Vi a gota cair piedosa do ar,
Cair pequenina sobre o chão sedento,
Para depois ser rio turbulento
Indo morrer nas convulsões do mar.
Mas ficou tão saudosa a terra viúva,
Ardendo em sede, suspirando em mágoa,
Que o mar lhe devolveu a gota d'água
Feita de novo em lágrima de chuva.
Assim se impõe uma vontade ignota:
O rio rugidor nasce da gota,
Para que nasça o mar de seus caudais,
E do mar nascem nuvens inconstantes
Que caem de novo, em gotas fecundantes
Em efêmeras gotas imortais.
Eu vi a flor vaidosa e a brisa amena
Bebendo o orvalho da manhã serena,
Num idílio sem fim de brisa e flor.
Mas soprou o tufão depois da aragem
Despetalando a rosa na passagem,
Esmagando-a um sopro arrasador.
Porém a terra, a mãe que nunca enjeita,
Colhe no seio a triste flor desfeita
E clama pelas águas da amplidão.
Assim renasce a flor, para que um dia
Novamente a sacuda a ventania,
Lançando as suas pétalas no chão.
Alegria que nasce de um pavor!
Visão de paz que nasce de uma guerra!
Quando ventou, a flor desfez-se em terra,
Quando choveu, a terra fez-se em flor!
Vi homens juntos a um berço de criança!
Um murmurava, debulhando um terço,
Outro sorria, cheio de esperança,
-Eram crianças que não tinham berço!
Vi homens diante de uma catacumba,
Estava cada qual mais triste e absorto;
Choravam todos em redor de um morto,
E eram mortos que não tinham tumba!
Quantas vezes nasceram e morreram,
Indo cegos do berço à sepultura!
Pois morreram assim como nasceram:
Na mesma e eterna incompreensão obscura!
Do Mundo para o Além se dissolveram,
Cegos a tudo o que aproxima os dois.
Portanto, não viveram nem morreram,
Porque jamais seus olhos perceberam
o mistério do Antes e Depois!
Sou gota e caio; sou torrente e corro.
Sou berço e túmulo; em mim nasço e morro.
Das minhas trevas surge o meu clarão;
Do meu hoje, o amanhã sereno e forte,
Ao nascer, ouço ecos de outra morte,
E ao morrer, ecos de outra geração.
Eu não conheço ausência nem degredo.
Se um dia, eu tiver medo, será medo
De mim mesmo, do enigma que sou.
E se eu fugir, de um pavor terrível,
Será de mim... mas como? É impossível,
Porque sou tudo, e em toda parte estou!
Eu sou o Mundo! Quando vier meu fim,
Como nasci, eu morrerei em mim!
Por Nemè Kazan, poeta libanês contemporâneo.