Em diversas fases da minha vida, eles me pediram para nascer. Dei-lhes voz, e é de minha responsabilidade que eles continuem vivos. Republicações.
Isoladas pelo pensamento.
Desfazem, dos barcos, as quilhas.
Para enganar a solidão.
Te perdoaria...
Ele engatinha.
Não te perdoo...
Nas nuvens.
Eu a diria.
Que embrulhamos.
Junto aos sonhos que abortamos.
Meu Verso
Meu verso é o nanquim
Que contorna as curvas sinuosas das montanhas,
A aquarela que pinta, de leve,
As cores das águas...
Meu verso
É o vermelho indizível do anoitecer,
O nascer de cada estrela
E o brilho que nos chega
Anos-luz após uma delas morrer.
Meu verso é o quadrado onde me abrigo,
E trago sempre, comigo, a poesia,
Porque sem ela, eu não me entendo, eu não me explico,
Meu verso é o branco do meu sorriso,
Meu sul, meu norte,
Meu inferno e meu paraíso...
Meu verso, algumas vezes, sofre e sangra,
Ora caminha ereto, ora manca,
Ou arrasta-se no chão do meu caminho,
Mas é ele que me leva, se me perco
Sempre,
De volta ao ninho.
Coerência
Há muito deixei de buscar
Neste mundo, coerência.
É uma difícil ciência,
A arte de se dizer
E de ser o que se diz.
Guarda-chuvas contra flores,
E andanças em jardins
Coalhados de pedras duras
E de escuras sepulturas...
A água fresca cuspida
Veneno, aos goles, tomado...
As amizades traídas
Inimigos exaltados.
Há muito deixei de buscar
Neste mundo coerência...
Pois aquilo que se pensa
Nem sempre é o que é.
Um sentimento escrachado,
Por línguas de fogo e de fel,
Ouvidos atentos procuram
O som que os tire do céu...
Assassinos desalmados
De almas e de poesias
Mil poetas degolados
Sobre a lage branca e fria.
Há muito deixei de buscar
Neste mundo, coerência...
Partidas
Ela era a estação,
E ele, o trem que chegava de manhã
E que partia ao findar o dia.
Naqueles breves encontros,
Ela sonhava permanências
E ele se despedia.
Ela deixava os sonhos sobre os trilhos ainda quentes,
Guardava o futuro
Num horizonte mutante
E morno de branduras...
Ele se perdia por um mundo sem fronteiras,
Onde as estações eram somente
Uma pausa entre aventuras.
E cada um era o avesso
Do que o outro desejava;
E era isto que fazia durar:
O coração não descansava
De sempre e tanto
Sonhar.
Caverna
Há muito que eu entrei nessa caverna,
E me esqueci por onde é que se sai.
Aprendo a conviver com a escuridão
E luz demais me cega.
O gotejar da alma pelo chão
Monótono e sentido - mesmo tom,
É a única canção que me acompanha
Mas que não tem um refrão.
Meus passos se arrastando pelo chão
Nessa caverna imensa e solitária;
A pele d'alma cobre-se de escaras...
Ah, máscara calcária!
E se um dia houver a salvação,
Não sei se eu a aceito contente,
Pois a tristeza é tatuagem quente
E sob, a carne é rara.
Miríades
Miríades de mim:
Nas gotas de chuva (em cada uma delas,)
Subpartida em cada folha,
Em cada canto desta casa,
O meu fantasma à janela.
Milhões de mínúsculas células,
Todas elas
Pedaços diáfanos de mim...
Alguns, espalhados pelo vento
Tentando transcender o tempo.
Miríades de mim em cada estrela:
Vê; eu sou aquela parte mais fosca,
A que empana o brilho,
A que volta sempre no verão,
Nas asas das moscas!
Minha pele esgarçou-se de tanto gastar-se
Contra os muros do tempo.
Meus cabelos caíram, e voam no escuro
Tocam teu rosto como teias de aranha.
Miríades de mim no teu pensamento,
Perdida em cada instante
Eu me reinvento,
Sublimando a morte,
Sublimando o esquecimento.
Sonhos
Uma nesga de luz apaga a noite,
E traz de volta a claridade,
No bico de um pássaro.
Os olhos se abrem, encaram a vida,
Enquanto os sonhos se fecham, silentes,
Adormecendo sobre a fronha.
Mais um dia que começa na vida da gente,
Com seus risos, suas lágrimas,
E outros sonhos, que se sonha acordado,
A luta entre o mel e a peçonha.
Mais um dia que começa, e de repente,
O coração se abre como a flor,
Que espalha as pétalas sob a luz, e esbanja cor,
Para fechar-se novamente ao crepúsculo...
Despertam a noite e o sonho sobre a fronha,
Escurecendo a luz bem devagar,
Mas salpicando tudo com brilhos de estrelas,
Abençoando e protegendo a todos
Com o luar que se espalha sobre as telhas.
Fim de Tarde
Aquele cheiro de carros
Chegando na rua,
Cachorros latindo nos portões,
Pais com os pães pendurados nos dedos,
Mães em roupões e pantufas,
Jantar sobre a mesa.
A novela rolando na TV,
Talheres e copos tilintando,
O cheiro da comida escapando pela janela,
A adolescente no quarto, em frente ao espelho,
Sem pensar em problemas,
Apenas nas novas cores dos esmaltes de unha,
Na prova que teria na manhã seguinte,
Em ser uma estrela num banho de espuma,
E no que contar, amanhã, à amiga.
Conversas chegando nas vozes dos ventos,
As ruas vazias, tão cheias de lua,
E de repente, alguém chega à janela,
Olha as estrelas, respira fundo,
Planeja o outro dia,
Silencia.
Era assim.
Quebrar-se
Não sabia ser inteira; partia-se
Sempre que alguém partia!
E ao quebrar dos laços,
Apenas a alma doía!
Ah, a impermanência
Na qual ela vivia!
Quebrava-se sempre
Que alguém partia...
A vida emendava os pedaços,
Juntava os traços,
fazendo colchas de mil retalhos,
Amarrava as lembranças
Em um triste feixe...
E ela, sozinha,
Fragmentava-se,
Cortava-se,
Quebrava-se
Em mil saudades,
Ao final de cada dia!
Ah, se ela soubesse
Manter-se inteira,
Reconstruir-se,
Costurar-se!...
Quem sabe, até mesmo
Doesse menos
Cada partida,
Cada quebrar-se!
E as memórias
Juntavam-se todas
Aos pés da moça,
Em frente ao fogo,
Sobre o tapete,
Entre as paredes,
Sob as cortinas
E as cobertas,
Na fronha lisa
Quase sem sonhos...
De madrugada,
Alguém partia,
E ela fechava os olhos
Ainda tonta de sono,
Ainda transida de medo,
Até que um dia - bem de repente
Ela partiu.
Escrevo Porque...
Escrevo,
Porque há tantas coisas belas nessa vida,
Há anoiteceres e madrugadas adormecidas,
Flores nos jardins e pessoas na sua lida...
Escrevo,
Porque necessito contatar o mundo,
Traduzir a vida que me chega a cada segundo,
E interpretar tudo aquilo que eu vejo.
Escrevo,
Por quem não consegue se comunicar,
Por quem está alegre, e por quem, a chorar,
Procura palavras que lhes fortaleçam...
Escrevo,
A fim de pintar o mundo de outras cores,
Há outras matizes, além do negro e do cinza,
Basta escolher como se quer pintar!
Escrevo,
Pelo sim, pelo não e até pelo talvez
Então, de nada adianta querer me calar:
Pois de escrever, jamais irei parar!