A moça é apresentadora de um programa culinário para pessoas saudáveis, antenadas e engajadas nas causas sociais. O entrevistado é um suposto ‘chef’ para pessoas saudáveis, antenadas e engajadas nas causas sociais. Juntos, eles preparam um prato vegano para pessoas saudáveis, antenadas e engajadas nas causas sociais.
Enquanto misturam a uma massa cinzenta de inhame dezenas de temperos que parecem anular os sabores uns dos outros (temperos demais podem arrasar com o sabor de um prato), finalizados com uma quantidade tão absurda de pimenta que faria qualquer um ficar vermelho e soltar fogo pelas ventas, eles conversam.
E ela fala do quanto é bom ser saudável. E ele fala de seu projeto em uma favela, a fim de ajudar aos menos favorecidos a aprender uma profissão. Enquanto isso, ambos passam muito tempo rasgando sedas um ao outro, tecendo tantos elogios que as palavras descem pela tela de TV feito doces arabescos, indo aterrissar no piso da sala, que torna-se melado e grudento de tantas palavras doces e olhares rasos d’água de bondade abnegada.
Ao final ambos desfrutam da papa apimentada de inhame, e pela cara que ela faz (apesar do sorriso amarelo) dá para perceber que a gororoba não é tão boa assim. Daí, ela comenta o quanto é bom estar engajada nas causas sociais, e lá se vão mais algumas palavras adocicadas e cheias de calda de caramelo diet. Ele diz:
“maravilhosa é você!” E ela: “Não, você é mais maravilhoso!” E arremata: “Ah, como é boa essa sensação de que estamos ajudando os menos favorecidos através do nosso talento!” E quase dá para o espectador enxergar os anjinhos estilo rococó que voam e revoam em volta deles.
Para finalizar, ele oferece a ela um pote de geleia vegana para pessoas saudáveis, antenadas e engajadas nas causas sociais preparada por um de seus alunos; ela faz questão: “Vou provar agora mesmo!” E enquanto as letrinhas dos créditos do programa começam a passar, ela pega uma boa colherada da gororoba e põe sobre um pão que ela mesma fez, mas que acabou virando biscoito, e manda pra dentro. Ela mastiga durante algum tempo. Dá para ver os olhos dela lacrimejarem. Ele indaga: “E então, o que achou?” E ela responde: “Hum... é... é... picante!” e ele cai na gargalhada.
Eu também.