Eu acredito muito que não devemos ficar “procurando cabelo em ovo”, como minha mãe costumava dizer. Alguns pequenos problemas podem se resolver sozinhos, e não necessitam que passemos noites em claro pensando sobre eles. Estes problemas, geralmente, são aqueles que na verdade, nem chegam a existir: nossas preocupações com o futuro, por exemplo; passamos boa parte da vida nos preocupando com problemas que nem sequer existem, e a maioria deles jamais chegará a existir.
Mas acredito também que, quando se trata de relacionamentos, para podermos conviver bem com as pessoas precisamos identificar e sanar os grandes problemas latentes. Eles podem ser representados por hostilidades sem razão de ser, exibidas em público por uma das pessoas em um grupo, ou em privado, através de comentários maldosos e fofocas, no intento de diminuir ou humilhar o outro.
Quando a convivência é opcional, é claro que qualquer um desistiria de conviver com tais pessoas. Mas muitas vezes, a convivência não é opcional. É preciso que ela exista, seja em um ambiente de trabalho ou em uma família. Nestes casos, é necessário que se trabalhe a falta de empatia e os gostos pessoais.
Acho que a tática de ignorar o problema da hostilidade gratuita, usada pelos demais membros do grupo achando que com o tempo tudo se resolve, em nada ajuda; pelo contrário: somente atrapalha. Ela dá ao agressor a sensação de que os demais concordam com ele e o apoiam.
Melhor seria identificar o problema e mostrar ao agressor as dificuldades que surgirão, no presente e principalmente no futuro, através de tal comportamento. Acho necessária a confrontação do problema, a conversa franca para identificar as origens do mesmo, que na maior parte do tempo, vem da inveja e insegurança, do medo de perder sua posição ou de uma antipatia gratuita causada por má vontade ou má interpretação do que alguém disse, mas que jamais foi esclarecida. Tais coisas sempre começam cedo, logo no início do relacionamento, mas crescem a proporções assustadoras ao longo dos anos. Aquele que ‘veio de fora’ e começou a participar do grupo, pode não se sentir muito à vontade para fazer tal confrontação, e acaba, como os demais, tentando ignorar as ofensas.
Quando tal coisa acontece, o que vemos após anos e anos de convivência mal direcionada? Ódio solidificado, ressentimentos calcificados, raiva cumulada. Sentimentos que poderiam ter sido compreendidos e canalizados de uma forma melhor através de um mediador. É claro que conviver bem, dentro dos limites do respeito e da boa educação, não significa que duas pessoas serão amigas verdadeiras ou que se amarão, mas o respeito mútuo pode ser o máximo que se consiga. Ou então, os ressentimentos podem sim, transformar-se em amizade, caso sejam postos à luz do entendimento e cada um tenha a chance de estudar e compreender os próprios sentimentos e os sentimentos do outro e pedir desculpas, se for o caso.
Mas existe um tempo limite para essas coisas; anos e anos de raiva acumulada não se desmancham do nada. Anos e anos de ofensas sofridas não são esquecidos facilmente. É muito difícil mudar as coisas quando elas tem sido como são uma vida inteira, sem que houvesse da parte de ninguém, uma tentativa de ajudar a promover uma mudança.
Adultos não são como crianças que, ao se desentenderem enquanto brincam, são colocados frente a frente e alguém manda: “Peça desculpas ao Joãozinho.” Mas... pensando melhor, talvez este também possa ser um caminho! Se, ao menor sinal de um desentendimento ou de um ressentimento infundado, um mediador tivesse feito tal papel, quem sabe a relação não poderia ter tomado um outro caminho? Mas existe um tempo limite para essas coisas. O que não foi feito logo no início, não poderá desfazer anos e anos de agressões veladas ou explícitas, ressentimentos, raivas, ciúmes e inveja jamais contidos ou confrontados.
O que fica, depois de tudo isso, são imagens nítidas do que poderia ter sido, e de tudo o que foi perdido. Anos que poderiam ter sido vividos de uma forma muito melhor, muito diferente, mas que foram jogados fora.
E um dia, nota-se que é tarde demais para uma mudança. O sentimento que permanece é o de desperdício.