witch lady

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terça-feira, 3 de abril de 2012

A IGREJA NO TOPO DO MORRO







Ela é muito, muito antiga. Branca e absoluta. Fico imaginando quantas damas em seus vestidos rodados e armados, acompanhadas por seus cavalheiros, já olharam lá de cima para a cidade cá em baixo. Talvez soltando no ar uma prece, sabe-se lá pelo quê... Pelo quê rezavam as pessoas, há duzentos, trezentos anos atrás?

Eu já estive lá em cima. Mas eu não rezei. Limitei-me a olhar para baixo, deixando a mente passear entre as casas e prédios, e o vento a zumbir em meus ouvidos. Apenas olhei o mar lá de cima, e sentei-me à porta fechada da velha igreja, sem nenhum pensamento. Embebida pela beleza que me cercava, quis apenas sentí-la, ser parte dela.

Da experiência, ficou uma foto: eu, aos dezessete anos, queimada de sol, pernas cruzadas e olhar triste (até hoje, todos dizem que tenho um olhar triste) ao lado de meu pai. Hoje, exatamente hoje, que o céu está encoberto e o vento muito forte, lembrei-me daquele dia. Na foto, apareço de camiseta azul-marinho e shortinho vermelho. Meu pai, a camisa estampada aberta no peito, as mãos entre os joelhos.

Neste momento, a igreja no topo da montanha é apenas solidão. Seu sino já não dobra mais. Turistas descem e sobem o morro, tiram fotos, olham o mar e depois, se esquecem. A velha igreja está exatamente como as damas antigas e seus vestidos rodados: perdida no tempo. Ninguém sabe para onde elas foram. Às vezes eu penso se, por um acaso, aquela igrejinha no topo da colina não será apenas uma miragem, que só continua lá para que as damas e seus cavalheiros tenham um lugar para onde voltar, quando se cansam de suas peregrinações pelo além...



Nascimento






A noite chega ao fim, 

Ávida e grávida

De um novo dia.




Parido no escuro,

Ele começa, frágil,

Como se fosse

Uma nova vida.




Ao meio dia, ele grita,

Cheio de ânsia e alegria,

Que vai sossegando

Conforme ele vai, à tarde,

Morrendo...




Ao crepúsculo, engravida,

Guardando em si, um segredo

Que prepara, e cresce no ventre:

O filho que nunca verá,

Um outro dia

Que vai nascer.




segunda-feira, 2 de abril de 2012

SOBRAS


SOBRAS


Migalhas, farelos, sobras,
Água salobra nas covas
Champanha choca nas taças
Pedaços de pão dormido
E um cheiro nauseabundo
De sonhos apodrecidos.

Murcharam as mudas novas
E as uvas, saborosas
Secaram todas nas vinhas
Na sêca daquela tarde
Debruçadas sobre o pó
De um sujo chão de mármore.

Dizem que houve uma prece
E um funeral, mas duvido
Que tenha havido descanso
Um paraíso, um remanso,
Para tantas almas podres.

************************************


Minha homenagem àqueles que roubam de quem já não tem quase nada.







Morte na Manhã



Morte na ManhãAcordei cedo no domingo, e fui até a sala dar o meu 'bom dia' à Latifa, que olhava para dentro através da porta de vidro da varanda. Por trás dela, encolhida junto à pilastra de madeira, vislumbrei uma pequena sombra escura e imóvel. Apertei os olhos para enxergar melhor - minha visão anda meio-ruim ultimamente - e percebi que o bolinho escuro respirava fracamente.


Dei a volta pela porta da cozinha, e fui ver de perto: um filhote de pombo.


Não sei o que o deixou naquele estado semi-morto, pois a Latifa o ignorava solenemente, e não havia penas arrancadas no chão ou marcas de ferimento que denunciassem um ataque de Rottweiler. Ele estava fisicamente íntegro. Cutuquei-o com a ponta dos dedos do pé, e ele abriu os olhos, assustado. Fui até a área de serviço e peguei um pano felpudo, com o qual eu o enrolei (estava frio) e coloquei-o do lado de fora, à porta da cozinha, fechando o portãozinho de acesso para que a Latifa não o perturbasse. Lavei o copinho de iogurte que eu tomara no café da manhã e enchi de água, e coloquei perto dele junto com um pedacinho de pão.


Pensei no quanto os pombos me irritam, sujando tudo, invadindo a casa e ficando desesperados ao não encontrar a saída, voando, derrubando coisas e sujando chão e paredes, soltando penas e sabe-se lá o que mais. Pensei na vasilha de ração da Latifa, que, se esquecida do lado de fora após ela comer, fica cheia de sujeira de pombo, os grãos espalhados por todos os lugares. Pensei na área de serviço salpicada de sujeira pela manhã, que eu às vezes tenho de lavar e desinfetar. Mas aquela criatura frágil e indefesa não me despertou nenhuma raiva: apenas piedade.


Bem, fiz o que pude por ele. Pelo menos, coloquei-o em um lugar seguro, aquecido e protegido do vento. Voltei para o quarto e continuei assistindo meu filme.

Horas depois - já tinha até me esquecido do pombo - eu desci novamente, e lembrando-me dele, fui ver como estava. Tinha morrido.

Eu não conhecia aquele pombo; nem era um animal de estimação. Assim como ele veio ao mundo, foi-se dele. Ninguém choraria por ele, ou sentiria a sua falta. Mas a manhã foi cortada ao meio, pelo evento mais temido pela maioria dos seres humanos, que se deu bem na porta de minha casa: a morte. E fiquei pensando se a morte de um simples pombo, para a vida, é muito diferente da morte de qualquer um de nós.





sábado, 31 de março de 2012

Aventuras em Minas







Há muitos anos - tantos, que nem me lembro se foi em 2004 ou 2007, quem sabe, um pouco antes ou depois - meu marido e eu saímos em uma aventura pelas cidades históricas de Minas Gerais. Foi durante o mês de inverno mais frio, ou seja, junho. Tínhamos planejado apenas o nosso quartel general, que ficaria localizado em Tiradentes. O resto, deixamos ao acaso. Não tínhamos roteiro.




Foi uma viagem e tanto! Acho que a melhor que eu já fiz na vida. Fomos de carro, parando quando tínhamos vontade, e virando as curvas que desejávamos. Nada de planejamentos e horários.




Bem, ao chegarmos em Tiradentes, em pleno Festival de Inverno, achamos a cidadezinha lotada. Ainda bem que tínhamos feito reservas! E nossas reservas, feitas por telefone, foram em uma pequena pensão, uma das poucas que restavam que ainda tinha quartos vagos: a Pensão Uélerson. Isso mesmo, Uélerson!




Chegamos já no final da tarde de sábado, cansados e com fome. O lugar era extremamente simples, e meu marido coçou a cabeça ao ver os lençóis e toalhas pendurados em um varal no estacionamento. Eu disse: "Calma! É sinal de que eles lavam as roupas!"




Ao entrarmos no quarto, deparamos com uma cama de casal e uma pequena TV que pegava mal pacas. O chão era forrado com carpete roxo, e o banheiro, de pobre, mas limpinho. Mais uma vez, meu marido rosnou, ao olhar para o carpete roxo: "Eu não vou ficar aqui!" Mais uma vez, eu tentei acalmá-lo: "Calma! Nós não vamos morar aqui!" 



MAs ele teimou em mudar-se. Demos uma volta pela cidade, e encontramos todos os hotéis, pousadas e pensões lotados. Voltamos para o nosso quartinho na Pensão Uélerson de rabinhos entre as pernas e orelhas baixas.



No dia seguinte, descemos para o café da manhã, e ficamos mais animados: pão fresquinho, um excelente café, leite, doces em compotas, queijos, frutas e pão-doce. Bom demais!


No dia seguinte, deixamos o quarto na Uélerson reservado, e nos hospedamos em Ouro Preto. Conseguimos vaga por mero acaso, pois lá também estava tudo lotado. O quarto era minúsculo, acho que eles nem sequer alugavam aquele espaço, mas como nós imploramos, arranjaram-no para nós. Mas foi muito gostoso. A janela tinha vista para os telhados dos prédios históricos, e a torre de uma igreja. Bucólico e maravilhoso! Adorei Ouro Preto, e espero poder voltar lá algum dia.



Visitamos Mariana, Tiradentes, Ouro Preto, Ouro Branco, Congonhas... foi a melhor viagem, pois a única coisa que sabíamos ao sair, é que tínhamos um lugar para dormir em Tiradentes e um destino totalmente em branco à nossa frente. E decidíamos para onde ir no dia seguinte, durante o café da manhã.


Bom demais passear.











A PASSAGEM DO TEMPO SOBRE AS COISAS - CORDEL







A PASSAGEM DO TEMPO SOBRE AS COISAS

Tem coisas que o tempo apaga, 
E outras que o tempo aviva...
Ao mesmo tempo que apaga,
Deixa sempre uma lembrança,
E ao mesmo tempo que aviva,
Varre da memória ativa
Muita história já vivida
Levando toda a esperança!

Tem coisas que o tempo mata,
E outras que ressucita,
Mas quando mata, ainda sobra
Um resto que 'inda se agita
E aquilo que ressucita
Nunca traz tudo de volta,
Deixa um fio de saudade
No peito, ânsia que grita.

Tem coisas que o tempo apaga, 
E outras que o tempo aviva...
Da paixão, apaga o fogo
Do amor, aviva a chama,
E o coração de quem ama
Permanece sempre aceso
Enquanto da paixão pura
Depois do incêndio na cama
Sobra um carvão de loucura.

Tem coisas que o tempo apaga,
E outras que o tempo aviva...
Aviva um reencontrar-se,
Apaga uma despedida...
Mas deixa sempre uma história
De chegadas e partidas,
E no livro da memória
Enfileirada em palavras 
Uma dor lida e relida...

Tem coisas que o tempo apaga
E outras que o tempo aviva...
Apaga uma dor causada,
Avivando uma amizade
Mas às vezes, já é tarde
E a palavra proferida
Causa um dano irreversível
E ao invés de cicatrizes,
Deixa uma ferida viva...

Tem coisas que o tempo apaga
E outras que o tempo aviva...
Ninguém é senhor do tempo,
Mas o tempo é um senhor
Que passa por sobre as coisas
Deixando um rastro marcado
De adeus e despedida
Mas também de recomeços
Pela estrada dessa vida...

sexta-feira, 30 de março de 2012

FRAUDE

Psychosocial

I did my time, and I want out!  Cumpri minha pena, e quero sair
So effusive fate,                          Destino tão efusivo
It doesn't cut, this soul is not so vibrant. Não corta, esta alma não é tão vibrante
The reckoning, the sickening.  A estimativa, o doentio
Packaging, subversion.             Embalagem, subversão
Pseudo-sacrosanct perversion      perversão pseudo-sacrossanta
Go drill your deserts, go dig your graves!  furar seus desertos, cavar sua sepultura!
Then fill your mouth with all the money you will save. E encher sua boca com todo o dinheiro que guardar
Sinking in, getting smaller again.   Afundando, diminuindo outra vez
I'm done! It has begun, I'm not the only one!  Terminei! Começou, não sou o único!

And the rain will kill us all.    E a chuva matará todos nós
We throw ourselves against the wall.       Nos jogamos contra a parede
But no one else can see.     Mas ninguém mais pode ver
The preservation of the martyr in me.   A preservação do mártir em mim

Psychosocial Psychosocial Psychosocial  Sociopata, sociopata, sociopata
Psychosocial Psychosocial Psychosocial  Sociopata, sociopata, sociopata

There are cracks in the road we laid.  Há rachaduras na estrada onde nos deitamos
But we're the temple fell, the secret have gone mad. Mas somos a sujeira do templo, o segredo enlouqueceu
This is nothing new, but when we kill it all? Isto não é novidade, mas quando mataremos tudo isto?
The hate was all we had!  O ódio era tudo o que tínhamos
Who needs another mess, we could start over.Quem precisa de outra bagunça, poderíamos recomeçar
Just look me in the eyes and say I'm wrong! Apenas me olhe nos olhos e diga que estou errado
Now there's only emptiness, venomous, insipid   Agora só há vazio, malicioso, insípido
I think we're done, I'm not the only one! Acho que terminamos, não sou o único

And the rain will kill us all. E a chuva matará a todos nós
We throw ourselves against the wall. Nos jogamos contra a parede
But no one else can see. Mas ninguém mais pode ver
The preservation of the martyr in me. A preservação do mártir em mim

Psychosocial Psychosocial Psychosocial Sociopata, sociopata, sociopata
Psychosocial Psychosocial Psychosocial Sociopata, sociopata, sociopata

The limits of the dead! (4x) Os limites dos mortos!

Fake! Anti-Fascist lie, (Psychosocial) Fake! Mentira anti-facista!
I tried to tell you but, (Psychosocial) Tentei  te avisar, mas
Your purple hearts are giving out. (Psychosocial) Seus corações roxos estão desistindo
Can't stop the killing idea. (Psychosocial) Não consegue parar a idéia de matança
If it's hunting season. (Psychosocial) Se é a estação de caça
Is this what you want? (Psychosocial) É isto que você quer?
I'm not the only one! Não sou o único!





Vivendo a vida que não tinha,
Contando histórias tão perfeitas,
A pobre alma rarefeita
A embriagar-se pelas vinhas

De mil parreiras que não tinha,
E de um vinho inexistente
Embebedou-se, imprudente,
Quebrando os dentes de sorrir

Com um sorriso tão amargo,
Assassinando cada bardo
Ao escrever com obscenas
E inecrupulosas penas...

O coração empedernido
Por fora, mas por dentro havia
O hemorrágico esvair-se
De dois ventrículos sofridos...

Não tinha rosto, só desgosto,
Que adaptava-se às paragens
Daquelas vidas que criava,
Tão absurdos personagens!

Criava histórias, como a aranha
Que entretecia sua teia,
E as escrevia na areia
Que uma onda sempre apanha...

Abandonada, ela sofria
(Mas era menos que um dia),
Pois logo, a mente se desdobra
Em outro verso, em outra trova...

Nasciam sempre mil personas
Da fronha do seu travesseiro,
E ela as paria o dia inteiro,
Por desespero e por peçonha...

Ela afogava-se no fundo
De um mar revolto e asfixiante,
Sem perceber, por um instante,
Que a si mesma ela perdia...

Até que um dia, estava morta,
E no inferno, a companhia
Das mil personas que criara
E ela nem as conhecia...



A ANSIEDADE DO QUERER






Muitas pessoas perdem tudo por desejarem ansiosamente. É como o homem que armou uma arapuca para pegar um pássaro, e quando o pássaro se aproximava, não pode conter sua ansiedade e saiu desembestado de trás da moita aonde se escondia, espantando o pássaro. Sei que é uma imagem cruel, mas é a melhor que consegui para ilustrar o que penso.

Acho que precisamos aprender a controlar a nossa ansiedade, e a jamais depositarmos a nossa felicidade na realização de alguma coisa. Antes de obtermos o que queremos, precisamos estar felizes e tranquilos. Então, e só então, estaremos prontos para colher o que plantamos. Agora veio-me uma outra idéia que li em algum texto, não me lembro de quem: a menininha que, na ansiedade de ver brotar a semente que tinha plantado, todos os dias tirava-a do vaso. Resultado: a planta não crescia nunca!

Eu acredito que o segredo está em:

1) Definir, com certeza, aquilo que se quer. Ninguém terá alguma coisa se, secretamente, luta contra ela! Muitos querem ter algum bem material, mas ao mesmo tempo, vivem afirmando que o dinheiro é coisa do diabo. Ora, então, como obter alguma coisa que depende dele?

2) Tendo definido aquilo que se quer, começar a 'mexer os pauzinhos.' Ou seja: correr atrás. Nada cai do céu, a não ser bomba, cocô de pombo e aeronave. 

3) Acreditar em um resultado positivo. Não subestimar-se, achando que não merece. Parece óbvio, mas tantas e tantas vezes, ouço pessoas dizendo que não são dignas disso ou daquilo. Por que não? Por que achar que a felicidade é produto de luxo, e que só algumas poucas pessoas a merecem?

4) Se não estiver dando certo, mudar a estratégia; também vale analisar: "Estou prejudicando alguém? Alguém sofrerá, para que eu obtenha o que desejo?" Se a reposta for positiva, mesmo que você obtenha o que deseja, no fim, não será feliz.

5) Estou sendo sincero comigo mesmo, ou estou apenas seguindo aquilo que a maioria acredita? Muita gente pensa que só pode ser feliz se tiver alguém do lado, como uma muleta. Que a resposta está no outro. Mas eu acho que primeiro, a gente precisa se amar e sentir-se feliz e agradecidos pela vida que temos; isso fará com que outras pessoas se aproximem, e quem sabe, o cara-metade não estará entre elas?... Mas conheço pessoas solteiras, independentes e felizes.

6) Lembrar-se sempre de agradecer. Com sinceridade. E frequentemente, se possível, várias vezes ao dia.

7) Não deixar que acontecimentos tristes contaminem todos os aspectos da vida. Posso estar muito triste, imensamente triste por algum motivo, e mesmo assim, encontrar prazer nas outras coisas, por exemplo, minha vida profissional pode não estar indo muito bem, mas a vida amorosa vai às mil maravilhas. Ou, de repente, não tenho o lugar que desejo para morar, mas tenho muitos amigos que sempre me alegram. Se formos esperar até que tudo esteja perfeito para que sejamos felizes, chegaremos à velhice como pessoas frustradas e vazias. Ninguém é feliz o tempo todo, em todos os aspectos. Aproveitemos as boas marés da vida, e aprendamos com as ruins.

8) Desligar-se do passado. Dele, que só possamos trazer conosco as boas lembranças, jamais as angústias e mágoas. E mesmo as boas lembranças devem ser deixadas de lado a maior parte do tempo.

9) Acreditar que aquilo que nos pertence, que é nosso, acabará vindo a nós, se fizermos um esforço. Se não veio ainda, é porque não estamos preparados.

10) E se não vier de jeito nenhum, conformar-se, acreditando que nem sempre sabemos, de verdade, o que é melhor para nós, e que não recebermos aquilo que desejamos pode ser uma bênção disfarçada!

quinta-feira, 29 de março de 2012

A ESPERANÇA





A esperança teceu sua longa trança
Cuidadosamente, aos fios dos meus cabelos.
Por muito tempo, te confesso, adormeci
Tendo esta trança enrodilhada entre meus dedos.

Atrás de mim a arrastei pelos caminhos,
E vez ou outra, ela prendia-se entre espinhos,
E por mais dor que me causasse a minha andança,
Estava eu sempre a arrastar a esperança!

Dela eu vivia, adormecia, despertava,
Sem perceber quão lentamente eu caminhava!
Devido ao peso da esperança alimentada,
Presos meus passos à esperança que arrastava!

Até que um dia, a esperança enfim, morreu.
Tornei-me livre, muito mais leve, bem mais eu!



anabailune

O QUE ANDO FAZENDO?





Bem, tenho tido um pouco mais de tempo livre, e a fim de ocupá-lo de maneira adequada, decidi aprender coisas novas. Por exemplo: dia desses, achei que seria legal e divertido aprender a fazer PPS - aqueles slides com musiquinha e mensagens edificantes que a gente manda por email. Fiquei a tarde toda no power point e na net, buscando informações e fazendo experiências. Após algumas horas, fotos, escolha de música, textos e alguns palavrões, terminei meu primeiro PPS.


Apertei lá: "exibir slides."


A surpresa que eu esperava não aconteceu. O troço ficou preso no primeiro slide, e a musiquinha só tocou após uns dois minutos. Como a coisa não andava, resolvi clicar para ver o próximo slide, e a cada clique e mudança de slide, a música recomeçava do zero. Apaguei tudo, e vou tentar de novo mais tarde. Muito mais tarde. Mas não vou desistir!


Sábado passado, decidi que ia aprender a formatar o computador, e que nunca mais encheria a paciência dos meus pobres sobrinhos para virem aqui em casa formatar para mim. Futuquei, futuquei e descobri que os novos computadores da DELL fazem isso sozinhos, basta apertar um botão. Eu apertei, e a formatação começou. Senti-me muito poderosa, até que me lembrei, assim como quem não quer nada, que tinha esquecido de fazer um backup.


Perdi todos os meus arquivos de 2012: fotos, vídeos, aulas de gramática e textos de inglês, músicas e downloads. Beleza. A gente só aprende errando, eu disse para mim mesma. Mas não sem antes xingar mais alguns palavrões entre os dentes, me perguntando por que eu não tinha colocado meus arquivos na droga do HD externo que eu comprei.


Bem, acho melhor tentar pintura em cerâmica, antes que eu ponha fogo na casa.





CAFÉ COM O DIABO










CAFÉ COM O DIABO





Bateram à porta, em uma tarde de quinta-feira, logo após o almoço. Estava pronta para tirar uma soneca na rede da varanda, e a batida incomodou-me. Fingi não estar em casa, mas a criatura do outro lado da porta insistiu. Já estava quase aos socos, quando eu abri a porta, pronta a dar uma bronca daquelas, e deparei com aquele ser bizarro; desarmei-me, diante de tanta peculiaridade:



Ele era marrom-esverdeado, e tinha um par de chifres pequeninos na testa. Cabelos curtos e crespos, avermelhados. Dentes pontiagudos e língua bipartida. Os olhos eram verde-esmeralda, as pupilas, finas como as de uma cobra. Os pés – exatamente como na Divina Comédia de Dante – terminavam em cascos. As mãos eram peludas, dedos e unhas compridos. 



Ele segurava a cauda pontuda em uma das mãos, fazendo-a rodopiar, e com o outro braço, apoiava-se no tridente, de maneira relaxada e displicente.



Eu tinha a impressão de que já nos encontráramos antes, mas não conseguia me lembrar de onde, exatamente... fiz a pergunta inevitável, embora já soubesse a resposta:



-Quem é você?



Ele virou os olhinhos, suspirando profundamente:



-Ai, ai, ai... tsc...tsc... e ainda pergunta? Vai me deixar entrar ou não vai?



-Escute, eu estava indo... eu... enfim, estou ocupada, agora. Pode voltar depois.



Disse aquilo e tentei fechar a porta, mas ele impediu-me com a cauda, dando um gritinho quando a porta bateu nela:



-Aiiii! Isso não foi nada gentil!



-Desculpe, eu não pretendia...



-Olha, amiga, ou você me deixa entrar, ou eu vou ficar aqui, de plantão, falando mal de você para a vizinhança inteira. E olha que eu tenho muito tempo!



Ficamos nos olhando durante algum tempo, e como não me veio à cabeça nenhum argumento plausível, abri a porta e fiz um gesto para que entrasse. Ele adentrou minha sala de estar, olhando em volta, parecendo estar reparando na decoração. Convidei-o a sentar-se, e ofereci-lhe uma xícara de café:



-Só se for fresco, passado na hora. Café requentado, nem o diabo agüenta!



Dirigi-me para a cozinha, e comecei a preparar o café. Enquanto colocava a água na cafeteira, assustei-me, ao ouvir sua voz bem ao pé do meu ouvido (ele estava bem atrás de mim):



-Cafeteira elétrica, é? Por isso que eu prefiro aquelas cidadezinhas do interior... eles sim, sabem fazer café de verdade. Mas enfim... fazer o que, não é? É o progresso...



Andei para o outro lado da cozinha, ficando o mais longe dele possível, e tentando não demonstrar a minha repulsa:



-Afinal de contas, o que você quer? Como já disse, eu estava indo... eu estou ocupada, e não tenho a tarde toda.



-Nana, nina, não... você tem a vida toda. Se bobear, uma eternidade, se é que você me entende! Mas... que belo pingüim, esse da sua geladeira –ele disse, segurando-o com suas mãos escorregadias- Onde o comprou? Aliás, também a-do-rei as almofadas da sala de estar! Depois você pode me dar umas dicas, querida!...



Era só o que me faltava! Um diabo com jeito de gay e interessado em decoração!



De repente, ele recolocou o pingüim em cima da geladeira, olhando-me:



-O que foi? Você parece um tanto... desconfortável! Será esse meu jeitinho? Sei que você tem tendências homofóbicas! 


-Ei, eu não tenho...


-Tem sim! Tem sim! Tem sim, tem sim, tem sim! – Ele começou a gritar, dançar e pular pela sala. Aquilo começou a me irritar. Sempre detestei manifestações emocionais exageradas.


-Escute aqui, fala logo o que você quer e se manda daqui! Eu não tenho absolutamente nada contra os gays!


-Ah, é mesmo? Então por que se recusou a sentar-se perto de um, quando estava na escola? Por que desistiu daquele emprego, quando soube que a sua chefe era lésbica? Por que xingou o professor da faculdade de viado quando ele te reprovou? Hein?



Engoli em seco. Naquele momento, o café ficou pronto, e coloquei duas xícaras, açucareiro, uma leiterinha e uma tigela com biscoitos em uma bandeja, levando tudo para a sala. Ele se sentou, e começou a se servir, perguntando logo se eu não tinha bolo. Respondi que não, e fiquei olhando-o comer, e percebi que ele não tinha boas maneiras (o que eu odiava em uma pessoa): derramava gotas de café no estofado, e farelos de biscoito no tapete. A mesinha de centro ficou cheia de açúcar. Fiquei vermelha de raiva, pois eu tinha mania de limpeza. Ele parecia que sabia exatamente como me irritar. Sorriu-me, mostrando a língua bipartida.



-Você está louca para saber por que eu estou aqui, não é? Pois bem; olha, me desculpe qualquer coisa... sei que minha aparência e meu jeitinho te a-mo-fi-nam, e se quiser, posso tomar outra forma.



Dizendo isso, ele começou a transformar-se na minha frente: primeiro, no vizinho irritante com quem eu estava brigada há anos; como viu que não gostei, foi aos poucos virando, bem na minha frente, a periguete que roubou meu ex-marido. Quase avancei nele, mas antes que eu o fizesse, vi-o mudar para a minha atual sogra. E assim, ele foi se transformando, cada vez mais rapidamente, em todas as pessoas com quem eu já tivera uma briga, ou cujo comportamento me irritavam e causavam-me desaprovação. Finalmente, ele tomou a forma mais inesperada possível: lá estava eu, diante de mim mesma! Não foi muito fácil, reconhecer aquela cara mau-humorada e a expressão de superioridade; muito menos, sustentar o olhar julgador e o sorriso de escárnio. Mas aquela era eu, sem a menor sombra de dúvida! 


E para meu total espanto, era a face na frente da qual eu me sentia mais desconfortável. Pedi-lhe que assumisse novamente sua forma normal, mas eu – ou melhor, ele- ergueu as sobrancelhas, e ouvi minha própria voz, dizendo:



-Não... é este demônio que você precisa aprender a dominar.



-E desde quando o diabo ajuda alguém? Olha, conheço os seus truques! Na Bíblia Sagrada, está escrito que...



-Ora, cale essa boca! Nós dois sabemos que você não acredita em dez por cento do que está escrito ali! Sabemos que você só vai à igreja de vez em quando para ser sociável, quando tem casamento, missa de sétimo dia ou batizado. Deixe de ser hipócrita! 



Naquele momento, não suportando mais tanta audácia, comecei a rezar um Padre-Nosso, em voz alta. Ele olhou para cima, demonstrando impaciência, pegou uma lixa de unhas no bolso e pôs-se a lixar as unhas, displicentemente, exatamente como eu costumava fazer, quando queria irritar meu noivo e fingir que não estava escutando o que ele falava. Parei de rezar, e olhei para ele. Ele riu, jogando a cabeça para trás:



-Querida, foi Ele quem me mandou aqui! Ele, o Todo-Poderoso, entende? Deus, a Força, o Senhor do Universo, o Pai! Nem adianta rezar.



-E desde quando Deus tem pacto com o diabo?



-Mas você é burra mesmo, hein? (Aquela era minha própria voz, exatamente como eu me dirigia aos meus funcionários). Deus não precisa ter pacto com ninguém, ó trouxa! E nem precisa dessas orações ridículas que vocês dizem para conseguir Dele o que querem. Ele sabe exatamente do que vocês precisam, e por isso, me criou! Sem mim, vocês jamais evoluiriam, indo finalmente, voltar às suas origens...



-Origens?...



-É! O final de todos os seres humanos, é voltarem a ser unos com o Pai! Mas antes, precisam consertar uns defeitinhos de fabricação... sabe como é, Deus cometeu alguns errinhos ao criar a humanidade, e agora, está fazendo um recall... chegou a sua vez!



-Recall? Mas... como assim?! Se Ele nos criou, por que não pode corrigir Seus erros sozinhos? Por que Ele precisaria criar você? E dar-lhe, ainda por cima, essa forma... horrorosa, bizarra?



Ao dizer isso, ele assumiu, novamente, a sua forma de diabo:


-Esta? Não foi Ele quem me fez assim, foram vocês! Bem, eu vou explicar desde o início.



Dizendo isso, ele serviu-se de mais uma xícara, recostando-se na poltrona e derramando mais café na almofada:


-Foi mais ou menos assim: Tudo começou há muito tempo. Deus vivia sozinho no universo, e entediado, decidiu criar uns playmobill para divertir-se. E Ele o fez. Mas cansou-se de brincar com aqueles bonequinhos inanimados, e por isso, decidiu que estava na hora de fazer com que eles criassem vida; levou-os todos para uma clínica especializada, em um lugar bem parecido com Miami, a fim de fazer a transfusão de fluidos dele para os bonequinhos, mas Ele não sabia que havia por lá uma bactéria misteriosa que contaminou – em maior ou menor grau – todos os bonequinhos a quem Ele deu vida. Assim, Deus precisou retirar-se para o Paraíso, a fim de não ser contaminado. Os bonequinhos cresceram e se reproduziram, e daí, teve aquela confusão toda entre o Adão e a Eva, acho que você já sabe...


-Hum, hum...


-Então; Ele teve uma idéia de Mestre: ligou para a clínica e pediu-lhes que fizessem uma outra criatura, que contivesse todas as bactérias com que os humanos tinham sido contaminados. Ou seja: Euzinho aqui. E meus outros ajudantes e secretários.


-E qual seria a sua utilidade?



-Curar! Pois a única maneira de curar a bactéria negativa, seria colocando os infectados em contato direto com ela, anulando, assim, o seu efeito. Você sabe, como o veneno de cobra é combatido através da vacina feita com o próprio veneno. Mas esta bactéria tem uma outra característica muito peculiar.


-E qual seria?...


-Ela faz com que seus portadores criem defesas contra a cura! Foi então que vocês – os humanos – começaram a criar estas histórias horrorosas contra o Diabo. Deram para escrever sobre nós em Bíblias e outros livros, e desenvolveram formas de nos exorcizarem cruelmente, só para não serem curados! Projetaram imagens horrorosas, com tanta força, que fomos ficando assim, desta forma que você vê...


Comecei a sentir pena dele. Afinal, era apenas um pobre diabo.


-Mas e daí? O que Deus fez?


-Bem, Deus, que não é nada bobo, teve uma outra idéia: se a vacina que trará a cura consiste em combater o mal através de sua fonte criadora, então... vocês teriam que aprender uns com os outros! Teriam que conviver uns com os outros, vendo o mal que cada um contém na face do outro. É claro que isso leva mais tempo, mas no final, acaba dando certo.

-Então é por isso que eu odeio tanto o meu vizinho? 


-É. Ele tem uma característica que te irrita profundamente, não tem?


Balancei a cabeça afirmativamente. Ele continuou:


-E qual é?


Naquele momento, deu um branco em minha cabeça. Respondi que eu não sabia. Ele disse que eu poderia pensar sobre aquilo mais tarde, mas que deveria fazer um esforço. Perguntei-lhe:


-E vocês, os diabos, como é que ficam nessa história toda?


-Bem, nós não somos mais os personagens principais nesta cura, principalmente, depois que vocês trataram de criar tantas histórias sórdidas a nosso respeito, e começaram a nos banir com aqueles exorcismos ridículos toda vez que a gente tentou se aproximar. Além do mais, nos transformaram em bodes expiatórios, colocando em nós a culpa sobre tudo o que há de errado no mundo, sendo que a culpa está em vocês mesmos! Bem, você quer saber o que vai acontecer com a gente? Ainda temos um trabalhinho por aqui, e depois... vamos tirar férias por tempo indeterminado. Ai, mas confesso que dói, às vezes...


Ele fez uma cara triste, e vi lágrimas em seus olhos:



-Basta ter uma dor de barriga, e vocês dizem que a culpa, é de algum espírito zombeteiro. Se o marido vai embora com a periguete, é porque alguém fez macumba e invocou as Forças do Mal... tudo é culpa nossa!



Senti pena dele novamente. Servi-lhe mais uma xícara de café. Ele fez uma careta após beber, dizendo que tinha esfriado, e eu fui para a cozinha, preparar-lhe outro. Olhei pela janelinha sobre a pia, e a tarde já dava lugar ao comecinho da noite. Terminei de preparar o café, e quando coloquei tudo na bandeja e fui para a sala, ele tinha sumido.


Na minha almofada, as manchas de café começavam a secar e desaparecer. Sobre a mesa de centro, o açúcar tinha atraído algumas abelhas. 



Suspirei fundo, e depois de limpar tudo e lavar as xícaras, fiquei à janela, vendo as últimas luzes do dia se transformarem em noite. O céu encheu-se de estrelas. 


Desde aquela tarde, eu perdi o medo da escuridão, pois percebi que os demônios que eu temia, não estavam do lado de fora; estavam dentro de mim.



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