Eu estava sentada no sofá daquela casa, sem pensar muito em nada. De repente, a pergunta inesperada – pois sei que a pessoa que a formulou não tem nenhum interesse solidário na minha vida, e nem faz questão absoluta de me ver feliz; no rosto dela, um ar forçado de preocupação: “Está tudo bem com você?” Eu respondi que sim, e continuei em silêncio. A conversa continuou em seu ritmo anterior, e dali a alguns minutos, ela repetiu a pergunta, obtendo a mesma resposta monossilábica. Ainda o fez mais uma vez, e após obter a mesma resposta, acrescentou: “É que eu estou te achando tristinha hoje... está tudo bem mesmo?” Eu ri, e disse que estava bem e que não estava triste, encerrando o assunto.
Em outra ocasião, quando fazia obras na minha nova casa, um desses “amigos” interessados veio dar uma olhada. Após percorrer o espaço, fazendo alguns elogios pouco convincentes, começou a fazer observações bem intencionadas: “No lugar de vocês, eu colocaria um jardim de inverno ali (já havia um lavabo e as escadarias para o andar superior) e moveria as escadas mais para lá. Também teria feito a cozinha maior e a área de serviço menor, e blá, blá, blá...” Quando ele foi embora, ficamos andando pelo espaço, calados, ainda afetados pelos comentários dele. Suas críticas veladas nos pegaram despreparados, e quase arruinaram nosso dia.
Eu e meu marido caminhávamos pela Rua 16 de março em uma linda tarde de sábado, quando a moça bonita e simpática nos parou na calçada, e cheia de sorrisos, começou a reclamar de algo que estava no prédio onde meu marido trabalha (ela mora em frente) e que a incomodava. Ora, meu marido apenas trabalha no prédio, não é síndico ou morador, e não cabe a ele resolver qualquer problema referente a ele. Após falar mal de uma ou duas pessoas, ela soltou mais uma ou duas observações ferinas e se foi, perdendo-se entre a multidão que passava naquela calçada, carregando seus sorrisos sinceros e distribuindo-os entre os que encontrava. Ficamos caminhando em silêncio durante algum tempo, após o qual só pude observar: “Que carga pesada tem essa pessoa!”
Existem pessoas assim, infelizmente. Elas deixam no ar uma observação maldosa – mas tão pequena e casual, que na hora “h” nem nos conscientizamos dela – mas que depois ficam martelando nossos pensamentos, e nos vemos aborrecidos sem saber muito bem qual o motivo. Quem nunca se pegou de mau-humor de repente, sem que houvesse uma explicação para tal? Se prestarmos atenção e fizermos uma curta retrospectiva das pessoas com quem estivemos, talvez encontremos o motivo em um desses comentários “bem intencionados.” E na maioria das vezes, quem o fez, o fez de propósito, a fim de minar sua autoconfiança e cavar um buraco na sua autoestima por onde suas setas de veneno poderão entrar mais facilmente.
Meu primeiro emprego, aos 18 anos de idade, foi em uma das lojas de sapatos que pertencia a uma família próspera, distinta e muito tradicional aqui na minha cidade. A proprietária – uma mulher que naquela época tinha a idade que tenho hoje – um dia me disse: “Ana, quando alguém nos pergunta se estamos bem, devemos dizer apenas que estamos mais ou menos, ou que está tudo indo. Nunca entre em detalhes, nunca dê muitas explicações, porque na maioria das vezes, quem faz esse tipo de pergunta está apenas curioso, só quer saber da sua vida particular, e não é bem intencionado. Nunca devemos entrar em detalhes sobre nossa prosperidade para evitar despertar inveja. Também não devemos fazer confissões quando estamos mal, para não despertar fofoca.” Quando ela me disse aquilo, eu tinha apenas 18 anos, e não compreendi; como não compartilhar com as pessoas que gostam da gente os nossos momentos felizes, as nossas conquistas? Anos depois, eu compreendi o que ela estava querendo me dizer.
Nem sempre, as pessoas que estão em volta da gente realmente nos apreciam. Elas estão apenas curiosas. Ou então, ao perguntarem sobre nossas vidas, só querem nos comparar a elas, para ver se somos tão infelizes quanto, ou para diminuir as nossas conquistas e alegrias através de comentários sutis e totalmente maldosos.
É importante identificar estas pessoas – elas podem estar entre os amigos, colegas de trabalho e até mesmo membros familiares – e evitar fazer comentários muito otimistas ou pessimistas sobre as nossas vidas. Por trás de uma simples pergunta casual, pode haver uma seta envenenada. Por que nos expormos ao veneno da curiosidade alheia?