ruídos da vida bem ao longe, exatamente como alguém semi adormecido; de repente, eu despertei num sobressalto, e foi aí que deparei com aqueles olhos de jabuticaba em mim pela última vez. Quando a vi, sentada na grama ali perto, sentei-me na rede e chamei-a para o meu lado. Ela veio, e estava feliz. Quem não soubesse de sua história, diria que ela estava perfeitamente saudável e tranquila. 

Ela veio ficar ao meu lado, e enquanto eu a acariciava, ela adormeceu... para despertar aflita logo depois, tentando respirar. Ergueu-se, caminhando com certa dificuldade, e tentou comer alguma coisa; mas quando filetes de sangue desceram de suas narinas, ela desistiu, e não voltou a tentar novamente. Naquele instante, eu sabia que eu a estava perdendo. 

E depois, foi a corrida angustiante contra o tempo, e a busca por uma resposta diferente que nos trouxesse um pouco de esperança. Ela olhava pela janela aberta do carro, e todo movimento lá fora chamava a sua atenção. Parecia estar despedindo-se das coisas. Olhava, olhava, olhava tudo, virando a cabeça para acompanhar o que passava diante dos seus olhos atentos pela janela do carro. Eu tentava tranquilizá-la, pois sabia que estava com muitas dificuldades para respirar. Não conseguia deitar-se no banco, pois isto significava o aumento de suas dificuldades respiratórias. E eu me perguntava o que faríamos para que ela (e nós) pudéssemos novamente voltarmos a ter uma noite de sono.

As palavras de esperança que buscávamos não chegaram. Antes, ouvimos outras palavras, que selavam o destino dela, e o final de uma amizade que durou mais de dez anos. Foi declarado que não havia mais jeito, e que dali para frente, as coisas haviam de piorar muito, e que o que aconteceria com ela seria doloroso tanto para ela quanto para nós. Ouvir aquelas palavras tirou-nos do eixo. Eu olhava para ela, que estava entretida com o movimento que passava pela porta de vidro, sem saber que estávamos decidindo seu destino. Quase não era possível escultar seus pulmões. Intoxicada pelos remédios, minha amiga estava muito inchada e dolorida.

Achei que tinha chorado todas as lágrimas que restavam enquanto me abraçava a ela, que evitava me olhar. Ela não olhou mais para mim, nem mesmo quando chamei seu nome; mantinha seus olhos fixados na porta de vidro. 

Um mês se foi e ainda choro a falta dessa minha amiga. Acho que de vez em quando, ainda chorarei. Como hoje à tarde, quando adormeci na rede da varanda e despertei sem aqueles olhos cálidos me olhando.

 A despedida é um longo processo, e acho que jamais nos despedimos completamente.


Nossas brincadeiras, quando ela se deitava de barriga para cima... não parece um jacaré?





quinta-feira, 17 de julho de 2014

Conversa Com a Vida - Resenha




CONVERSA COM A VIDA
Cenyra Pinto
Editora Vecchi S.A – 1977


Este é um belíssimo livro, no qual a escritora espírita Cenyra Pinto convida várias pessoas a dar depoimentos sobre momentos difíceis em suas vidas nos quais elas poderiam ter mais de mil razões para desistirem de viver; no entanto, estas pessoas deram a volta por cima, reafirmaram sua força e sua fé, construindo um caminho de aprendizado que tornou suas vidas mais ricas e bem melhores. São histórias verdadeiras, reais e carregadas de emoção. Com toda certeza, elas farão com que os leitores pensem sobre seus problemas e façam melhores escolhas.
Entre os belos trechos contidos no livro, escolhi alguns para transcrever aqui; o primeiro deles, é parte da história do escritor Fernando Jorge Uchôa, portador de paralisia, que começou a manifestar-se quando este contava três anos de idade:
“Fui operado. Uma, duas, seis vezes. Meu fim neste mundo quase chegou. Tive tétano, grangrena, septicemia. Desastres cirúrgicos. Certas partes dos membros ficaram definitivamente lesadas; outras melhoraram. Depois de muitas lutas e com aparelhos consegui a posição vertical.”
.............
“Quando retornei à Vila Militar, costumava ficar debaixo das mangueiras ouvindo os pássaros cantar, ou perto dos pés de ingá, cajá-manga, jabuticaba e das laranjeiras. As cigarras ciciavam no verão, ventos de longe zumbiam, borboletas passavam exibindo suas belas asas amarelas, azuis, cor de barro. Eu via, ficava em silêncio, isolava-me. Aprendia retiros. Não gostava de piedade. Era sensível. Passava do encantamento à agressividade. Mentia dizendo que entendia os pássaros. É possível que de algum modo os entendesse. Ouvia os sanhaços com admiração. Os canários da terra festejavam as coisas da manhã. Os bem-te-vis afirmativos fiscalizavam o dia. O que os pássaros cantam? Cantam sua vida. Voar é bom. Frequentar distâncias torna a alma vasta. Saber cantar é importante. A vida deve ser uma canção. E um voo. E o homem um aprendiz. Eu aprendia a ver, a bater as asas da imaginação.O louva-deus é de silêncios e gestos leves. Isso eu compreendia. O grilo é comedido e estranho. Eu o tocava com um pedacinho de galho, tentando ver como suas asas se movimentavam. Ele, esquivo, erguia a perna, reprovando minha impertinência que agredia a serenidade leve de seus gestos. Saltava. Distanciava-se.”
............

“Eu devia me tornar forte para enfrentar experiências difíceis. Todos tem que aprender com o imprevisto, inclusive o fracasso, se for o caso. Às vezes, existe o aprendizado pelo fracasso, uma estranha e incompreensível maneira de vencer.”

............

“Atualmente, no outono da vida, volto a ser acidentado. Retornei aos hospitais, nos quais não pretendia mais entrar como paciente. Nova cirurgia. Meses de internação em três hospitais. A agressividade destrutiva do imprevisto voltara a me atingir. Retorno na cadeira de rodas. Meses de preocupação extrema e debilidade física; nervos abalados; úlcera, irregularidades provocadas por excesso de medicação. Responsabilidades a me pesarem no corpo débil, recolhimento, renovação. Esforço-me. Deus me ajuda. Deixo a cadeira de rodas. Levanto-me outra vez para os passos que somados se tornam o caminho de minha vida até aqui.”
.......
“Que os abatidos meditem no valor da vida e não a gastem inutilmente como um passatempo.
A vida é a oficina onde se elabora a liberdade.
A fogueira de onde sairá a luz.
O tumulto de onde nascerá a paz.
Vale a pena viver com Deus que é Amor.
Põe em teu amor o amor de Deus.”

Este é um dos mais lindos depoimentos do livro, sem desmerecer os outros. Talvez porque foi feito através da alma sensível de um escritor. No final do livro, há algumas páginas psicografadas que também transmitem fortes mensagens. As que mais me chamaram a atenção – porque mais tema  ver com meu momento atual:

“Vigiai vossos pensamentos e sentimentos, mas não tenteis levar mentalmente uma norma de vida para ninguém, porque estareis fazendo mais mal do que bem.”

“Cada modificação é precedida por uma demolição. E é justamente essa demolição que tememos, porque não estamos preparados para os avanços da evolução. Precisamos abrir os olhos do entendimento para que possamos, ao nos deparar com situações dolorosas, estar em condições de ajudar e suster aqueles que se deixam abalar pelo pavor.”

“A vida tem mistérios insondáveis. Ninguém sabe que experiências lhe reserva o próximo minuto. Julgar as causas que levam as pessoas a um estado de miséria material ou moral, e acusá-las, sobre qualquer pretexto, revela profundo desconhecimento da condição humana. Ninguém pode constituir-se em juiz das causas alheias.

A razão das coisas se perde na noite dos tempos. Muitas provas não são punição, mas aprendizado resultante de nossas próprias ações, ou experiências que o homem pede ao voltar à Terra, com o objetivo de desenvolver novos valores, que o tornem mais uma consciência capaz de atingir as dimensões da Luz e da Verdade.”
.....
 “Portanto, quando alguém sofre, não tentemos auscultar-lhe os motivos, mas ofereçamos o socorro que estiver em nosso alcance. Se revolvermos as chagas alheias com o propósito de condenar, estaremos preparando para nós momentos bem difíceis, em um futuro próximo.”

“Você carrega um fardo de acusações contra a vida e as criaturas, sem jamais ter parado para refletir no porquê de tudo o que acontece. Nunca tentou dialogar com você mesmo, com a própria vida; e por isso não sabe se é válido o seu modo de interpretar os acontecimentos. Criou uma couraça, escondeu-se dentro dela e de lá atira pedradas naqueles a quem você acusa de responsáveis pelo seu estado atual de desilusão. Você nem pensa, sequer, se aqueles aos quais você acusa como responsáveis por sua revolta contra a vida e as criaturas são realmente culpados, ou as acusações não passam de produto de sua imaginação, ou de sua incapacidade de superar as condições adversas e de tentar vencer aquilo que lhe parece obstáculo intransponível a impedir que você se realize. Cada um é como é; você nunca poderá mudar as criaturas. O que você precisa é mudar-se a si próprio, em relação aos outros.”

E entre as mensagens, existe uma intitulada “A Vida é o que é”.  Só o título já nos traz a compreensão da inutilidade de indagar a si mesmo ou culpar a Deus quando os reveses chegam. Eles são parte da vida, e chegam a todos nós, cedo ou tarde.”

Para mim, entre outras mensagens e depoimentos que li, fica impresso em minha mente a frase:

“A VIDA É O QUE É.”

“Conversa Com a Vida” é um livro que segue a Doutrina Espírita verdadeira, a que não se coloca como dona da verdade, a que não se impõe sobre criatura alguma, não condena ninguém, entende que cada um tem o seu tempo de compreender as coisas da vida, e que na verdade, todos nós, sem exceções, sabemos muito pouco. A Doutrina Espírita que está além de dogmas e religiões, e mesmo assim, não condena nenhuma destas coisas. A que dá a cada um o direito de ser – mas lembrando a importância de nossas escolhas na história de nossas vidas e de outras vidas que nos tocam.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Quando as Coisas se Quebram




Quando eu me casei, há vinte e quatro anos, ganhei de presente do meu sogro um abajur que, apesar de não ser peça de designer, eu muito gostava. Era encontrado em lojas populares, e tinha lâminas de vidro na cúpula com desenhos delicados de flores. Mas o que eu mais gostava nele, era a praticidade: bastava que eu o tocasse, e ele acendia. Quando tocado pela segunda vez, a intensidade da luz aumentava, e uma terceira vez, a luz ficava bem forte. 

Eu o mantinha em minha mesa de cabeceira, desfrutando de sua praticidade durante a noite quando precisava levantar-me para usar o banheiro. Certo dia, ao varrer o chão, sem querer derrubei-o com o cabo da vassoura, fazendo com que fosse ao chão e se espatifasse em vários pedaços pequenos (era todo feito de vidro). Não sei porque, tive uma reação que eu nunca tivera antes em relação a um objeto: chorei muito de frustração por tê-lo quebrado.

Chorei tanto, que meu marido ficou preocupado, trazendo-me um copo de água com açúcar para eu me acalmar. Até hoje, não compreendi o porquê daquela reação exagerada a um objeto que não era caro ou difícil de encontrar; mesmo assim, não comprei outro igual.

Ontem, ao usar o forno de microondas, coloquei o alimento a ser aquecido em um prato de louça azul que eu adorava, e que já tinha usado no forno várias vezes. Mas ontem, enquanto o forno estava ligado, ouvi um forte ruído, e ao abri-lo, deparei com o prato rachado ao meio... Não sei o motivo, mas imediatamente lembrei-me do abajur que quebrei há tantos anos...

E cheguei a algumas conclusões:

Acho que, naquela época, minha vida andava tão conturbada, que eu só precisava de um pequeno motivo para chorar. Tantas coisas estavam rachadas, que a quebra do objeto representou a quebra de muitas outras coisas - mais tarde, realmente aconteceu. Mas ontem, o prato rachado deu-me uma sensação diferente: senti que era como se a vida, através daquele objeto, estivesse me dizendo que estava na hora de recomeçar: jogar fora os cacos e renovar-me. Renovar minha casa e a maneira como tenho interagido com ela. Abrir portas e janelas, queimar incensos, chamar os anjos para que eles entrem e levem com eles os fantasmas que cismo em manter aqui.

Compreendi imediatamente a mensagem enquanto jogava fora as duas metades daquele prato azul.

Quando um objeto se quebra - dizem - é porque algo precisa ir embora: um pensamento ruim, uma má energia, um hábito que está nos prejudicando. No meu caso, sei exatamente do que se trata...



Compreensão




Ando pondo tampões de paz em meus ouvidos
E mordaças de silêncio sobre a minha boca
Para que eu não me perca,
Para que eu não fique louca.

As flores escutam as minhas preces murmuradas,
E as sopram com seu perfume no vento, para o céu...
Caem os véus,
E entendo que a vida, mesmo curta, jamais é pouca.




Segunda Impaciência do Poeta





Segunda Impaciência Do Poeta



Cresce o desejo, falta o sofrimento, 
Sofrendo morro, morro desejando, 
Por uma, e outra parte estou penando
Sem poder dar alívio a meu tormento.


Se quero declarar meu pensamento, 
Está-me um gesto grave acobardando, 
E tenho por melhor morrer calando, 
Que fiar-me de um néscio atrevimento.


Quem pretende alcançar, espera, e cala, 
Porque quem temerário se abalança, 
Muitas vezes o amor o desiguala.

Pois se aquele, que espera se alcança, 
Quero ter por melhor morrer sem fala, 
Que falando, perder toda esperança.





Gregório de Matos Guerra nasceu em Salvador (BA) e morreu em Recife (PE). Estudou no colégio dos jesuítas e formou-se em Direito em Coimbra (Portugal). Recebeu o apelido de Boca do Inferno, graças a sua irreverente obra satírica.



sábado, 12 de julho de 2014

A casa dos Pais

Minha bisavó Gênova, à porta da nossa casinha, sobre as escadas onde eu brincava e sonhava



Voltar à casa dos pais após muitos anos é uma experiência estranha... depois que me casei, a casa de meus pais foi alugada durante bastante tempo. Mais tarde, uma de minhas irmãs voltou a viver nela, e quando finalmente voltei lá, ela me pareceu bem menor do que eu conseguia lembrar.

Mesmo assim, foi como reencontrar uma parte importante de mim. Andar por aqueles cômodos cheios de recordações e ouvir novamente os ecos de tantas conversas, risadas e lágrimas foi como reviver um pedaço de minha vida que tinha ficado esquecido entre as brumas do tempo.

Sentei-me nas escadinhas que levam à sala de estar, e me lembrei das muitas vezes em que brinquei de casinha ali, espalhando meus brinquedos, panelinhas e bonecas, cozinhando bolinhos de terra e salada de capim. Naquelas escadas, anos mais tarde, eu me sentava para sonhar; passava horas com o queixo apoiado nas mãos, olhos perdidos em algum lugar invisível onde estava - eu pensava - meu futuro. Também era ali que eu esperava pelo ônibus que me levaria ao trabalho todas as manhãs: assim que ele aparecia na curva da rua lá em cima, eu descia as escadas da casa correndo para chegar ao ponto de ônibus a tempo. E era ali que eu esperava pela chegada do namorado, ansiosamente... 

Na cozinha, sentada a uma velha mesa de madeira, eu escutava as histórias de vida de minha mãe; ela me falava de sua infância no colégio interno, suas amigas de escola, suas primas... ali ela me mostrou as estradas da sua vida, que eu seguia, enquanto ficava conhecendo uma parte da vida de minha mãe que os filhos geralmente não conhecem.

Tudo isso se deu na pequena casinha centenária, comprada pelos meus bisavós quando chegaram da Itália no início do século passado. Casinha esta que ficou de herança para meu avô, que a doou à meus pais quando eles se casaram, e onde nascemos e crescemos todos - eu, minhas três irmãs e meu irmão - pelas mãos da parteira Dona Maria Carioca. 

Uma casa cheia de histórias e lembranças...



Ilusão





A ilusão
Tem voz tão doce,
Tez  perfumada,
Olhares lânguidos,
Suaves palavras...

A ilusão
Tem passos leves,
Brilho de estrela
Quase apagada,
Rosto de santa,
Mas dedos agudos...

E as mãos pesadas...



Saudade



Saudade,
Palavra solúvel
No acre das lágrimas.

Agudas pontas
Que descem ferindo
O céu da boca
E a garganta.

Náufraga fragata
No fundo azul
Do peito.

Rio sem leito,
Só correnteza
Que embora corra,
Não passa.





quinta-feira, 10 de julho de 2014

Via Dolorosa





Ela notou
(olhos no chão)
Que cresciam flores
Pelos cantos,
Notou as cores,
E o perfume das rosas...

E tudo isto
Ao contar os passos
Em sua Via Dolorosa.

Ela escutou
Os cantos doces
Sobre as árvores,
Sentiu os raios
Mornos do sol
Tecendo carícias
Sobre suas costas...

E tudo isto
Ao contar os passos
Em sua Via Dolorosa.

Ela encontrou
Mãos estendidas,
Sorrisos amigos,
Amizades antigas,
Ouviu conselhos,
Palavras  fortes
E consoladoras.

E tudo isto
Ao contar os passos
Em sua Via Dolorosa.

E as sombras foram
Rareando,
As cores dos dias
Voltando,
A esperança
Rebrotou
E abriu-se
Na face das flores.

As dores
Foram tornando-se
Lembranças,
Lições valorosas.

E tudo isto
Ao contar os passos
Em sua Via Dolorosa.




Parceiros

Wyna, Daqui a Três Estrelas

Este é um post para divulgação do livro de Gabriele Sapio - Wyna, Daqui a Três Estrelas. Trata-se de uma história de ficção científica, cuj...