Quando a gente se casa com alguém – dizem – é que passamos a conhece-lo realmente. Viver juntos na mesma casa deixam expostas todas as manias, fraquezas, medos, dúvidas, qualidades e defeitos. Acho que isso é verdade, embora tenha conhecido casais que viveram juntos uma vida inteira sem sequer atinarem para a verdadeira personalidade do cônjuge. Passaram uns pelos outros sem realmente se olharem.
Já ouvi falar de casais que se separaram por detalhes bobos, como a pasta de dentes espremida pelo meio do tubo, a tampa do vaso sanitário ‘batizada’ ou levantada, as marcas de pés enlameados no assoalho recém-encerado, os roncos noturnos, os cabelos caídos na pia, a cara sem maquiagem ou cheia de creme pela manhã. Mas eu penso que estes motivos são apenas desculpas para o motivo real das separações: faltou amor. Faltou paciência, tolerância, e acima de tudo, diálogo. Talvez, a compreensão de que ninguém é perfeito.
Viver juntos significa dividir espaços, respeitar os espaços e os gostos do outro e os momentos nos quais ele precisa estar só.
Porém, para certas coisas, nem todo o diálogo do mundo terá sido suficiente. Por exemplo: meu marido tinha a mania de cortar pão sobre a toalha de mesa, o que me deixava sempre irritada. Eu detestava sentar-me à mesa para o café da manhã (levanto-me muito mais cedo que ele, pois começo a trabalhar às sete, e tomo café da manhã sozinha) e sentir os farelos sob o antebraço, ou vê-los grudados nas mangas das minhas roupas. Depois de pedir, implorar, discutir e brigar, desisti; não havia jeito de fazer com que ele se lembrasse de colocar um prato sob o pão antes de cortá-lo.
Certa vez, enquanto ele começava a cortar o pão, eu mais que depressa pus o prato sob ele, e meu marido – muito sem graça – passou a limpar com a mão os farelos que tinham caído sobre a toalha antes ... jogando-os, com a cara mais inocente do mundo, no chão da cozinha! Percebi que ele tinha tentado encontrar uma solução rápida e desajeitada para seu problema, e ao invés de ficar brava, comecei a rir. Ele pegou a vassoura e passou a varrê-los.
A partir daquele dia, ele não apenas começou a lembrar-se de colocar o prato sob o pão antes de cortá-lo mais frequentemente (às vezes, ele ainda se esquece), mas também passei a não dar mais tanta importância quando os farelos ficam grudados na minha roupa; ao invés disso, lembro-me daquele dia e começo a rir. Confesso que, quando ergo os braços da mesa e não encontro nenhum farelinho sequer, sinto falta, e penso naquele dia com carinho.
Há tantas coisas boas que ele faz para mim e para nós, e farelos de pão não serão mais motivos suficientes para que comecemos uma discussão. Mas só a maturidade traz este entendimento, e a maioria dos casais separam-se antes disso.