witch lady

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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Sentidos








Eu acho que o amor
É uma briga de sentidos:
Cheiros, sabores, cores, sons
Ecoando em vários tons
Na ansiedade de um par de ouvidos.

Uns pensam que amor é só sentimento,
Volátil, feliz ou sofrível,
Um sentir que ninguém explica
Porque não cabe em ‘sim’ ou ‘não.’
Mas eu acho que amor é carne, alma e sangue,
Um pouco abaixo da loucura
Que se situa na paixão.

Depois, o fogo abranda, e ficam
Entre os gritos, silêncios e meiguices,
As brasas quentes e vermelhas
As mesmas que nos aquecerão
(Meias de lã não bastarão)
Nas noites frias da velhice.





terça-feira, 22 de novembro de 2016

Farelos nos Cotovelos




Quando a gente se casa com alguém – dizem – é que passamos a conhece-lo realmente. Viver juntos na mesma casa deixam expostas todas as manias, fraquezas, medos, dúvidas, qualidades e defeitos. Acho que isso é verdade, embora tenha conhecido casais que viveram juntos uma vida inteira sem sequer atinarem para a verdadeira personalidade do cônjuge. Passaram uns pelos outros sem realmente se olharem.

Já ouvi falar de casais que se separaram por detalhes bobos, como a pasta de dentes espremida pelo meio do tubo, a tampa do vaso sanitário ‘batizada’ ou levantada, as marcas de pés enlameados no assoalho recém-encerado, os roncos noturnos, os cabelos caídos na pia, a cara sem maquiagem ou cheia de creme pela manhã. Mas eu penso que estes motivos são apenas desculpas para o motivo real das separações: faltou amor. Faltou paciência, tolerância, e acima de tudo, diálogo. Talvez, a compreensão de que ninguém é perfeito.

Viver juntos significa dividir espaços,  respeitar os espaços e os gostos do outro e os momentos nos quais ele precisa estar só.

Porém, para certas coisas, nem todo o diálogo do mundo terá sido suficiente. Por exemplo: meu marido tinha a mania de cortar pão sobre a toalha de mesa, o que me deixava sempre irritada. Eu detestava sentar-me à mesa para o café da manhã (levanto-me muito mais cedo que ele, pois começo a trabalhar às sete, e tomo café da manhã sozinha) e sentir os farelos sob o antebraço, ou vê-los grudados nas mangas das minhas roupas. Depois de pedir, implorar, discutir e brigar, desisti; não havia jeito de fazer com que ele se lembrasse de colocar um prato sob o pão antes de cortá-lo. 

Certa vez, enquanto ele começava a cortar o pão, eu mais que depressa pus o prato sob ele, e meu marido – muito sem graça – passou a limpar com a mão os farelos que tinham caído sobre a toalha antes ... jogando-os, com a cara mais inocente do mundo, no chão da cozinha! Percebi que ele tinha tentado encontrar uma solução rápida e desajeitada para seu problema, e ao invés de ficar brava, comecei a rir. Ele pegou a vassoura e passou a varrê-los.

A partir daquele dia, ele não apenas começou a lembrar-se de colocar o prato sob o pão antes de cortá-lo mais frequentemente (às vezes, ele ainda se esquece), mas também passei a não dar mais tanta importância quando os farelos ficam grudados na minha roupa; ao invés disso, lembro-me daquele dia e começo a rir. Confesso que, quando ergo os braços da mesa e não encontro nenhum farelinho sequer, sinto falta, e penso naquele dia com carinho.

Há tantas coisas boas que ele faz para mim e para nós, e farelos de pão não serão mais motivos suficientes para que comecemos uma discussão. Mas só a maturidade traz este entendimento, e a maioria dos casais separam-se antes disso. 





Poema de Natal - Vinicius de Moraes





Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.




Momento de Paz




O Paraíso
É quando estás em paz,
Envolto em branco
Bem no meio do arco-íris,
Descansando na  serenidade,
Sem querer prender a liberdade.

Estar em paz, é não querer mais nada,
A não ser agradecer pelo que tem,
Pelo que já é, e até
Pelo que jamais poderá ser.

É sentar-se lá fora, sobre a grama,
E fechar os olhos para melhor ver,
Abrir os sentidos,
Sentir no vento os cantos dos pássaros
Vindo, vindo, vindo, vindo...

Se houver chuva caindo,
Multipartir-se com as gotas
E cair junto com elas,
Achando que o dia é lindo,
Lindo, lindo, lindo, lindo...




sábado, 19 de novembro de 2016

VIDA







Sons de cristais que brindam,
Sons de cristais que quebram:
Assim tem sido minha vida
Nos caminhos que me levam.

Sonhos e pesadelos,
Vontade de despertar
Ou de dormir para sempre
E nunca mais acordar.

Cheiro de flor e mato,
Cheiro de asfalto quente:
Eu sigo, aceitando os fatos
No meio de tanta gente.

Ora triste, ora contente,
Assim como todo mundo
Que vai procurando um rumo
Entre o raso e o profundo.



CÉUS DE ANA BAILUNE - EM HOMENAGEM À CHICA













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