Trechos de "De Profundis," de Oscar Wilde
"... E aqueles que abandonam suas esferas próprias alteram apenas o que os rodeia, não sua natureza. Não adquirem os pensamentos e as paixões próprios da esfera para onde entram. Não está no seu poder consegui-lo. As forças emocionais, como digo algures em Intention, são limitadas em extensão e duração como as forças da energia física. O copo pequeno, que é feito para levar um tanto, leva este tanto e não mais, ainda que todos os tonéis cor de púrpura de Burgundy se encham de vinho até as bordas, e os comerciantes se ajoelhem sobre as uvas recolhidas das pedregosas vinhas da Espanha."
"...Há agora uma longa distância entre minha arte e o mundo, mas entre a Arte e eu próprio não há qualquer distância. Pelo menos espero que não haja."
"Se depois de eu sair, um amigo meu desse uma festa e não me convidasse, eu não me importaria nada. Sou perfeitamente capaz de ser feliz sozinho. Tendo liberdade, livros, flores e a Lua, quem poderia não ser feliz?"
"Claro que o pecador deve arrepender-se. Mas por quê? Simplesmente porque, de outra maneira, será incapaz de compreender o que fez. O momento do arrependimento é o momento da iniciação. Mais do que isso; é o meio pelo qual alteramos nosso passado. Os gregos pensaram que isto era impossível. Dizem-no muitas vezes em enigmáticos aforismos: "Nem mesmo os deuses podem alterar seu passado." Cristo mostrou que o mais vulgar dos pecadores podia fazê-lo. Que essa era a única coisa que ele podia fazer. Se o tivessem interrogado, Cristo teria dito - tenho a certeza disso - que, no momento em que o Filho Pródigo caiu de joelhos e chorou, transformou o fato de ter gasto a sua fortuna com prostitutas, e deter depois guardado porcos, e de ter desejado as bolotas que eles comiam, em incidentes belos e sagrados de sua vida. Para muitas pessoas, é difícil compreender a ideia. Atrevo-me a dizer que é preciso ir para a prisão para conseguir compreendê-la. Se assim é, pode ser que valha a pena ir para a prisão. ..."
"...É trágico que tão poucas pessoas alguma vez possuam suas almas antes de morrerem. "Nada é mais raro no homem," diz Emerson, "do que um ato que lhe seja próprio." É bem verdade. A maioria das pessoas são as outras pessoas. Seus pensamentos são as opiniões de outras pessoas, sua vida, uma imitação, suas paixões, uma citação. Cristo não foi apenas o supremo individualista: foi o primeiro da história. As pessoas tentaram transformá-lo num vulgar filantropo, igual aos horríveis filantropos do século XIX, ou fazer dele um altruísta, como os anticientistas e os sentimentais. Mas, na verdade, ele não foi uma coisa nem outra. Sentia, evidentemente, piedade pelos pobres, por aqueles que estão fechados nas prisões, pelos humilhados, pelos infelizes, mas sentia muito mais piedade pelos ricos, pelos hedonistas ferozes, por aqueles que desperdiçaram sua liberdade tornando-se escravos das coisas, por aqueles que vestem roupas suaves e vivem nas casas dos reis. A riqueza e o prazer pareciam-lhe tragédias bem maiores do que a pobreza e a dor. Quanto ao altruísmo, ninguém melhor do que ele sabia que é a vocação e não a volição que nos determina, e que não podemos tirar uvas de espinhos nem figos de cardos. ..."
"De Profundis" é o texto escrito na prisão, quando foi condenado sob a acusação de homossexualismo após o escandaloso caso em que se envolveu com Lord Alfred Douglas. É uma longa carta de recriminações a seu ex-amante e causa de toda a sua desgraça. Neste documento Wilde explica sua conduta sem tentar defendê-la.