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terça-feira, 20 de agosto de 2024

COMPRE UMA CAMISETA ROSA, TALVEZ...

 


 

Acabo de terminar uma aula cujo tópico de conversação era o tédio. Eu acho que quando a gente se sente entediado, é hora de mudar. Nem falo de grandes mudanças - embora elas sejam necessárias, muitas vezes - mas de pequenas mudanças no cotidiano.

 

Por exemplo:

 

- Quando estou cansada de um cômodo da casa, eu troco os móveis de lugar, ou pinto a parede de outra cor, troco as capas das almofadas ou simplesmente introduzo no local pequenos objetos que estavam em outros cômodos. Vasos de plantas também dão um novo ar a qualquer ambiente. De vez em quando, troco os tapetes e cortinas de lugar; trago os da sala para o quarto, e vice-versa. 

 

- Eu gosto de experimentar coisas diferentes: restaurantes diferentes, lugares diferentes. Se não faço isso com tanta frequência, é porque meu marido é muito conservador. Ele é o tipo de pessoa que não gosta muito de mudanças. Para ele está tudo bem ir sempre aos mesmos lugares e até mesmo pedir os mesmos pratos de sempre. Mas eu quase sempre peço algo que eu nunca comi. Isso pode ser desastroso, mas também pode ser muito positivo. Foi assim que fiquei conhecendo o risoto de pera com brie do restaurante Mimô, aqui em Petrópolis. 

 

- Gosto também de experimentar roupas que eu geralmente não usaria. Ando aceitando as recomendações das vendedoras e me atrevendo um pouco mais na escolha do que vestir, e tem dado surpreendentemente certo. Se não aceito sempre seus conselhos, pelo menos concordo em experimentar as roupas. De vez em quando, por que não usar uma camiseta rosa choque, ou uma saia verde bandeira?

 

Acredito que até mesmo a depressão - a doença do século - pode ser apenas um caso de tédio não reconhecido: as pessoas estão tão condicionadas a fazerem sempre as mesmas coisas, que acabam ficando deprimidas, mas não conseguem identificar as causas. Quem sabe, ao invés de tomar remédios, uma pequena viagem poderia ajudar? Ou então uma camiseta rosa choque!

 

O tédio das coisas sempre feitas da mesma forma deixa as pessoas chatas. É como aquela pessoa que sempre passa as férias na praia, só porque tem um apartamento lá. Nunca mais vai para outros lugares. Ou veste sempre as mesmas cores. Ou fala sempre dos mesmos assuntos ou sobre si mesmo, sempre citando o passado, porque não se informa sobre o que anda acontecendo no mundo, não lê um livro, não sai de casa, não aprende nada novo ou diferente. Talvez a depressão seja um tédio que saiu do controle, alguma coisa sombria que foi se acumulando ao longo dos anos e que criou vida própria. Daí surge o medo da mudança, a inércia, a sensação de incapacidade. 

 

Quanta diferença pode fazer uma simples camiseta rosa!

 

 

 

 



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

TURISMO

 



Visitem, amigos,

As cavernas escuras da alma.

Admirem  as estalactites

Que cortam a pele

Do coração. 


Mergulhem nas águas turbulentas

Da desilusão,

Descobrindo, lá no fundo,

Onde estão os celacantos

E os tubarões.


Visitem, amigos,

As estradas solitárias

Da dor e do abandono,

Cruzem-nas na noite da alma,

Suplantando o medo.


Mergulhem, amigos,

Nas águas turvas dos segredos,

Cuidem para que não se afoguem

No próprio degredo!


Incluídos no pacote

Estão hotéis assombrados

Onde vivem as crianças abandonadas

E seus sonhos renegados.







quarta-feira, 7 de agosto de 2024

ABRA MÃO

 



Paz é um sentimento que só estará do lado de fora, estando dentro. 

Na noite passada eu não dormi. Nem por um segundo. Fiquei pensando no quanto uma pessoa tinha sido injusta comigo, mesmo eu tendo sido o melhor de mim para ela. Mas quase de manhã, vagando pela internet adormecida, encontrei um curto vídeo que me fez lembrar de algo simples e importante: A gente não tem controle sobre os atos alheios. As pessoas são o que são. Nem todo mundo vai gostar da gente. E nem é preciso que gostem! 

O aprendizado está em largar aquilo que não podemos controlar - e não podemos controlar quase nada nessa vida, e aquilo que a gente pensa que controla, é apenas ilusão. De repente alguma coisa acontece e nos mostra que o controle não está, nem jamais esteve, em nossas mãos. No budismo eles ensinam a contemplar; deixar que os pensamentos cheguem e passem. Deixar que a vida traga e leve. E na madrugada, mudei o texto do meu bios no Instagram para: "Abra mão, mas jamais quebre os próprios dedos." E quantas vezes a gente quebra os dedos tentando segurar, tentando reter!

Enquanto eu limpava a casa, logo após terminar as aulas da parte da manhã, um pensamento me veio: "Que tal pessoa encontre a paz, porque está precisando. Preocupe-se com a sua vida, com a sua paz, seja você uma pessoa grata ao invés de tentar tirar das pessoas aquilo que elas não têm para dar. Você está bem; não permita que um acontecimento aleatório, perpetrado por alguém despreparado, abale tanto as suas estruturas."

E então eu senti uma paz enorme, e gratidão porque tenho uma casa para limpar, pratos para lavar, roupas para passar e guardar. E muito mais rapidamente do que eu pensava, terminei todas as tarefas que eu tinha. 

Todo mundo tem o direito de ir embora, mas não é preciso sair batendo a porta. Mesmo assim, sempre haverá quem a bata, pensando que jamais precisará voltar. 




 




 


 


 


 




quinta-feira, 18 de julho de 2024

PALHA

 





Vasculho o entulho

Desse meu silêncio

Em busca de algo

Que eu tenha a dizer,

Uma inspiração,

Palavra parida

Do ventre da vida.


O vento fustiga,

Espalha os sentidos

Por sobre a calçada mal varrida,

Letras se confundem,

Se espalham, se afastam

Das frases não ditas.


Acho que me perco,

Penso que encontro

Um assento no olho

De um furacão.


Sou palha queimada,

Sou folha voando,

Eu sou o restolho

Após a colheita

Da desilusão.




PACIÊNCIA






Uma brisa, e eu viro a página,

Bato com força as minhas asas,

Ganho outros céus, bem longe de casa,

Sobre as ondas que se movem em um mar sem brios,

E não levo nada.


Um olhar de viés, atravessado,

E minha alma deixa tudo de lado,

A procura de paz, do que foi roubado,

E nem sequer digo nada.


Uma pedra lançada contra a minha porta,

E eu nunca mais a abro,

Deixando no alpendre o que for amargo

Até que vá embora,

Até que eu não me lembre de nada.


Um trovão além do permitido,

Uma voz que se eleve em um grito,

E eu tampo meus ouvidos,

Desço as escadas até os porões da minha alma,

E não escuto mais nada.







LUA MINGUANTE

 




Seja o que for, vai embora

Se a lua se faz minguante.

A alguns, deixa mais fortes

E a outros, claudicantes.


É como a água que busca

No solo, consolação

Após uma tempestade

Se infiltrando pelo chão.


A terra fica mais fértil

E a colheita, mais farta

Mas algumas pobres almas

Se afogam na função.


Seja o que for, sempre volta

Àquele que o criou

Sem precisar de escolta

Na força de quem mandou.








BEM NO MEIO




Havia um anjo

De pés descalços

Que caminhava bem no meio

De um coração quebrado.


Dentro da noite,

Da mais negra noite,

Ele erguia nas mãos

Um pequeno archote.


Mas só ouvia seus passos

Quem calasse a própria dor,

Só encontrava

A luz dos seus braços

Quem não temia o amor.


E bem no meio

Do sol que queimava

Ao meio-dia

Havia o alívio

Da brisa das suas asas.


E todo dia, o anjo passa,

Como todo dia ele passava.

Mas só enxerga

Quem tem a fé de caminhar

De olhos fechados,


Quem acredita que amanhece,

Quem não se esquece

Que um dia, tudo passa,

E que toda escuridão

Se transforma em graça.




quarta-feira, 3 de abril de 2024

EU SÓ TENHO UMA FLOR

 





Eu Só Tenho Uma Flor

 

Neste exato momento,

Eu só tenho uma flor.

Nada existe no mundo que seja meu.

Nada é urgente.

Não há razões para que eu me preocupe.

O vento passa pelos meus ouvidos,

Tão rapidamente, que quando percebo,

Ele já se foi.

 

Mas fica-me esta flor,

A única coisa que eu tenho

E que me pertence, embora não seja minha,

Essa flor entre tantas outras,

A flor para qual eu estou olhando.

 

Se eu desviar meu olhar,

Ela se perde.





 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

VERDADES




Alguns falam de doçura,

Desconhecem

O regurgitar das abelhas,

O mel que se transforma dentro delas,

Dentro das casas de cera.


Falam do luxo do escargot

Sem que se lembrem

De que, antes de serem servidos,

Não passavam de lesmas.


Sendo assim, não julguemos

Os processos que passamos,

Aceitemos

O vômito divino que somos

E o tempo que vivemos

Nos arrastando

Deixando rastros pegajosos

No rosto das folhas.




 


 




 



EU ANDO PELA SOMBRA

 

 





Eu ando pela sombra, pisando devagar,

Para que os monstros iluminados

Passem por mim sem me enxergar.

 

É o que eu tenho a dizer

A todo aquele que pergunta

Por onde eu ando.

 

.

.

.

 

 

terça-feira, 7 de novembro de 2023

SEM VOCÊ

 


 

Há uma palma que não segura,

Está vazia de tudo,

Cheia de finos fiapos de nada

Que esvoaçam entre os dedos.

 

Há um copo sem lábios,

As margens intactas,

O líquido, segredo intocado,

No fundo daquela taça.

 

Há um caminho sem passos,

Vazio de quem o seguia.

Há uma fileira de pedras

Que leva a uma casa

Sem alegria.

 

Há um não haver constante

Que se estende pela noite

E encontra a luz do dia.

 

Raios de sol o dissolvem,

Mas a paz é temporária,

Simples alegoria.

 

E eu sigo, tropeçando

Entre sonhos imprecisos,

Versos bruxuleantes

E palavras vazias.

 



 

 



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