ENVELHECER
Me inscrevi em um canal no YouTube cuja proposta pensei ser, inicialmente, falar sobre o envelhecer.
Cancelei a inscrição após um dia.
O canal é uma sucessão de vídeos sobre mulheres velhas ou muito velhas dizendo que não estão velhas, que a velhice está apenas na cabeça. Elas usam maquiagem pesada e saem para dançar usando roupas de bailarinas de cabaré, afirmando sempre que a velhice não existe. Nos vídeos, a maioria das pessoas nesses grupos são de mulheres, e elas fazem questão de mostrar a quantidade de álcool que consumem durante seus “brindes à vida.” Há poucos homens, o que faz com que elas acabem tendo que dançar umas com as outras durante o baile. Acho isso um espetáculo triste.
Nos comentários, algumas pessoas usam adjetivos que, ao meu ver, são muito pejorativos: “Vovós danadinhas!” “Isso mesmo, é preciso ter um coração jovem, que gracinha!”
Minha mãe frequentava esses grupos e ela me contava sobre as disputas das velhas pela companhia masculina – havia poucos homens – inclusive, minha mãe me contou que chegou a sofrer ameaças vindas de uma das velhas, que a abordou na rua, enquanto ela estava no ponto de ônibus, fazendo um pequeno escândalo e dizendo que ia bater nela se ela dançasse com o fulano outra vez. Minha mãe ficou um bom tempo sem voltar àquele clube. Detalhe: ela tinha mais de 80 anos quando aquilo aconteceu.
O que vou escrever aqui sobre o envelhecer é a minha visão, e entendo que há pessoas que enxergam isso de outra maneira, embora eu ache que elas estejam perdendo uma grande oportunidade de verdadeiramente amadurecer.
Não acho que velho tenha que ser triste ou austero o tempo todo, mas negar a velhice, na minha opinião, não é uma decisão inteligente. Imagino essas senhoras chegando em casa do baile, removendo a maquiagem pesada, a peruca, as roupas inadequadas de dançarinas de cabaré e os saltos torturantes, dando um suspiro de alívio ao entrar em um caftan confortável e chinelos macios. De repente, elas se olham no espelho, e nesse momento, pinta o desespero. Quem sabe, a depressão.
No dia seguinte, elas vestem novamente suas fantasias de jovens, chamando umas às outras de “Meninas” e recomeçam seu jogo de negação. Acho isso triste.
Penso que isso tem mais a ver com desespero do que com aproveitar a vida.
Sei que aos 58 anos eu tenho muito mais chão atrás de mim do que terei pela frente. Eu quero poder ler os livros que ainda não li, tentar me preparar mais para o meu grande encontro com a morte – sim, não há nada de mórbido nisso, pois a morte é um fato da vida – viajar, estar com as poucas pessoas que ainda consigo suportar, assistir aos meus filmes favoritos, e por que não, dançar, se a ocasião for propícia, sem forçar a barra ou ter que me fantasiar de dançarina de cabaré, o que seria ridículo. Eu quero tentar entender, mesmo que seja difícil, essa pessoa que sou eu, essa mulher na qual eu me tornei. Quero ter uma alma velha, antiga. Quero ser a tia meio bruxa, quem sabe, meio reclusa, que estuda muito e fala bem pouco.
Não vou aqui tentar recuperar o tempo perdido, pois o que foi perdido não pode ser reencontrado, pelo simples fato de que não há caminho de volta, nem nunca houve. É daqui para frente. É fazer o melhor que eu puder agora e viver uma vida que seja de verdade. Não quero jamais me tornar uma caricatura de mim mesma. Não vou tentar me infiltrar em grupos de pessoas mais jovens ou me enfiar em grupos de “Melhor idade”, “Terceira idade” ou seja lá como for que os chamem. Prefiro ficar entre as pessoas que eu gosto, as que sempre conheci. Não me interessa fazer novos amigos, mas se acontecer naturalmente, por afinidade, por que não?
Eu gosto mesmo é da minha casa e de estar perto da natureza. Gosto de conversar com as árvores, admirar as plantas e os bichos e aprender sobre eles. Adoro estudar sobre assuntos que remetem à espiritualidade, e não tento impor minhas crenças a ninguém. Amo ler e escrever. Ainda trabalho, e amo o que eu faço. Vivo uma vida tranquila e me considero uma pessoa feliz a maior parte do tempo. Tenho tudo o que preciso e quase tudo o que sonhei. Tenho vivido uma vida com experiências boas, muito boas, ruins e muito ruins, e tento aprender com tudo. Não tento sair dos momentos ruins sem antes refletir e aprender. Tem gente que prefere “passar uma borracha” sobre a tristeza e colocar um sorriso no rosto, mesmo que seja falso.
A ditadura da felicidade, tão propagada nas redes sociais, também tem sido aplicada ao envelhecer. Lembro de uma Instagrammer de mais de 80 anos de idade, ex modelo, que postava fotos de biquine nas suas redes sociais, super maquiada, calçando saltos altíssimos que, com certeza, ela não conseguiria usar para caminhar. Eu sempre pensava: o que essa criatura está tão desesperadamente tentando provar? Que ainda é jovem? Que ainda é bonita e sensual? Que ainda “está podendo?” Seja o que for, ela falhou.
Não quero o “ainda.” Jamais me esforçarei para provar que eu “ainda.” Quero o que é possível, sem me submeter a papéis ridículos. Quero ser respeitada, e não ser chamada de “gracinha,” “fofinha,” ou seja lá o que for. Não quero que me digam que eu não aparento a minha idade. Nunca vi isso como um elogio. Tais comentários só afirmam que, apesar das aparências, você envelheceu.
Não vou negar a minha idade, não porque eu ache que a velhice seja a melhor idade, ou a melhor fase na vida de uma pessoa. A melhor fase é entre os 15 e os 30 anos, pelo menos é o que eu acho. Envelhecer é ruim. Envelhecer dói, significa perder a beleza física, ter que lidar com possíveis problemas de saúde, perder a vitalidade, preferir ficar em casa a ir à uma festa simplesmente porque se sente cansada.
Envelhecer significa ter que lidar com vários tipos de julgamentos e preconceitos, trocas de olhares entre pessoas mais jovens toda vez que você esquece uma luz acesa, não consegue se lembrar do nome de alguém ou queima a comida, mesmo que essas sejam coisas que acontecem frequentemente entre os jovens. Talvez por isso essas senhoras dos vídeos tentem fingir que ainda são jovens. Talvez venha daí o desespero de mostrarem que ainda podem, que ainda conseguem, que ainda estão na moda: o medo dos mais jovens. O medo de serem confinados em casas de repouso pelos membros mais jovens da família. O medo de estarem quietinhos lendo um livro e serem classificados como depressivos.
Esta não é a primeira vez que escrevo sobre isso – tem um outro texto na minha escrivaninha do Recanto das Letras onde abordo o mesmo assunto. Mas lendo o que escrevi naquela ocasião e o que escrevi hoje, vejo que minha opinião não mudou. Fui procurar o texto e descobri que foi escrito há quase exatamente dois anos, no dia 09/01/2021. Muita água já rolou por baixo e por cima do meu telhado desde então. E não me arrependi de nada que foi escrito naquele dia.
Feliz domingo, querida amiga Ana!
ResponderExcluirTemos muito em comum.
Não estou para fazer o que aparece aos outros e, muito menos, para viver uma positividade tóxica de quem quer fazer média com a sociedade em parecer "forte " o tempo todo. Que burrice!
Enfim, cada louco com sua mania...
Gosto de estar vivendo a idade que tenho, já me desvencilhei de muita coisa em muitos níveis.
Aos poucos, tudo vai sendo muito melhor apesar da idade trazer consequências particulares à saúde e ao corpo físico.
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos
Bah, nada mais incomodativo do que idosas que querem ter comportamento de guriazinhas. Acho no mínimo, ridículo. Por isso creio que cada um deve assumir as rugas, pelancas e tudo mais que a idade nos traz e não querer fazer da idade um palco... beijos, chica
ResponderExcluirPenso que saber envelhecer é uma arte. Arte da vida vivida e aceitar o que vier pela frente. A saúde já não será mesma, a memória, as articulações, mas aceitar como sendo uma consequência a que temos de nos sujeitar porque é mesmo assim.
ResponderExcluirE como bem diz, Amiga Ana, há muita coisa que podemos fazer sem cairmos no ridículo. Estarmos ao pé das pessoas de quem gostamos e que nos apreciam tenhamos nós a idade que tivermos. E há tantas actividades que poderemos desenvolver sem que tenhamos de escalar montanhas e fazermo-nos de jovens, com roupas e maquillagem que não são para nós.
Adorei o seu texto.
Continuação de um bom Domingo.
Beijo
Olinda
Que texto excelente Ana! Você traz com tanta clareza o que venho observando nesse universo do envelhecer, ou como muitos preferem, da longevidade.
ResponderExcluirPassei, de uns tempos para cá, a me interessar pelo tema ( é, estou envelhecendo e acho isso muito bom, sinônimo de vida ) e realmente é difícil encontrar conteúdo condizente ao tema. O que mais se vê é uma maneira de negar, de fugir, de mascarar a velhice. Bizarrices e excentricidades é o que mais se encontra. Recentemente assisti a um documentário que prometia relatar a vida de idosos num local construído especialmente para eles e o que foi mostrado? Muita festa, álcool, drogas, enfim, o velho sempre jovem. Não é isso o que procuro e nem quero no meu envelhecer.
Como você, tenho olhado para o tema da morte, tenho cultivado mais introspecção.
Maravilhoso texto! Abraço.
A realidade aqui impressa diz uma verdade absoluta. Coloca o idoso em sintonia com o seu mundo, que é por demais caro a ele. Não se pode esquecer que algo mudou dentro de si mesmo. E vamos em frente assumindo a idade que se tem... Gostei do texto.
ResponderExcluirAbraços, Ana!
Não tenho medo algum de envelhecer. Para mim a morte é adormecer e não acordar.
ResponderExcluir.
Poema: Vive-se uma vida de ninguém … Feliz Ano Novo..
.
.
Saber envelhecer com sabedoria, nem sempre é fácil, mas é possível, digo-lho eu que já ultrapassei os 58 anos há muito tempo. Vocé ~e uma jovem. Gostei do seu texto.
ResponderExcluirUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Querida amiga Ana, tema que deixa qualquer um deprimido se for mesmo olhar as fugas que muitos tentam dessa realidade, enfim...
ResponderExcluirAmar a vida, ter vivido muito bem ajuda e muito!
Quero te desejar Feliz Ano Novo, embora sabemos que cada ano novo ficamos mais velhos, abraços apertados!
🤗😍
Quero dizer-lhe que achei este seu texto "BRILHANTE".
ResponderExcluirUm abraço.
Boa tarde Ana
ResponderExcluirLi o seu texto e achei muito realista e brilhante.
Subscrevo na integra.
Desejo Semana Abençoada e cheia de saúde.
Beijo
:)