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quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

AS LUZES DO MUNDO

 

(Crônica baseada em um poema de Lucia Bauer)

 



 

Ontem a noite estava cálida. Eu, meu marido e nossos dois cães nos sentamos no jardim, como sempre fazemos quando as noites estão bonitas. Estávamos um pouco cansados, pois tivéramos um dia cheio, apesar de estarmos aproveitando férias. O calor dá essa sensação de termos feito mais do que fizemos.

 

Gosto de me sentar em minha varanda ao entardecer - coisa que não posso fazer fora do período das férias - e ver as luzes das casas lá em baixo se acendendo aos poucos, enquanto os carros passam na ponte em direção às suas casas. Depois, começo a escutar cães latindo alegremente, saudando seus donos, crianças brincando e sons vindos de aparelhos de TV. Em seguida, vem os cheiros de comida: alguém está fritando um bife, cozinhando arroz, temperando o feijão.

 

Antes de entrarmos em casa, costumamos colocar os cachorros para dormir; sim, eu sou aquela doida que põe os cães para dormir, desejando-lhes boa noite e dizendo "Fiquem com Deus, São Francisco de Assis, São Lázaro e São Roque." A luz da área de serviço onde eles dormem estava acesa, e pedi ao meu marido que a apagasse para que a gente pudesse ver as estrelas. Eu estava olhando para o céu naquele momento e vendo apenas algumas delas, um tanto apagadinhas. Assim que ele desligou as luzes, o céu se cobriu de estrelas cintilantes. 

 

Para ver as estrelas como elas realmente são, com todo o brilho que elas têm, precisamos ficar no escuro. O excesso de luzes artificiais encobre essa visão. 

 

Para realmente ouvir alguma coisa, é necessário que haja silêncio; Para se ter uma visão verdadeira sobre o mundo, é necessário antes olhar para dentro e compreender (mesmo que parcialmente) o que vemos, quem somos. É necessário admitir erros, falhas de caráter, medos, invejas. E acima de tudo, desejar, realmente, mudar. E não é através da negação dos nossos defeitos que mudamos. Isso só acontece quando os aceitamos totalmente, sem nos condenarmos exageradamente, mas compreendendo que tudo o que sentimos e somos faz parte do caminho e nos conduz a um aprendizado maior.

 

E só podemos aprender de verdade sobre nós mesmos. De nada adianta querer interpretar a Deus, ou às outras pessoas. Quem sabe, se nos conhecermos, seremos capazes de conhecê-los um pouco também, mas sempre admitindo que podemos estar errados. Porém, quando nos enxergamos como somos, automaticamente a nossa visão sobre as outras pessoas e seus propósitos melhora bastante. Quando reconhecemos nelas um caminho pelo qual já passamos, fica mais fácil entender suas reais intenções.

 

É preciso mergulhar na escuridão para que possamos realmente  ver as estrelas, aqui do lado de fora.

 

É  assim dentro da gente também. 

 

 


terça-feira, 10 de janeiro de 2023

EXISTE



 



Existe uma abóbada de vidro acidado

Que não deixa quem eu não quero

Ver do outro lado

Do meu pensamento.


É meu o que eu penso,

E sempre será.


 Existe uma estrada

Entre o que quero que saibam

E o que eu não quero,

E ela está, quase sempre,

Fechada.


Quem passa e me olha

Pensando que sabe

De tudo o que eu sei,

O olhar se desfolha.


Meu pensar é livre,

Mesmo que eles falem.


Tenho esse direito

O de ver o que eu vejo

E pensar o que eu quero,

Mesmo que me calem.




 


 




domingo, 8 de janeiro de 2023

ENVELHECER





ENVELHECER

 

 

Me inscrevi em um canal no YouTube cuja proposta pensei ser, inicialmente, falar sobre o envelhecer.

 

Cancelei a inscrição após um dia.

 

O canal é uma sucessão de vídeos sobre mulheres velhas ou muito velhas dizendo que não estão velhas, que a velhice está apenas na cabeça. Elas usam maquiagem pesada e saem para dançar usando roupas de bailarinas de cabaré, afirmando sempre que a velhice não existe. Nos vídeos, a maioria das pessoas nesses grupos são de mulheres, e elas fazem questão de mostrar a quantidade de álcool que consumem durante seus “brindes à vida.”  Há poucos homens, o que faz com que elas acabem tendo que dançar umas com as outras durante o baile. Acho isso um espetáculo triste.

 

Nos comentários, algumas pessoas usam adjetivos que, ao meu ver, são muito pejorativos: “Vovós danadinhas!” “Isso mesmo, é preciso ter um coração jovem, que gracinha!”

 

Minha mãe frequentava esses grupos e ela me contava sobre as disputas das velhas pela companhia masculina – havia poucos homens – inclusive, minha mãe me contou que chegou a sofrer ameaças vindas de uma das velhas, que a abordou na rua, enquanto ela estava no ponto de ônibus, fazendo um pequeno escândalo e dizendo que ia bater nela se ela dançasse com o fulano outra vez. Minha mãe ficou um bom tempo sem voltar àquele clube. Detalhe: ela tinha mais de 80 anos quando aquilo aconteceu.

 

O que vou escrever aqui sobre o envelhecer é a minha visão, e entendo que há pessoas que enxergam isso de outra maneira, embora eu ache que elas estejam perdendo uma grande oportunidade de verdadeiramente amadurecer.


Não acho que velho tenha que ser triste ou austero o tempo todo, mas negar a velhice, na minha opinião, não é uma decisão inteligente. Imagino essas senhoras chegando em casa do baile, removendo a maquiagem pesada, a peruca, as roupas inadequadas de dançarinas de cabaré e os saltos torturantes, dando um suspiro de alívio ao entrar em um caftan confortável e chinelos macios. De repente, elas se olham no espelho, e nesse momento, pinta o desespero. Quem sabe, a depressão.

No dia seguinte, elas vestem novamente suas fantasias de jovens, chamando umas às outras de “Meninas” e recomeçam seu jogo de negação. Acho isso triste.

 

Penso que isso tem mais a ver com desespero do que com aproveitar a vida.

 

Sei que aos 58 anos eu tenho muito mais chão atrás de mim do que terei pela frente. Eu quero poder ler os livros que ainda não li, tentar me preparar mais para o meu grande encontro com a morte – sim, não há nada de mórbido nisso, pois a morte é um fato da vida – viajar, estar com as poucas pessoas que ainda consigo suportar, assistir aos meus filmes favoritos, e por que não, dançar, se a ocasião for propícia, sem forçar a barra ou ter que me fantasiar de dançarina de cabaré, o que seria ridículo. Eu quero tentar entender, mesmo que seja difícil, essa pessoa que sou eu, essa mulher na qual eu me tornei. Quero ter uma alma velha, antiga. Quero ser a tia meio bruxa, quem sabe, meio reclusa, que estuda muito e fala bem pouco.

 

Não vou aqui tentar recuperar o tempo perdido, pois o que foi perdido não pode ser reencontrado, pelo simples fato de que não há caminho de volta, nem nunca houve. É daqui para frente. É fazer o melhor que eu puder agora e viver uma vida que seja de verdade. Não quero jamais me tornar uma caricatura de mim mesma. Não vou tentar me infiltrar em grupos de pessoas mais jovens ou me enfiar em grupos de  “Melhor idade”, “Terceira idade” ou seja lá como for que os chamem. Prefiro ficar entre as pessoas que eu gosto, as que sempre conheci. Não me interessa fazer novos amigos, mas se acontecer naturalmente, por afinidade, por que não?

 

Eu gosto mesmo é da minha casa e de estar perto da natureza. Gosto de conversar com as árvores, admirar as plantas e os bichos e aprender sobre eles. Adoro estudar sobre assuntos que remetem à espiritualidade, e não tento impor minhas crenças a ninguém. Amo ler e escrever. Ainda trabalho, e amo o que eu faço. Vivo uma vida tranquila e me considero uma pessoa feliz a maior parte do tempo. Tenho tudo o que preciso e quase tudo o que sonhei. Tenho vivido uma vida com experiências boas, muito boas, ruins e muito ruins, e tento aprender com tudo. Não tento sair dos momentos ruins sem antes refletir e aprender. Tem gente que prefere “passar uma borracha” sobre a tristeza e colocar um sorriso no rosto, mesmo que seja falso.

 

A ditadura da felicidade, tão propagada nas redes sociais, também tem sido aplicada ao envelhecer. Lembro de uma Instagrammer de mais de 80 anos de idade, ex modelo, que postava fotos de biquine nas suas redes sociais, super maquiada, calçando saltos altíssimos que, com certeza, ela não conseguiria usar para caminhar. Eu sempre pensava: o que essa criatura está tão desesperadamente tentando provar? Que ainda é jovem? Que ainda é bonita e sensual? Que ainda “está podendo?” Seja o que for, ela falhou.

 

Não quero o “ainda.” Jamais me esforçarei para provar que eu “ainda.”  Quero o que é possível, sem me submeter a papéis ridículos. Quero ser respeitada, e não ser chamada de “gracinha,” “fofinha,” ou seja lá o que for. Não quero que me digam que eu não aparento a minha idade. Nunca vi isso como um elogio. Tais comentários só afirmam que, apesar das aparências, você envelheceu.

 

Não vou negar a minha idade, não porque eu ache que a velhice seja a melhor idade, ou a melhor fase na vida de uma pessoa. A melhor fase é entre os 15 e os 30 anos, pelo menos é o que eu acho. Envelhecer é ruim. Envelhecer dói, significa perder a beleza física, ter que lidar com possíveis problemas de saúde, perder a vitalidade, preferir ficar em casa a ir à uma festa simplesmente porque se sente cansada.

 

Envelhecer significa ter que lidar com vários tipos de julgamentos e preconceitos, trocas de olhares entre pessoas mais jovens toda vez que você esquece uma luz acesa, não consegue se lembrar do nome de alguém ou queima a comida, mesmo que essas sejam coisas que acontecem frequentemente entre os jovens. Talvez por isso essas senhoras dos vídeos tentem fingir que ainda são jovens. Talvez venha daí o desespero de mostrarem que ainda podem, que ainda conseguem, que ainda estão na moda: o medo dos mais jovens. O medo de serem confinados em casas de repouso pelos membros mais jovens da família. O medo de estarem quietinhos lendo um livro e serem classificados como depressivos.

 

Esta não é a primeira vez que escrevo sobre isso – tem um outro texto na minha escrivaninha do Recanto das Letras onde abordo o mesmo assunto. Mas lendo o que escrevi naquela ocasião e o que escrevi hoje, vejo que minha opinião não mudou. Fui procurar o texto e descobri que foi escrito há quase exatamente dois anos, no dia 09/01/2021. Muita água já rolou por baixo e por cima do meu telhado desde então. E não me arrependi de nada que foi escrito naquele dia.

 

 

 

 

 

 



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