Latifa ainda bem jovem, segurando sua bola furada - que pertencera a um vizinho e caiu no meu quintal; infelizmente para o vizinho, ela a encontrou antes que eu pudesse devolvê-la. |
Às vezes, penso que minha cadelinha Latifa tem um botão de liga e desliga. Ele é acionado toda vez que estou perto dela; ela me segue aonde quer que eu vá. Se estou no jardim, ela se transforma: corre e pula, late ao portão, 'discute' com o cão do vizinho (ele é seu sonho de consumo), deita-se ao sol sobre o gramado, e de vez em quando, chega mais perto para uma carícia. Se estou dentro de casa, ela deita-se aos meus pés, e muitas vezes, se estou assistido TV, por exemplo, deparo com os olhos dela presos em minha pessoa, como a esperar algum comando. Se me levanto do sofá, ela imediatamente me segue.
Mas quando eu a deixo lá fora, nos dias de sol e calor, ela aperta o botão de desligar. Deita-se sobre seu colchão e dorme, dorme, dorme... o dia todo. Nem mesmo o cão do vizinho é capaz de estimulá-la. Se passarem cavalos pelo portão, ela os ignorará.
Tudo isto começou em 2011, após a morte de meu outro cão, Aleph, sete anos mais velho que ela. Os dois estavam sempre juntos. Aleph teve uma paciência de Jó quando Latifa era pequena, suportando seus arroubos de criança, as patas traseiras mordiscadas por ela enquanto ele andava, e mais tarde, quando ela já estava adulta, muitas vezes eu e meu marido tivemos que ir ao canil durante a noite, sob tempestades, a fim de fazer com que ela dividisse o espaço (bem grande) com o Aleph; geralmente, escutávamos os choramingos do Aleph, e ao chegarmos ao canil, deparávamos com ele sentado na chuva, olhando para dentro, enquanto Latifa estava completamente espalhada sobre os colchõezinhos e cobertores, placidamente adormecida.
Ela dava sempre uma rosnadinha quando a empurrávamos para que ele pudesse deitar-se; meu marido ralhava com ela. Às vezes, precisávamos ser mais duros, e dávamos umas palmadas... imagine só, é meia-noite de uma fria noite chuvosa de inverno, e você está lá fora, gelado e encharcado, tentando resolver um impasse entre dois cães. E quando as palmadas aconteciam, Aleph deitava-se ao lado dela, encharcado e mau-humorado. Rosnava para nós por termos perdido a paciência com ela.
Quando ele se foi, Latifa viu quando o veterinário o colocou na mala do carro para nós, que o levamos ao crematório. Quando voltamos, ela pulava em volta do carro, latindo muito, e a cena repetiu-se ainda durante algumas semanas. Quando meu marido chegava em casa à noite, ela andava em volta do carro, farejando tudo, choramingando e latindo. Quando via que o Aleph não tinha voltado, caia em tristeza profunda. Eles tinham lá suas discussões, mas se amavam.
Após a morte do Aleph, ela ficou bastante emocionalmente dependente. Começou a desenvolver alergias ocasionais na pele e engordou bastante. E recentemente, após sofrer pneumonia, o veterinário recomendou que em dias frios ela ficasse dentro de casa, o que deixou-a a inda mais dependente de nós. Principalmente, de mim. Dou aulas com a Latifa deitada na cozinha, de onde ela pode enxergar-me.
Neste momento, faz um sol lindo lá fora, mas como estou aqui, ela apertou o botão de desligar. Gostaria que ela fosse mais independente.