witch lady

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sábado, 20 de fevereiro de 2016

Clarice na Casa









Um pensamento de Clarice Lispector sobre o amor - e o quanto ele está relacionado a tudo o que somos, à casa onde moramos e às coisas que almejamos:


“Desculpa, mas não entendo. Eu quero tudo e mais ainda. Amor tem que encher o coração, a casa, a alma. Pouco ou metades nunca me completaram.” 

 Clarice Lispector







Eu Sou Uma Linha









Eu sou uma linha embaralhada em outras,
Na página inicial de um site qualquer
Onde pululam palavras doces e rôtas.

Uma linha que transpassa muitos corações,
Costura, quem sabe, os rasgos nos lábios,
E arremata muitas outras linhas soltas.

Eu sou um monte de linha embaralhada,
Pedaço de história na beira da estrada,
Quem passa, mal vê, mal sabe, mal olha.

Eu sou uma linha, que de remendada,
É cheia de nós - e está amarrada
Aos passos que passam; agarro-me às solas.

E cada leitura, nem bem me consola,
-Olhar distraído, palavra de esmola,
Que alguém logo esquece, assim que vai embora.




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

DIREITOS SOBRE O CORPO








Eu acredito ser um espírito que, de alguma maneira, está no comando de um corpo – como um motorista está no comando de um carro. Eu não sou meu corpo, mas nós interagimos e precisamos um do outro para que a vida orgânica seja mantida e a vida anímica possa ser expressada neste plano. Não posso provar nada disso em que eu acredito, e até hoje, não encontrei ninguém que pudesse prova-lo para mim, mas é nisto que eu acredito porque é o que faz sentido para mim. Eu acho que quando eu morrer, minha alma vai deixar este corpo e ir para algum outro lugar – conscientemente ou não. E o meu corpo será destruído. Apodrecerá. Ou seja: deixará de ter importância.

Mesmo assim, o que eu faço ao meu corpo enquanto viva neste plano, tem um efeito sobre a minha alma, pois eles estão interligados. Eu posso optar por cobri-lo de tatuagens. Posso castigá-lo com chicotes até sangrar, achando que assim estarei me redimindo de meus pecados. Posso sair por aí e dormir com qualquer pessoa que eu encontrar, levar uma vida promíscua e descuidada. Posso beber até cair, me encher de drogas alucinógenas, pintar os cabelos de rosa ou de azul, ou raspar a cabeça, colocar piercings no nariz, nas orelhas, no umbigo e em outros lugares menos aparentes. Posso comer sem controle e engordar, ou então enfiar o dedo na garganta após comer, e vomitar até a exaustão. Posso optar por submetê-lo a um sádico e fingir que a dor me causa prazer sexual – afinal, está na moda.

Não sou religiosa, não sigo nenhuma religião e meu conceito sobre Deus é tão diferente do que as pessoas religiosas pensam, que prefiro nem discuti-lo. Mas eu acho que o corpo é sagrado. É através dele que eu expresso a minha alma. O corpo é a casa da minha alma. Portanto, apesar de eu ser livre para fazer com ele o que eu bem entender sem qualquer limite, há coisas que eu não devo fazer. Não é uma boa ideia cuidar mal do corpo, pois quem está vivo, quer que ele dure e seja produtivo durante um período longo.

Tenho cinquenta anos de idade, e não tive filhos por opção. Poderia ter tido, se quisesse, mas eu não quis. Nunca me senti inclinada a ser mãe. Prefiro ter cães. Nada tenho contra crianças ou contra quem optou por tê-las, mas eu preferi não tê-las. Por isso, eu tomei pílulas a vida toda: porque eu queria evitar uma gravidez indesejada. Mesmo assim, aos 38 anos de idade, o inesperado aconteceu: eu me vi grávida. Apesar do susto que eu levei, abortar nem me passou pela cabeça, porque havia um outro corpo dentro do meu corpo, uma outra vida que não me pertencia, não era eu e nem era minha, não vinha de mim. Era um outro espírito que queria manifestar-se e nascer para este mundo. A gravidez não foi adiante; apenas algumas semanas depois, sofri um aborto espontâneo. Não sou de chorar ou me lamentar pelo que não é para ser: aceitei e segui em frente. Aconteceu o que era para ter acontecido, e pronto, e não sei explicar porque. Mas aquela criança poderia ter nascido através de mim.

As mulheres hoje em dia falam em liberdade sexual e direitos sobre o próprio corpo. Concordo com elas: todo mundo tem direito a fazer o que bem entender com o próprio corpo, embora esta liberdade deva ser usada com responsabilidade. Mas quando se trata do direito de engravidar e abortar, essa tal liberdade deixa de pertencer apenas a quem traz um embrião no ventre: é uma outra vida, e assim como a mulher acha que tem direitos sobre o próprio corpo, esta outra vida também deveria ter. Se toda liberdade fosse digna, então não poderíamos censurar um estuprador por estar fazendo apenas o que ele deseja através do seu próprio corpo, ou seja, conseguir um pouco de prazer sexual. Mas esperem: já posso ouvir as mulheres liberadas gritando:

-Mas isso é um absurdo! O estuprador é alguém que força outra  pessoa a fazer sexo com ele contra a própria vontade! Ele está invadindo um espaço que não é dele, e fazendo uso de um direito que não lhe pertence! Ninguém deve dispor da vida de outra pessoa desta maneira!

Concordo. E justamente por concordar, sou contra o aborto. Vejo o aborto como um caso de estupro, onde uma vida sobrepuja outra e faz dela o que bem quiser sem que esta tenha o direito ou o poder de defender-se. Mas acho que estou ouvindo novamente o grito das mulheres liberadas:

-Mas se o aborto não for legalizado, milhares de mulheres continuarão a morrer nas mãos de médicos carniceiros!

Eu respondo: Mãos a que elas se submetem de livre e espontânea vontade, já que estão exercendo o seu direito de fazer do próprio corpo o que bem entendem! Mas se a polêmica sobre o aborto é apenas esta – livrar as mulheres liberadas que querem fazer do próprio corpo aquilo que bem entendem sem que elas corram risco de vida – não seria bem menos arriscado e bem mais aconselhável e sensato tomar a pílula anticoncepcional e/ou usar camisinha? E de onde vem a responsabilidade de uma mulher que sofre uma gravidez indesejada nesses tempos de AIDS? Por que ela não se protegeu? Por que ela não fez sexo seguro? 

Porque ela é uma irresponsável, que clama por uma liberdade para a qual não está preparada. Ela grita por direitos que ela própria não compreende e não sabe utilizar. Ela se arrisca a ter uma gravidez indesejada e até à morte ao fazer sexo sem proteção, podendo inclusive ser responsável por espalhar uma doença mortal entre seus parceiros, mas não quer se arriscar a fazer um aborto em uma clínica clandestina; quer ter o direito de fazer abortos em hospital público – como se estes estivessem em excelentes condições de recebe-las, ao invés de receber quem realmente precisa deles: centenas de milhares de pessoas com problemas de saúde REAIS.

A estas mulheres liberadas, eu tenho o seguinte a dizer: cresçam e amadureçam. E usem camisinha. 






Do Quintal









TE OLHO

Te Olho







Te olho, assim, só de soslaio,
De um microscópio - vejo o ranço,
O triste habitat de um micróbio,
Os pelos verdes de um pão mofoso,
Vejo uma ameba, a nadar na profusão
Nas águas de um mar gelatinoso.

Te olho por curiosidade,
(O bizarro sempre me distrai)
Como quem vai a um show de horrores,
De humor indiferente e jocoso,
Num circo decadente , em tarde de domingo,
Só para fugir de um dia chuvoso.

Te olho, pois bateste à minha porta,
Ornada em paetês, cetins e plumas,
Macramés, brilhos, rapapés,
Desarrumadamente torta,
Na face, um par de olhos mortos
E os dedos nodosos, apontando
As unhas sujas para o meu rosto.

Te olho, pois és um bom exemplo
De tudo o que penso ser medíocre,
E tua insignificância me fascina.
Não sei se o nosso desafeto
É destino, carma, doença ou sina,
Mas te vejo como uma latrina
Na qual despejo meus dejetos.




"Não me peça que eu lhe faça
Uma canção como se deve
Correta, branca, suave
Muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém." - Belchior






terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

CHIMERA








She danced in ataxia,
Involved by chimera
Of things she invented
About her fake life...

She looked in the mirror
And saw a strange queen
Whose crown was suspended
Above her bald head...

If only instead
Of making up lies
She could find a reason
To be what she's like!

Oh, what a false world,
Oh, what a false life!
Her ego so huge,
She could not see light!





Não Voltar Para Casa







Acabo de deixar minha aluna no portão, após o término da aula. Hoje de manhã recebi a notícia de que um de meus vizinhos - um senhor idoso que estava muito doente - acabara de falecer.  Apesar de não termos muito contato, nas poucas vezes em que conversei com ele durante estes mais de onze anos que moro nesta rua, pude perceber que se tratava de alguém educado e gentil. 

A casa fica do outro lado da rua, a alguns metros da minha, e pude vê-la do meu portão. Vi as portas e janelas fechadas. Nunca mais ele vai voltar para casa.

Imaginei a solidão por dentro daquelas paredes: os seus objetos favoritos, a poltrona que ainda guarda o formato do seu corpo, as roupas penduradas no cabide - roupas que ele não mais vestirá, as coisas deixadas do jeitinho que ele as arrumou pela última vez, os cantinhos preferidos, os espelhos que tantas vezes refletiram a imagem dele. 

Lembrei-me do que senti quando eu caminhei pela casa pela primeira vez, após a morte do meu pai: acabáramos de voltar do enterro, e a primeira coisa que vi quando abri a porta da cozinha que dava para a área de serviço, foi uma camisa dele que era usada para ficar em casa, displicentemente jogada sobre o varal de roupas. Acho que ele a deixara ali naquela manhã, antes de sair. Sobre a mesa da cozinha, um pacote de biscoitos que ele comprara. No quarto, sob a cadeira, os sapatos com as meias ainda dentro. É difícil caminhar por uma casa quando um dos moradores acabou de morrer.

Da mesma forma, entrar no quarto que pertenceu à minha mãe e sentir ainda o cheiro dela, ver suas roupas todas muito arrumadinhas nas gavetas e armários, mexer nos livros cheios de anotações, números de telefone, endereços, fotografias e flores secas... não foi nada fácil.

E depois, fica sempre aquela pergunta aguda e dolorosa, que ninguém pode responder.




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O Tucano O TUCANO   Domingo de manhã: chuva ritmada e temperatura amena. A casa silenciosa às seis e trinta da manhã. Nada melhor do que me ...