Trechos de 'Cartas a um Jovem Poeta,' de Rilke
"...Fuja dos grandes assuntos e aproveite aqueles que o dia-a-dia lhe oferece. Fale das suas tristezas e dos seus desejos, dos pensamentos que o tocam, da sua fé na beleza. Diga tudo com sinceridade calma e humilde. Utilize, para se exprimir, os objetos que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, as suas lembranças. Se o quotidiano lhe parece pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser muito poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, nada é pobre, não há lugares mesquinhos e indiferentes. Mesmo num cárcere cujas paredes abafassem todos os ruídos do universo, não lhe ficaria sempre a sua infância, essa preciosa, essa esplêndida riqueza, esse tesouro de recordações? Volte, para esta direção, o seu espírito...."
"... o verão há de vir. Mas só vem para aqueles que sabem esperar, tão sossegados como se tivessem na frente a eternidade. Aprendo todos os dias, à custa de sofrimentos que abençoo: a paciência é tudo."
"...Aliás, os melhores enganam-se quando tentam exprimir, com palavras, o sutil e às vezes o inexprimível. Creio, porém, que as suas interrogações não ficariam sem resposta, se se limitasse a coisas como estas que os meus olhos agora refazem. Se se prender à natureza, ao que nela existe de simples e pequeno, àquilo que quase ninguém observa e que, de repente, se metamorfoseia no infinitamente grande, no incomensurável - se estender o seu amor a tudo o que vive - se humildemente tentar ganhar a confiança do que lhe parece mesquinho -, então tudo lhe será mais fácil, tudo lhe parecerá mais harmonioso, e por assim dizer, mais repousante. A sua inteligência, espantada, ficará talvez na retaguarda, mas a sua consciência mais profunda despertará e compreenderá. ...."
"...Diz-me que os seus próximos lhe parecem distantes: É que à sua volta se está fazendo um espaço. Se tudo o que está próximo lhe parece distante, é porque esse espaço toca as estrelas, já é muito vasto. Alegre-se da sua marcha em frente: ninguém poderá acompanhá-lo. Seja bom para os que ficarem atrás, senhor de si e tranquilo perante eles. Não os atormente com as suas dúvidas; não os assuste com a sua crença, com o seu entusiasmo, porque não poderiam entendê-lo. Procure comungar com eles na simplicidade e na fidelidade: esta comunhão não tem de passar necessariamente pelas metamorfoses por que passa a alma. Evite alimentar o drama sempre pendente entre pais e filhos, esse drama que exaure a força dos filhos e cansa o amor dos velhos, que não precisa de compreender para agir e aquecer. Não lhes peça conselho. Renuncie a que o compreendam. Acredite somente nesse amor que lhe pertence como um bem de raiz. Tenha a convicção de que há nesse amor uma força, uma bênção que podem segui-lo tão longe quanto os seus passos o levarem. ...."