witch lady

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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

NO CHÃO DA COZINHA


Minha cozinha é o local mais fresco da casa durante o verão, pois há duas portas, uma diante da outra, que mantenho abertas (a não ser quando estou cozinhando, ou o fogão não fica aceso), causando uma contínua corrente de ar. Latifa adora deitar-se ali, nos azulejos frios, sentindo o vento, e só sai já ao finalzinho do dia, quando o calor arrefece.
Numa tarde muito quente, após chegar em casa cansada do calor da rua, deitei-me com ela. Imediatamente, ela virou-se de barriga para cima e encostando a cabeça na minha, dormiu. Fiquei desfrutando daquele momento, sabendo que daqui a alguns poucos anos, ela já não estará mais aqui.
Ao mesmo tempo, descobri minha casa de um ângulo que eu nunca tinha olhado: o teto branco, a parte inferior da mesa, as copas das árvores lá fora, o contato do azulejo gelado contra minhas costas. Senti o vento passando por cima de nós, e fiquei escutando as maritacas que passeavam pela tarde quente. Por um momento, esqueci-me de qualquer compromisso ou responsabilidade: não pensei nas aulas a preparar, no jantar a fazer ou nas teias de aranha que já recomeçavam a surgir no telhado da varanda. Deixei-me estar ali, naquele momento, na companhia daquele cão que confia totalmente em mim, a ponto de dormir em minha presença.


VESTIDOS



Eu nunca tive tantos vestidos!...
E eles me olham, em fileiras,
Querendo ser os escolhidos.

Há  brancos, verdes e vermelhos...
-Existe um bem transparente,
E outro, sagaz como um espelho!

Vestidos longos, curtos, midi,
Outros de barras tão compridas
Que se arrastam pelo chão...

Há os estampados bem alegres,
E outros, em ton sur ton,
São debruados de ilusão.

Existe um, que eu bem sei,
É como a roupa nova do rei
Que deixa à mostra o escondido...

Há um no fundo do armário
(Não o escolho; ele me escolhe)
E dele, eu tenho muito medo:

Me aperta como um espartilho,
Esmaga o peito, esse vestido!
-E ele é negro, negro, negro...




sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Simbólico








Bem simbólico o teu ato,
De escolher o mais barato.

Mas aquilo que é de graça,
Só refastela as traças.

Jamais chega ao coração
Algo morto e ressecado,
Mesmo com boa intenção

E delas, são cheia as distâncias.





Dança Comigo?...







...E se por acaso a nossa música tocar,
Eu te chamarei para dançar.

Assim, nós giraremos pelo salão do tempo,
Pó de estrelas e memórias
Caindo sobre nossos cabelos,
Enquanto abraçados,
Reviveremos a nossa história.

São tantas coisas, tantas, que vivemos!...
E o que foi bom, ressurgirá
Ao rítimo da dança,
Enquanto as dores, como longas tranças,
Prenderão os nossos passos...

Mas mesmo assim, eu te convido: dança comigo,
E olha de novo, dentro dos meus olhos:
Enxerga neles a mulher que tanto amas,
Cujos segredos desvendaste, um a um...

Ah, se a nossa música tocar,
Haverá luas e estrelas, que juntos contemplamos,
Mais uma vez, no nosso céu a brilhar!
Pois temos tanto a lembrar, tanto a viver,

Tanto a calar...




VINÍCIUS DE MORAIS




Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...






Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.




O VELHO E A FLOR

Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta 
em pétalas de amor.




POEMA DOS OLHOS DA AMADA

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.





SAUDADES DO ALEPH























Bichos em Casa



Às vezes eu digo ao meu marido: "Quando nossa Latifa se for, eu não quero mais bichos." Adoro animais, mas é bem verdade que eles nos prendem bastante, pois sou do tipo de pessoa que não viaja para longe por dias e dias e deixa latinhas de comida e água espalhadas pela casa. Não teria coragem para tal. Também já visitei alguns hotéis para cães por aqui, e não gostei de nenhum.  Meus sobrinhos, que olhavam meus cães quando eu viajava, cresceram, arranjaram empregos e namoradas, e por isso, não tem mais tempo de olhar a Latifa. Ela fica triste se eu sair para uma caminhada; chego em casa e a encontro chorando.

Se me afasto dela e fecho a porta da casa quando estou limpando tudo, ela fica o mais próximo de mim que puder, por exemplo, escolhe no quintal o local onde fica a janela  do cômodo onde estou (mesmo que esteja sol quente ou chovendo) e fica lá, deitada esperando. Nos finais de semana, saio para passear com o coração pesado e um imenso sentimento de culpa - mesmo deixando a Latifa solta dentro de casa, com ventilador, água, comida e a porta dos fundos aberta para ela sair e entrar. Bem, quanto a segurança da casa, confio nela! Acho mais fácil para alguém mal-intencionado arrombar uma porta do que passar por um Rottweiler. 

Há anos, desde que nosso cão Aleph morreu, eu e meu marido não fazemos uma viagem mais longa. Não queremos deixar a Latifa sozinha.

Bichos em casa dão trabalho; é preciso estar disposto a varrer e aspirar pelos do tapete todos os dias; é preciso estar em dia com vacinas e veterinário. É preciso gastar com uma boa ração, remédios quando necessário, dar banhos, escovar o pelo. É preciso ter um coração receptivo e sensível para compreender as necessidades emocionais do cão de ter a gente por perto. Eu não teria coragem de isolá-la em algum canto afastado do jardim.

Mas apesar de todo esse trabalho, ah, como vale a pena! Acordar de manhã e deparar com uma cara animada e sorridente, cheia de desejos de "Bom dia." 

Animais conversam com a gente; não da nossa forma, é claro, mas quem tem um cão, gato ou outro animal de estimação há algum tempo e presta atenção a ele, logo compreenderá que ele tem uma forma toda especial de se expressar. Saberá distinguir seus olhares e resmungos de fome, tédio, medo, tristeza, "Hey, me leva para dar uma volta", "Me dá um pedaço disso aí que você está comendo..." Animais são tudo de bom. E mesmo a dor que sentimos quando chega a hora de nos separarmos dele, terá valido a pena. 

Mas mesmo assim, acredito que Latifa será nosso último cão. Já estamos chegando aos cinquenta, e há muitas coisas que queremos ver e sentir por aí.



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  Eu Só Tenho Uma Flor   Neste exato momento, Eu só tenho uma flor. Nada existe no mundo que seja meu. Nada é urgente. Não há ra...